Sandra Jimenez, Head de Música do YouTube para América Latina e EUA (Divulgação)
Repórter
Publicado em 26 de novembro de 2025 às 06h00.
O YouTube começou o ano de 2025 com uma ambição declarada: tornar-se o principal palco global da música e consolidar sua liderança no streaming. Impulsionada pelo consumo massivo de conteúdos no Brasil, a plataforma de vídeos do Google avança em frentes estratégicas que vão além do entretenimento tradicional e redesenham sua participação na indústria musical do país.
O hype do Tiny Desk Brasil, que ultrapassou milhões de visualizações em apresentações como as de Péricles e Ney Matogrosso, é apenas um dos marcos que mostram como o Barasil se tornou vitrine para formatos capazes de influenciar tendências culturais em larga escala. Com o investimento da companhia em projetos de fomento a novos artistas e aprimoramento de seu serviço, o YouTube se prepara para desbancar os rivais e se estabelecer como a força motriz do mercado da música em 2026.
Por aqui, esse movimento ganhou tração com o fechamento do acordo com a companhia norte-americana de mídia National Public Radio (NPR, na sigla em inglês) para a edição brasileira do Tiny Desk.
Com mais de 3,5 bilhões de visualizações acumuladas na internet, o Tiny Desk se tornou um dos programas de conteúdo musical mais assistidos no YouTube. Desde sua estreia, em 2008, ele já exibiu mais de 1 mil apresentações, reunindo artistas de diferentes gêneros em performances gravadas em um pequeno escritório. Entre os artistas que já participaram estão Sting, Taylor Swift, Bono Vox, Alicia Keys e Billie Eilish.
A versão brasileira é produzida pela agência Anonymous Content Brazil, que detém os direitos de licenciamento e produção, em parceria com o YouTube Brasil, encarregado da distribuição, promoção e modelo comercial da iniciativa.
De dentro dos bastidores dessa operação, Sandra Jimenez, Head de Música para o YouTube na América Latina e EUA, conta à EXAME sua expectativa com a parceria: transformar o YouTube no epicentro global da música ao vivo.
"A NPR sempre viu a América Latina, especialmente o Brasil, como um dos maiores consumidores do conteúdo deles no canal NPR Music, onde publicam seus vídeos. Após a oficialização do acordo com a agência Anonymous Content Brazil, o YouTube Music entrou em cena para alinhar a parte comercial e editorial desse projeto", detalha a executiva.
Ela considera que o êxito da primeira temporada se deve à forte conexão dos artistas escolhidos pelas parceiras com diferentes públicos e ao formato de transmissão das lives, que passam aos fãs não apenas a sensação de estar em um show intimista, mas também de pertencimento.
"Usamos a plataforma para proporcionar momentos genuínos de conexão entre os fãs e os artistas, em um formato do qual o YouTube é pioneiro. Não consigo imaginar esse formato de forma diferente: começa de maneira simples, mas com um toque minimalista nos detalhes", explica. "Cada item no cenário das apresentações tem um propósito, uma razão de estar ali, o que cria um ambiente acolhedor para o artista. Ele já tem presença no YouTube e uma conexão com a plataforma, o que torna o projeto mais atraente".
Para quem está com o microfone nas mãos, carisma no rosto e energia na voz, a apresentação também é a oportunidade para elevar o alcance de seu trabalhou ou aquecer a relação com os fãs. "Com o consumo massivo da internet e dos celulares, os artistas podem alcançar uma audiência gigantesca. O YouTube, por exemplo, é o formato ideal para isso, algo totalmente singular", ressalta a executiva.
A expansão do alcance do Tiny Desk Brasil conta com a parceria do YouTube com diferentes marcas, como Heineken e Volkswagen, para o patrocínio das temporadas — as duas primeiras estão prontas e a terceira já confirmada.
Com um olhar atento ao comportamento dos usuários na plataforma, o objetivo foi unir relevância, criatividade e formatos nativos em uma proposta que extrapola o palco original do Tiny Desk. “Nosso foco é entender as tendências na plataforma, identificar o que é nativo do YouTube e valorizar os formatos que realmente fazem sucesso entre os brasileiros.”
Após o 'match' entre as empresas, a missão de Sandra foi encontrar caminhos para que o Tiny Desk pudesse se beneficiar de todo o aparato do YouTube para conquistar novas audiências, mas sem perder a sua essência. No entanto, para que os espetáculos tivessem uma DNA brasileiro, o projeto precisava superar os limites geográficos.
“Identifiquei a oportunidade de expandir para outras esferas de conteúdo, sem comprometer a identidade editorial do Tiny Desk. A ideia era aproximar ainda mais a marca dos brasileiros. Embora seja um produto consolidado e mundialmente conhecido, o Tiny Desk ainda é um entretenimento muito concentrado no eixo Rio-São Paulo", explica.
A solução foi desenvolver um ecossistema robusto de conteúdo multiplataforma, com artistas e personalidades que representavam a diversidade cultural e regional do Brasil.
“Precisávamos explodir essa entravese para que chegar a outras regiões. Foi então que criamos um ecossistema de conteúdo para as marcas, envolvendo influenciadores e artistas, que são destacados ao longo de cada espetáculo transmitido no YouTube.”
Outro desafio foi garantir visibilidade cultural e artística consistente. A meta é trazer representatividade. “Além das marcas, uma das nossas principais preocupações foi garantir que todos os artistas tivessem uma cobertura que mostrasse não apenas seus talentos, como também a riqueza musical do nosso país.”
A proposta é transformar cada episódio em uma vivência única — tanto para quem assiste quanto para cada artista convidado.
A personalização da experiência vai da curadoria do line-up até o cenário e o repertório de cada show, com pegada intimista. É o espaço onde artista pode interagir com o público — que o acompanha da TV de casa ou pelo celular — e compartilha fragmentos de sua memória afetiva, momentos marcantes da carreira e outros elementos de sua vida pessoal, como um bate-papo informal.
“Os fãs ficaram fascinados com esse formato, porque não é o óbvio. Por exemplo, na apresentação do Péricles, ele fez uma viagem pela sua história musical, revivendo momentos do Exalta Samba, das músicas que ele e Jorge Aragão fizeram juntos. Fazer tudo isso no ambiente digital proporciona uma conexão mais íntima".
Na primeira temporada do Tiny Desk Brasil, a apresentação de Péricles, realizada em outubro, bateu 4,2 milhões de visualizações, o maior desempenho até então. Em seguida, destacam-se as lives de João Gomes, com 3,7 milhões de visualizações; Ney Matogrosso, com 3,1 milhões; Sandra Sá, com 2,2 milhões.
Segundo Sandra Jimenez, a adaptação brasileira e os resultados atingidos em audiência surpreenderam positivamente a NPR, criadora do Tiny Desk original. Mesmo com as outras duas temporadas já confirmadas, o desempenho traz boas perspectivas para o futuro do projeto.
“Conseguimos nacionalizar o formato, trazendo o nosso jeitinho, com a nossa gingada e o toque brasileiro. A NPR está muito impressionada com tudo que viu, tanto com o apuro técnico, no que diz respeito à captação, quanto com a qualidade dos artistas. Então, esse apoio pode abrir portas para futuras negociações, como novas séries ou próximas temporadas. Já temos duas temporadas confirmadas com 10 artistas incríveis".
E o calendário já está definido: “Vamos levar para o mercado a terceira temporada, com lançamento previsto para 2026, mais especificamente para o segundo semestre, por volta de outubro. A próxima temporada começam a ser lançada ainda no final deste ano, com a terceira já chegando para o início de 2026.”
A diretora do música do YouTube também adianta que, internamente, existem perspectivas favoráveis para a exportação do Tiny Desk como produto para outros mercados da América Latina. Embora sejam notados os potenciais deste formato para outros consumidores, as negociações ainda estão em fase inicial.
“No Brasil, o projeto já é um sucesso e isso nutriu o desejo de expansão para a América Latina. Mas ainda há muitas negociações pela frente, principalmente porque a NPR e a Anonymous possuem os direitos para a região. No momento, eles estão super focados na primeira temporada e no lançamento da terceira. Mesmo assim, uma conversa sobre a expansão para 2026 parece mais viável".
O interesse é impulsionado pela força do consumo musical no Brasil, que ocupa a terceira posição global em número de acessos ao YouTube, com 144 milhões de usuários, segundo levantamento da Opinion Box, plataforma de pesquisa de mercado.
Realizada em março, a pesquisa ouviu 1.099 usuários da plataforma. Metade dos entrevistados relatou aumento no tempo de consumo de vídeos em relação ao ano anterior, indicando crescimento contínuo no uso da plataforma.
Entre os principais usos, o YouTube tem se firmado como espaço multifuncional. Os destaques são o aprendizado de novos temas, citado por 56% dos participantes; distração, com 46%; e tutoriais aplicados ao cotidiano, com 42%. A oferta inclui ainda músicas, videoclipes, conteúdo educativo e informativo.
“O consumo de música pelo YouTube no Brasil e outros países latino-americanos é extremamente expressivo. Não há outras regiões no mundo com um consumo musical como o nosso, não apenas no YouTube, mas também em outras plataformas digitais", declara Sandra.
O estudo da Opinion Box também mostra um papel consolidado do YouTube no apoio às tarefas diárias e aos processos de aprendizagem, se tornando uma plataforma multifuncional, que transita do entretenimento para outras áreas de interesse dos usuários.
"Certamente, o YouTube não é exclusivo para música, mas é, sem dúvida, uma das plataforma de conteúdo mais democráticas. Como costumamos dizer: ‘O YouTube é o maior palco do mundo.’”
Em relação às mudanças de comportamento entre os usuários, Sandra reforça a relevância que a tela grande ganhou em meio à massiva conveniência dos smartphones. Esse cenário também impulsiona investimentos em produtos customizados para esses formatos.
"São 70 milhões de brasileiros consumindo conteúdo no YouTube em todas as verticais, não apenas música , embora ela seja uma parte significativa disso. E, quando falamos de ‘living room’, nos referimos ao consumo em Smart TVs, na sala de estar. É ali que as pessoas se reúnem com os amigos para ouvir, criar uma conexão e desfrutar do conteúdo juntos.”
Além do protagonismo no streaming, o YouTube também se consolidou com uma espécie "aceleradora de talentos". A plataforma já foi o primeiro lar de jovens talentos que iniciaram suas trajetórias na música com produções artesanais — na maioria das vezes com uma câmera de celular e muitos sonhos — e hoje arrebatam milhares de fãs em grandes shows e encabeçam as principais playlists.
Diante da era da creator economy, o YouTube anunciou o retorno do programa Foundry para 2025, que há quase 10 anos, deu suporte para a carreira de artistas independentes. Para esta edição, já foram selecionados os três primeiros artistas: Anycia (Estados Unidos), El Malilla (México) e Ana Laura Lopes (Brasil), que se destacaram por seus videoclipes.
A iniciativa contou com exposição em outdoors em pontos emblemáticos de grandes capitais globais, como a Times Square (em Nova York), a Leicester Square (em Londres) e a estação da Sé (no centro de São Paulo). Segundo o YouTube, o programa Foundry mantém vários mecanismos de desenvolvimento, como bolsas de apoio financeiro, mentorias, serviços de marketing, suporte das equipes e infraestrutura do YouTube e acesso privilegiados aos recursos da plataforma.
"O Foundry é um projeto que já existe no Brasil há vários anos, e que ajudou artistas atualmente estabelecidos como Jão e Marina Sena, além de artistas recentemente revelados como Ana Laura Lopes, que começou a criar conteúdo aos 12 anos e agora está fazendo sucesso após entrar para o programa", explica a diretora de músicas do YouTube.
Para 2025, o ativo de vídeos do Google investiu também no lançamento do Foundry Rising, um programa global que concede subsídios para artistas em fase inicial de carreira, ajudando-os na criação de seu próprio canal e em estratégias para crescimento de sua presença no YouTube.
Os projetos que saíram do papel neste ano representam para Sandra Jimenez mais do que oportunidades de negócio. Para ela, essas ações reforçam a missão da plataforma de democratizar a indústria da música e abrir caminhos para novos talentos.
“As gravadoras e grandes marcas já encontram novos talentos no YouTube, que se tornou um ecossistema fundamental para aqueles que estão dandos os primeiros passos na vida artística. Importantes nomes, como Giulia Be, IZA e Anitta, começaram fazendo covers aqui. E a trajetória ainda inspira vários artistas que logo serão descobertos”.
Nesses esforços, há também uma forcinha do algorítmo e do sistema de recomendação que amplificam o alcance desses conteúdos, que, segundo a executiva, existem para "furar bolhas" das mesmice. Assim artistas recém-lançados podem aproveitar essas brechas para serem conhecidos por cada vez mais pessoas.
“Temos diversas ferramentas que sugerem novos conteúdos durante o consumo, e muitas vezes o usuário se surpreende com artistas que nunca imaginou encontrar", declara.
Ao olhar para trás e recordar o quanto esses projetos expandiram, Sandra Jimenez fica mais otimista com as perspectivas para 2026. "Com a nova temporada do Tiny Desk e o ampliação do Foundry, vamos entrar fortes no próximo ano e manter nossa liderança nessa indústria, que se transformou com a nossa existência".