Revista Exame

Como os agentes de IA vão mudar a relação entre marcas e clientes

Daniel Hoe, da Salesforce, explica a era do marketing 'agêntico', em que a IA atua de forma ativa e contínua, exigindo governança, novos fluxos e outra lógica de interação com o consumidor

Daniel Hoe, Vice-presidente de marketing da Salesforce para a América Latina (Salesforce/Divulgação)

Daniel Hoe, Vice-presidente de marketing da Salesforce para a América Latina (Salesforce/Divulgação)

Juliana Pio
Juliana Pio

Editora-assistente de Marketing e Projetos Especiais

Publicado em 24 de outubro de 2025 às 06h00.

O marketing entrou em uma nova fase da inteligência artificial. Depois dos estágios preditivo, que analisava dados, e generativo, que criava conteúdo sob comando humano, chega a era dos agentes autônomos, sistemas capazes de agir sozinhos, conversar com clientes e tomar decisões em tempo real. Para Daniel Hoe, vice-presidente de marketing da Salesforce para a América Latina, essa transição marca o surgimento do que ele chama de marketing “agêntico”, uma etapa em que a IA deixa de ser assistente e passa a -atuar como extensão das equipes, reconfigurando operações, metas e a própria relação entre marcas e consumidores.

Mas essa transformação também levanta novas questões. Como garantir governança, segurança e identidade de marca quando agentes começam a falar com o público? E de que forma pequenas empresas podem adotar essa tecnologia sem grandes investimentos? É sobre esse novo momento e o que ele representa para o futuro do marketing que Hoe fala na entrevista a seguir. Acompanhe.

Você está há 12 anos na Salesforce. O que mudou no papel do marketing nesse período?

Quando comecei, o marketing era dividido entre criatividade e análise, com marca e publicidade de um lado e dados e performance do outro. Com o tempo, essa separação se diluiu e o escopo se ampliou. Sempre me atraiu essa amplitude, e o marketing foi pioneiro no uso de IA preditiva. Hoje, além de gerar resultado, as marcas precisam ter opinião sobre temas como sustentabilidade e igualdade de gênero e racial, definir o tom de voz da empresa e saber até onde ir em seus posicionamentos.

Há dois anos, o destaque no Dreamforce (evento anual da Salesforce em São Francisco) era o Copilot, assistente de IA que executava tarefas e respondia a comandos. Agora o foco são os agentes de IA. O que muda?

É uma evolução. A tecnologia avança em ondas, da computação e da internet à mobilidade e às redes sociais, e agora chegamos à era da IA. O copiloto é reativo, segue instruções e fluxos definidos. O agente, por sua vez, é proativo e autônomo, interpreta contextos, toma decisões e interage com clientes. Ainda há receio em liberar sistemas totalmente independentes, mas esse é o salto que nos leva ao marketing “agêntico”.

O que isso significa na prática?

Chamo de marketing agêntico o marketing impulsionado por agentes de IA. Ainda operamos muito no modelo de push, com campanhas que empurram mensagens e e-mails sem resposta, uma comunicação de mão única. Com os agentes, passamos a ter conversas em dois sentidos, em qualquer canal, como e-mail, WhatsApp ou aplicativo. É o mesmo princípio das ferramentas de inteligência artificial que já usamos no dia a dia: não apenas consumimos informação, mas interagimos com ela. O marketing “agêntico” é isto: permitir que o consumidor se engaje em tempo real, de forma personalizada, em qualquer ponto da jornada.

Que benefícios o marketing “agêntico” traz para as empresas?

Hoje, quase metade dos leads gerados por empresas B2B não é aproveitada. As marcas investem em campanhas e eventos, atraem interessados, mas muitos contatos se perdem por falta de capacidade operacional. Com os agentes, isso muda. Quando um lead não pode ser atendido por um humano, a tecnologia assume a conversa e executa tarefas de venda em escala. É uma força de trabalho híbrida, em que humanos e agentes atuam juntos para transformar contatos antes perdidos em oportunidades reais, melhorando o funil e a receita.

Quais setores estão mais avançados nessas soluções de IA?

O Brasil está à frente de outros países da América Latina e até em comparação global. Neste ano, levamos oito clientes brasileiros ao Dreamforce para apresentar seus casos, como Cacau Show, Rodobens, Bradesco e iFood. Há avanços em educação, em que a janela de matrículas é crítica, e no setor financeiro, com agentes treinados para processos de crédito. Também há experiências em saúde, foodtechs, varejo e mídia.

Mesmo com o avanço do tema entre os CMOs, o uso de agentes de IA ainda parece restrito. O que trava essa implementação?

Essa é uma ótima observação. Ainda há uma diferença entre o que as pessoas fazem individualmente com a IA e o que as empresas estruturam de forma organizada. No uso pessoal, todos já têm exemplos práticos, mas dentro das companhias ainda faltam processos completos impulsionados por IA, o que dá a impressão de que pouca gente usa. As empresas preferem entender, testar e treinar antes de escalar, por isso algumas avançam mais rápido do que outras.

Quais são os principais pontos de atenção na implementação de agentes de IA?

Governança é o primeiro passo. Ao criar um agente, é preciso definir o papel que ele terá, o que poderá fazer e quais dados poderá acessar, como o CRM ou formulários. Também é essencial determinar fontes confiáveis e limites de acesso, para que o cliente saiba de onde vêm as informações. Outro ponto é estabelecer regras de escalonamento, quando o agente deve transferir a conversa a um humano, e prever situações de conduta, como o que fazer se o cliente for ofensivo. No fim, é como criar uma função dentro da empresa. O agente precisa ter um papel, uma responsabilidade e uma voz que representem a marca, refletindo a cultura corporativa como qualquer colaborador faria.

Essas soluções parecem exigir grandes estruturas. Pequenas empresas também conseguem adotar agentes de IA?

Sim, e esse é o poder da nuvem. Ela democratizou o acesso à tecnologia. A maioria dos nossos clientes é formada por pequenas empresas e startups. Os agentes de IA nivelam ainda mais a competição, permitindo que equipes menores atendam clientes 24 horas por dia. O ideal é começar com casos simples, como suporte fora do horário comercial ou follow-ups automáticos, e ampliar conforme o negócio cresce. É um processo gradual, não um investimento de milhões.

Alguns críticos dizem que a inteligência artificial tende a padronizar as marcas. Você concorda?

A tecnologia sempre esteve presente. CRM, automação e martech nunca foram o diferencial, e sim a forma como cada empresa utiliza, configura, treina e aplica seus agentes. A questão central é qual é a voz do agente de IA e de que forma ela reflete a cultura da marca. No fim, não é “o quê”; é “como” — e esse continua sendo o papel do CMO.

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