Taylor Swift: cantora construiu um império em quase duas décadas de carreira (Taylor Swift/Reprodução)
Repórter
Publicado em 6 de outubro de 2025 às 12h08.
"Este império pertence a mim" — é isso que canta a americana Taylor Swift em “Father Figure”, uma das faixas de seu novo álbum The Life of a Showgirl, lançado na última sexta-feira, 3.
A frase não poderia ser mais verdadeira: com um patrimônio estimado em US$ 1,6 bilhão, segundo a Forbes, Swift não é conhecida somente por suas músicas, mas também por ter se consolidado como uma das figuras mais lucrativas e estratégicas da indústria do entretenimento.
O novo disco chegou quebrando recordes. Foram 2,7 milhões de cópias físicas vendidas no primeiro dia, das quais mais de 1,2 milhão apenas em vinil — um recorde na carreira da cantora, que lançou seu primeiro disco em 2006. Isso coloca Swift no caminho de superar as vendas do álbum 25, da britânica Adele, que em 2015 vendeu 3,4 milhões de cópias na primeira semana.
Na era do streaming, Swift também se destaca. O álbum bateu recordes de ouvintes no Spotify e Apple Music, incluindo a canção “The Fate of Ophelia”, que se tornou a faixa mais ouvida em um único dia na história da plataforma.
A artista também lançou nos cinemas americanos o especial The Official Release Party of a Showgirl, que arrecadou US$ 33 milhões no primeiro fim de semana, em uma exibição limitada e com ingressos a US$ 12 — valor simbólico, referente ao número de álbuns lançados por ela até agora.
Por trás do espetáculo está uma operação de negócio construída ao longo de quase duas décadas, marcada por decisões estratégicas, controle criativo e, sobretudo, uma capacidade de transformar engajamento emocional em capital financeiro, segundo Kevin Evers, editor sênior da Harvard Business Review e autor do livro There’s Nothing Like This: The Strategic Genius of Taylor Swift.
Para Evers, em entrevista à EXAME, a artista é “menos um fenômeno artístico e mais um estudo de caso sobre marca, controle narrativo e visão de longo prazo”. Segundo o especialista, o que sustenta a carreira de Swift não é apenas talento, mas disciplina empresarial. “Ela pode parecer improvável, mas o que faz não é magia. É método.”
Vinil de The Life of a Showgirl, novo álbum de Taylor Swift (Foto de Valerie Terranova/Getty Images) (Valerie Terranova / Correspondente autônomo/Getty Images)
Se a autenticidade emocional é o que sustenta a base de fãs de Swift, segundo Evers, é sua inteligência de mercado que a mantém no topo.
Nenhuma estratégia exemplifica melhor isso do que o sistema de variantes físicas de álbuns, usado com frequência em seus últimos lançamentos. The Life of a Showgirl, por exemplo, chegou ao público em dezenas de versões diferentes.
São capas alternativas, cores variadas de vinil, combinações exclusivas de faixas bônus e edições limitadas vendidas apenas em determinados canais, como lojas de departamentos, sites oficiais ou plataformas de streaming.
As variantes transformam o ato de comprar um disco em uma espécie de caça ao tesouro, segundo especialistas de mercado.
Cada versão conta como uma unidade — ainda que vendida à mesma pessoa —, o que multiplica os números totais de vendas e mantém o nome dos artistas no topo dos rankings semana após semana.
O resultado é visível: as 2,7 milhões de cópias vendidas no primeiro dia do novo álbum provavelmente não vieram de 2,7 milhões de pessoas, mas de um número considerável de fãs que compraram múltiplas edições.
O mesmo aconteceu com The Tortured Poets Department, lançado em 2024, que acumulou quase 7 milhões de unidades comercializadas em poucos meses, e com Midnights, em 2022, que superou as vendas físicas de CDs, puxada pela força do vinil.
A estratégia não é nova, mas Swift levou o conceito ao extremo — e, segundo Evers, o fez com clareza. “Ela entendeu que, para um produto ser colecionável, ele precisa ser escasso e pessoal. E que, para vender algo emocionalmente, é preciso tornar o fã parte da experiência”, diz o autor.
Ele aponta que a obsessão dos fãs por completar coleções reflete uma engenharia emocional minuciosa, construída a partir da conexão direta com o público e do estímulo ao pertencimento. “Isso não é só marketing. É comportamento humano.”
Swift não é a única a adotar essa estratégia. Billie Eilish, por exemplo, lançou seu terceiro álbum de estúdio, Hit Me Hard and Soft, com mais de dez edições físicas, variando capas, cores de vinil e até exclusividades de revenda em lojas como Urban Outfitters e Walmart.
No ano passado, Eilish chegou a segunda colocação na Billboard 200 com 339 mil unidades equivalentes vendidas na primeira semana, com cerca de 91 mil vinis vendidos.
Harry Styles seguiu um caminho parecido com Harry’s House (2022). Naquele ano, o cantor britânico apostou nas vendas de fita cassete com conteúdos exclusivos e variações regionais vendidas apenas em determinados países ou por tempo limitado.
As diferentes capas e cores também estimularam colecionadores e fãs mais fiéis a adquirirem mais de uma cópia, mesmo com o acesso às músicas nas plataformas de streaming.
Mas é no universo do K-pop que o modelo atinge níveis industriais. Grupos como BTS, Stray Kids, Seventeen e BLACKPINK transformaram as variantes em parte central de sua estratégia comercial.
Os álbuns vêm acompanhados de photocards (cartões com fotos dos integrantes), posters, adesivos e outros itens colecionáveis que variam de acordo com cada versão — o que criou uma cultura de trocas, revendas e caça por edições raras. Um lançamento de bandas coreanas pode chegar a ter 15 ou 20 variações físicas distintas, e há até mercados secundários online em que photocards específicos são vendidos por valores superiores ao do álbum completo.
Analistas apontam que o sucesso desse modelo no K-pop ajudou a consolidar uma nova lógica de consumo na indústria fonográfica global, em que o produto físico deixa de ser apenas meio de reprodução musical e passa a ser um artefato afetivo, visual e mercadológico.
Swift, atenta às dinâmicas, incorporou elementos dessa lógica com sua própria narrativa autoral, adicionando camadas de storytelling às edições físicas — como foi o caso dos relançamentos em Taylor’s Version, que incluíam faixas inéditas do vault, fotos e cartas pessoais aos fãs.
Mesmo com críticas e questionamentos — sobre sustentabilidade, transparência nas métricas e até sobre possíveis práticas de fan exploitation —, o modelo continua ganhando força.
Segundo relatório da Luminate, os álbuns com múltiplas edições físicas representaram mais de 60% das vendas totais de discos nos EUA em 2024, um salto em relação aos 42% de dois anos antes.
Swift conseguiu elevar o modelo ao patamar de estratégia cultural dominante, ao ponto de influenciar tanto novos lançamentos quanto as próprias regras da indústria. Para críticos, pode ser uma distorção. Para os fãs, um ritual de pertencimento. Para o mercado, um caso de sucesso ainda sem paralelo.
A própria Billboard, que organiza os rankings oficiais dos Estados Unidos, alterou suas regras em 2024 para limitar a contagem de variantes digitais — movimento visto como uma tentativa de frear a corrida armada que se criou em torno das vendas físicas.
Neste ano, Swift também encerrou um dos capítulos mais espinhosos de sua carreira: a disputa pelos direitos de suas gravações originais. Em 2025, ela recuperou os masters de seus seis primeiros álbuns, que haviam sido vendidos à revelia da cantora para o empresário Scooter Braun em 2019. A recompra foi feita junto à Shamrock Capital, que havia adquirido os direitos por cerca de US$ 300 milhões.
A perda dos masters deu origem à campanha das Taylor’s Version — regravações completas dos discos, com faixas inéditas e novas produções.
Lançadas entre 2021 e 2023, versões atualizadas de Fearless, Red, Speak Now e 1989 alcançaram números superiores às versões originais, dominando as paradas e se tornando referência na indústria musical. O álbum Red (Taylor’s Version), por exemplo, vendeu mais de 1,5 milhão de cópias em semanas, superando em muito os números do original. Já 1989 (Taylor’s Version) estreou com quase 1,4 milhão de unidades vendidas — o melhor desempenho da carreira de Swift até seu mais novo álbum.
Taylor Swift: cantora recuperou os masters de seus álbuns neste ano (Instagram/Reprodução)
Mais do que uma resposta simbólica, o projeto se mostrou lucrativo e transformador. “Gostaria de dizer que isso mudou a dinâmica de poder na indústria, mas não acho que tenha mudado. Taylor conseguiu fazer algo que só ela poderia fazer”, afirma Evers. “Foi um ato ousado: ela pediu que os fãs deixassem de ouvir as versões com que cresceram — e funcionou.”
Com o catálogo nas próprias mãos, Swift passa a ter controle completo sobre o uso de suas músicas, licenciamentos, vendas e exibições. Segundo a própria artista, essa autonomia representa seu “maior sonho realizado” — e foi possível, segundo ela, graças ao apoio do público.
A engrenagem comercial de Swift não funciona de forma isolada: ela é sustentada por uma das comunidades de fãs leais e engajados.
Desde o início da carreira, ainda adolescente, Swift investiu em construir uma conexão pessoal com seu público, usando ferramentas digitais muito antes de isso se tornar padrão na indústria.
No MySpace, por exemplo, ela respondia diretamente a comentários e mensagens, criando um senso de proximidade que se transformou em fidelidade de longo prazo. A relação evoluiu para práticas como as “Secret Sessions” — com listening parties privadas de álbuns realizadas na própria casa da artista, com fãs escolhidos a dedo — que criavam embaixadores orgânicos para cada lançamento.
Esse engajamento não apenas reforça a imagem de autenticidade emocional, mas funciona como um diferencial competitivo no mercado, segundo Evers.
Taylor Swift performa na The Eras Tour
A fidelidade extrema também potencializa estratégias como a das variantes físicas, transformando cada lançamento em um evento coletivo. A base de fãs, apelidada de Swifties, não só compra múltiplas versões dos discos, como promove espontaneamente os produtos nas redes sociais, gerando um efeito de rede que reduz custos de marketing e amplia resultados.
No caso da The Eras Tour, essa relação atingiu seu ápice: os shows arrecadaram mais de US$ 2 bilhões e movimentaram economias locais em até US$ 140 milhões por cidade.
Para analistas, essa capacidade de transformar consumidores em participantes ativos — que veem suas compras como parte de uma experiência e não apenas como transações — é a verdadeira vantagem competitiva de Swift.
Muito antes da fama global, Swift já pensava como empresária, segundo Evers.
Em Nashville, ainda adolescente, recusou o modelo tradicional da indústria country, que priorizava artistas que apenas interpretavam músicas escritas por terceiros.
Ela queria escrever suas próprias canções, construir sua narrativa, contar sua história — uma decisão que à época parecia ousada, mas que hoje é reconhecida como pioneira no setor. “Em vez de seguir o mercado, ela criou um novo mercado”, diz Evers.
Ao fazer a transição para o pop com o álbum 1989, muitos previram que perderia a autenticidade.
O que ocorreu foi o oposto: ela expandiu seu alcance sem abandonar a vulnerabilidade emocional que define seu trabalho. O álbum foi um sucesso massivo e consolidou sua reputação como artista pop — mas também como estrategista de marca.
“Muita gente vê o brilho, o glitter, os Louboutins — e perde de vista o quanto Taylor é ousada. Deixar o country no auge? Regravar todo o catálogo? São decisões enormes”, afirma Evers. “Ela não parece uma rebelde, mas toma decisões arriscadas o tempo todo.” Algo que todo empresário conhece bem.