Aix-en-Provence: celebração dos 120 anos de morte de Cézanne (Carolina Gehlen/Exame)
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Publicado em 31 de julho de 2025 às 20h00.
Diz a lenda que um dos pontífices que viveram no Palácio dos Papas, em Avignon, só comia alimentos de cor clara — talvez por precaução, talvez por hábito. Se fosse hoje, isso não seria problema, pois os queijos-alvos são um produto sagrado na mesa dos franceses e parte essencial de sua culinária.
Avignon fica na região da Provence-Alpes-Côte d’Azur, no sul do país, local com uma das tradições gastronômicas mais ricas da França, marcada por ingredientes frescos e sabores que refletem a luz e o clima do Mediterrâneo. Mas as tradições da região, muito além da mesa, estão recheadas de história e arte.
O nome Avignon pode soar familiar por causa do quadro Les Demoiselles d’Avignon, do pintor espanhol Pablo Picasso (1881-1973). Curiosamente, a obra não tem relação com a cidade. Picasso, no entanto, tem uma forte ligação com a Provence.
É ali, na base da montanha Sainte-Victoire, que ele está enterrado, no Château de Vauvenargues, nos arredores de Aix-en-Provence, cidade onde nasceu e morreu o também pintor Paul Cézanne (1839-1906). “Ele admirava Cézanne e dizia que ‘era o pai de todos nós, pintores’”, conta Donato Pascale, carioca que vive há cerca de 30 anos na França e há cinco atua como guia na Provence. Foi essa admiração que levou Picasso a comprar o castelo em 1958 — aos pés da montanha que inspirou Cézanne.
Pedreira de Bibémus, em Aix-en-Provence: o cenário de Cézanne (Carolina Gehlen/Exame)
Cézanne via a Sainte-Victoire da pedreira de Bibémus, cenário que ajudou a moldar seu olhar e suas telas. Tons de mostarda, formas rochosas e ângulos quase abstratos marcam suas representações dessa paisagem, que ele retratou obsessivamente: foram em torno de 100 desenhos e pinturas dedicados à montanha.
Neste ano, a cidade de Aix-en-Provence celebra os 120 anos da morte do seu mais célebre artista com uma grande programação. Um dos destaques é a exposição Cézanne au Jas de Bouffan, em cartaz no Musée Granet até 12 de outubro. A mostra reúne mais de 100 obras — entre pinturas, desenhos e aquarelas — e explora a relação íntima de Cézanne- com a antiga casa da família, que também está sendo restaurada e aberta para visitação.
Mais do que um lar, a mansão Jas de Bouffan foi o laboratório criativo de Cézanne por quase quatro décadas, entre 1859 e 1899. Foi ali que ele experimentou formas, luzes e temas que se tornariam centrais em sua obra, como banhistas, naturezas-mortas, retratos e as paisagens da bastide da família.
Denis Coutagne, curador associado da exposição e presidente da Société Paul Cézanne, afirma que o pintor produziu cerca de 1.000 pinturas a óleo ao longo da vida, além de aproximadamente 2.000 desenhos. Parte essencial desse legado pode ser vista agora, em sua cidade natal.
Cézanne inspirou uma série de criações em comemoração ao seu ano. Doces, vinhos, souvenirs e, claro, uma experiência gastronômica. A poucos quilômetros de Aix-en-Provence, o restaurante La Bastide Bourrelly — localizado em um hotel cinco estrelas e premiado com uma Estrela Michelin — serve um menu especial intitulado “Um Passeio pelas Terras de Paul Cézanne”. Em cinco etapas, o cardápio convida a provar os sabores que inspiraram o pintor.
A sobremesa recria as maçãs que aparecem em suas telas e remete a uma história contada por Donato. “Um grupo de garotos estava batendo em Zola, e Paul o defendeu. Como forma de agradecimento, a família de Zola, muito pobre, enviou uma maçã a Cézanne.” Talvez venha daí a afeição do pintor pela fruta, eternizada no prato final do menu.
Aos 13 anos, Cézanne ingressou no Colégio Bourbon, onde conheceu Émile Zola (1840-1902), escritor e jornalista francês que se tornaria seu grande amigo.
Além de ser a cidade que revelou a luz da Provence para Cézanne, Aix faz parte do Vallée de la Gastronomie, uma rota turística que conecta Dijon, Lyon e Marselha, atravessando três regiões francesas: Bourgogne-Franche-Comté, Auvergne-Rhône-Alpes e Provence-Alpes-Côte d’Azur.
Pavilhão projetado por Niemeyer no Château La Coste: arte, vinho e arquitetura (Carolina Gehlen/Exame)
Com cerca de 620 quilômetros de extensão, o percurso se estende de norte a sul pelos vales do Rhône e do Saône, reunindo mais de 800 vinícolas, mais de 90 chefs estrelados pelo Guia Michelin, produtos com selo de origem e mais de 450 experiências gastronômicas.
Em 2010, a refeição gastronômica francesa foi reconhecida pela Unesco como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade — um selo que reforça o valor das práticas tradicionais e do savoir-faire que moldam a identidade francesa.
Na rota dos sabores da Provence, o calisson de Aix merece uma parada obrigatória. Em formato de sorriso, essa iguaria açucarada leva três ingredientes principais: amêndoas, melões cristalizados e xarope de açúcar. De acordo com Alexis Bertucat, diretor de comunicação do grupo Territoire De Provence, proprietário da tradicional marca familiar de calissons Le Roy René — com mais de 100 anos de história —, a origem do doce está ligada a uma lenda. “O confeiteiro criou um doce em forma de sorriso. O rei René o ofereceu à rainha Jeanne e, ao prová-lo, seu rosto se iluminou. Surpresa, a corte perguntou: ‘Como se chamam essas delícias que fazem a rainha sorrir?’ O rei teria respondido: ‘Di calin soun’ — expressão em provençal, dialeto do sul da França, que significa ‘são carinhos’”. A relevância do calisson é tanta que, até hoje, a igreja de Saint-Jean-de-Malte, em Aix-en-Provence, celebra no começo de setembro a tradicional bênção desses doces.
A região também é o destino do vinho rosé. “A Provence não apenas produz rosé — ela vive o rosé. É a única grande região vinícola do mundo especializada em rosés, e foi nessa dedicação que ela alcançou sua forma mais refinada, precisa e desejada do planeta. Cerca de 90% da produção da Provence é rosé, e, diferentemente de muitas outras regiões, aqui esse estilo nunca foi subproduto. É tratado como uma expressão nobre do terroir, da identidade regional e do savoir-faire local”, afirma Pryscila Gashi, sommelière franco-brasileira que vive há mais de 15 anos na França, especializada em viticultura e enoturismo na Universidade Jules Guyot, em Dijon.
Halles de Lyon Paul Bocuse, em Lyon: mercado com mais de 50 comerciantes (Carolina Gehlen/Exame)
No Château La Coste pode-se provar os rosés da Provence, todos com o selo de “Agricultura Orgânica”. Localizado em uma das mais antigas regiões vinícolas da França e aberto ao público desde 2011, é um espaço onde vinho, arte e arquitetura se encontram.
Espalhadas pelos 200 hectares da propriedade, há obras de arte contemporânea ao ar livre e galerias de exposição. É também ali que está um pavilhão projetado por Oscar Niemeyer (1907-2012) — o último trabalho concebido pelo arquiteto brasileiro. Com suas linhas curvas e arquitetura orgânica, a construção abriga um auditório e um espaço de exposições, rodeados por vinhedos de uvas vermentino. A propriedade conta ainda com seis restaurantes e 52 quartos, com vista para as obras de arte ou para as vinhas.
Falar de comida na França é falar de Lyon. A terceira maior metrópole do país é considerada a capital mundial da gastronomia com seus mais de 5.000 restaurantes que reúnem uma impressionante variedade de sabores, dos tradicionais bouchons (bistrôs típicos da cidade) aos estabelecimentos estrelados.
Lyon, capital da gastronomia: o coração da cidade está na península formada pelos rios Rhône e Saône (Carolina Gehlen/Exame)
Um dos grandes símbolos da cidade é o Halles de Lyon Paul Bocuse, mercado inaugurado nos anos 1970 como feira de frutas e legumes. Reúne hoje mais de 50 comerciantes — entre peixarias, queijarias, padarias, confeitarias, mercearias, hortifrutigranjeiros, charcutarias, além de açougues, adegas e restaurantes, que defendem a memória gustativa da região.
Um de seus frequentadores ilustres foi Paul Bocuse (1926-2018), considerado um dos maiores chefs da história. Seu restaurante em Lyon manteve três Estrelas Michelin por mais de 50 anos. Em 2006, ainda em vida, nomeou o espaço após a reforma do prédio.
Uma das fornecedoras e amigas de Bocuse, que ainda hoje tem uma formagerie com seu nome no mercado, era Renée Richard. Conhecida como “La Mère Richard”, ela criou um estilo próprio de queijo Saint-Marcellin, de textura aveludada e cremosa, hoje reconhecido como um selo de qualidade. “Saint-Marcellin La Mère Richard é uma assinatura”, explica Pryscila Gashi. Uma das versões mais prestigiadas do queijo leva seu nome.
Para além da gastronomia, os 2.000 anos de Lyon são fartos de grandes histórias. Em 1998, seu centro histórico foi declarado Patrimônio Mundial da Unesco. O coração da cidade está na península formada pelos rios Rhône e Saône. Já a segunda colina tem forte ligação com o passado têxtil: foi lar dos canuts, os antigos tecelões de seda, e fez de Lyon um dos maiores centros têxteis da Europa. Ainda hoje, é possível explorar os edifícios do século 19 construídos para abrigar teares, além das famosas traboules, passagens ocultas que conectam ruas distintas.
Soierie Saint Georges, em Lyon: ateliê dedicado à fabricação artesanal de tecidos de seda (Carolina Gehlen/Exame)
A história de Lyon continua sendo tecida. Virgile De La Calle, cogerente da Soierie Saint-Georges, cresceu entre os fios de seda. Filho do fundador do ateliê dedicado à fabricação artesanal de tecidos de seda, ele trabalha ali há cerca de seis anos, mas carrega desde a infância a tradição familiar. A empresa é uma das últimas em Lyon que ainda utilizam teares do século 19 para produzir tecidos.
“Por que ainda produzimos esse tipo de tecido? Para quem vendemos? Para castelos, monumentos históricos, móveis, trabalhos sob medida”, explica La Calle. “Por exemplo, o tecido verde da minha sala foi feito pelo meu pai para o Castelo de Versailles. Só para você ter uma ideia: um cômodo de 16 metros quadrados levou 23 anos para ser finalizado, porque se produzem apenas alguns centímetros de tecido por dia. É um trabalho extremamente demorado, mas com uma técnica impossível de reproduzir em máquinas modernas.”
É da herança histórica que brota o charme de lugares como Grignan. Localizado na Drôme Provençale, esse vilarejo medieval com pouco mais de 1.000 habitantes é coroado pelo imponente Castelo de Grignan, que se ergue sobre uma colina rochosa com vista para a vila. Nesse cenário está o Le Clair de la Plume, um hotel composto de cinco espaços diferentes no centro histórico, incluindo um restaurante estrelado. É o lugar ideal para provar pratos com trufas locais. Ao longo do Vallée de la Gastronomie é possível encontrar trufas tanto na Borgonha (colhida de meados de setembro ao fim de janeiro) quanto na Drôme Provençale (disponível até março).
Risoto do Bistro La Ferme Chapouton, no hotel Le Clair de la Plume, em Grignan: ideal para provar trufas (Carolina Gehlen/Exame)
Ao longo do percurso, em Bégude-de-Mazenc, revelam-se algumas das imagens mais inesquecíveis do sul da França: os campos de lavanda. É ali que nasce a marca L’essentiel de Lavande, que cultiva lavanda e lavandin com métodos de agricultura orgânica e extrai óleos essenciais 100% naturais diretamente dos cálices das flores. Entre junho e julho, esses campos se transformam em um espetáculo cromático — começam azulados, ganham tons intensos de azul ou roxo e, por fim, ficam levemente acinzentados no período da colheita.
Com aromas marcantes, paisagens encantadoras e uma culinária que exala os ingredientes locais, o sul da França é uma síntese do melhor que o país tem a oferecer.
Campo de lavanda em Bégude-de-Mazenc: métodos de agricultura orgânica (Carolina Gehlen/Exame)
La Vallée de la Gastronomie abrange quatro regiões vinícolas: Borgonha, Beaujolais, Vale do Rhône e Provença. Conheça duas marcas que valem a visita
Le Caveau du Château e Delas Frères (Divulgação/Carolina Gehlen/Divulgação)
Le Caveau du Château
No coração do norte do Vale do Rhône, o Le Caveau du Château oferece degustações de grandes vinhos da região, como Côte-Rôtie, Condrieu, Hermitage e Châteauneuf-du-Pape. O espaço abriga também um museu com peças da família Guigal, celebrando a tradição do vinho na região.
Delas Frères
Fundada em 1835, a vinícola é uma das mais antigas do Vale do Rhône. No espaço de produção em Tain L’Hermitage, próximo a Tournon-sur-Rhône, uma nova adega foi projetada especialmente para a vinificação de tintos. A completa reestruturação da cave de envelhecimento e a oferta de acomodações de alto padrão fazem parte da abordagem de qualidade da Delas Frères. O arquiteto sueco Carl Fredrik Svenstedt projetou o complexo mais moderno do Vale do Rhône para a vinícola.
Calissons, navettes, amêndoas, um toque de flor de laranjeira, pedaços de frutas cristalizadas... Descubra os doces sabores do La Vallée de la Gastronomie
Calissons e Nougat (Divulgação/Divulgação)
Desde 1922, a fabricante de chocolate Valrhona fornece os melhores chefs e artesãos ao redor do mundo. Com mais de 1 milhão de visitantes desde 2013, a Cité du Chocolat Valrhona, em Tain l’Hermitage, é o maior centro de descoberta de chocolate na França. São 120.000 visitantes por ano que vivenciam uma jornada interativa e sensorial, explorando 2.000 m² dedicados ao chocolate responsável.
Air France: eleita em 2025 a Melhor Companhia Aérea da Europa Ocidental (Air France/Divulgação)
Viajar à França pode começar com charme e conforto ainda no embarque
A Air France opera hoje 25 voos semanais no Brasil, conectando cinco capitais ao aeroporto Charles de Gaulle, em Paris. São Paulo, com dois voos diários, é o único destino da América do Sul a contar com a exclusiva cabine La Première, a primeira classe da companhia.
A Air France foi eleita em 2025 a Melhor Companhia Aérea da Europa Ocidental e alcançou o oitavo lugar
no ranking global do Skytrax World Airline Awards. A cabine La Première recebeu os prêmios de Melhor Gastronomia em Lounge e Melhor Kit de Conforto, reforçando sua posição como referência em sofisticação nos ares.
Os menus das cabines La Première, Businesse dos lounges são assinados por chefs estrelados e elaborados com ingredientes frescos e sazonais, priorizando produtos de origem francesa e práticas sustentáveis.
A Air France reafirma seu papel como embaixadora do estilo francês de viajar — do design das cabines à última taça de champanhe servida a bordo.
*A jornalista viajou a convite da Atout France e Air France