Revista Exame

De passagens a 200 reais a botox em alto mar: as ofertas das agências de viagem ao público sênior

Público 50+ viaja mais, gasta mais e transforma a indústria do turismo com novas demandas e experiências

Cultura e vivências locais: destinos clássicos, como Itália, estão entre os mais procurados pelo público sênior para viagens internacionais (Alexander Spatari/Getty Images)

Cultura e vivências locais: destinos clássicos, como Itália, estão entre os mais procurados pelo público sênior para viagens internacionais (Alexander Spatari/Getty Images)

Soraia Alves
Soraia Alves

Repórter Especial

Publicado em 12 de março de 2025 às 06h00.

Última atualização em 12 de março de 2025 às 10h22.

À medida que a população mundial envelhece e a expectativa de vida aumenta, a economia prateada se fortalece no mercado global. Segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), até 2030 o mundo terá cerca de 1,4 bilhão de pessoas com mais de 60 anos, número que representa um aumento de 40% em uma década. Já de acordo com a Oxford Economics, empresa de consultoria econômica global, o poder de compra projetado para essa fatia da população será de aproximadamente 15 trilhões de dólares.

Embora o senso comum associe a chamada economia prateada a alguns setores específicos, como saúde e bem-estar, muitas outras áreas já veem um aumento na procura por serviços personalizados para o público 50+. E a indústria do turismo é uma delas.

A tendência vem na esteira da retomada do turismo pós-pandemia. De acordo com o último balanço da ONU sobre o turismo mundial, em 2024 o setor atingiu a recuperação total desde a pausa provocada pela ­covid-19. Apesar dos desafios econômicos, geopolíticos e climáticos, cerca de 1,1 bilhão de turistas viajaram internacionalmente nos primeiros nove meses de 2024.

No Brasil, segundo dados do Ministério do Turismo, 2024 rendeu ao país a marca recorde de 6,6 milhões de turistas estrangeiros ao longo do ano, um crescimento de 12,6% em comparação com o ano anterior.

“Até 2022, ainda tínhamos os reflexos das restrições da covid-19, com remarcação de viagens e cancelamentos. Em 2023 os resultados foram positivos, mas 2024 superou as nossas projeções de crescimento”, analisa Ana ­Carolina Medeiros, presidente do conselho da Associação Brasileira de Agências de Viagens (Abav Nacional).

Preparo físico e comprometimento: aos 66 anos, Mário Tassini Júnior realizou o sonho de fazer a peregrinação até Santiago de Compostela, na Espanha (Arquivo Pessoal/Divulgação)

Viajar mais e melhor

Assim como no mundo todo, boa parte dos turistas estrangeiros que visitaram o Brasil em 2024 são pessoas com mais de 50 anos. O mercado global do chamado turismo prateado foi avaliado em 1,7 bilhão de dólares no último ano, segundo o relatório ­Silver ­Tourism Market Size, Share and ­Trends Analysis, desenvolvido pela Research and Markets, uma das maiores plataformas de pesquisa de mercado do mundo.

Quanto ao público brasileiro, Medeiros explica que os turistas 50+ viajam, em média, duas a três vezes por ano, e priorizam o estilo de turismo slow — viagens mais lentas e imersivas. “Eles valorizam conforto, experiências culturais e boa infraestrutura, buscando viagens mais longas e planejadas”, explica.

Engana-se, no entanto, quem acha que as viagens para o público sênior priorizam um roteiro apenas para o descanso. Entre as experiências mais buscadas estão destinos que proporcionam rotas históricas e culturais, gastronomia, ecoturismo e vivências locais, em especial localidades de praias com boa infraestrutura. “Há também a busca por programas customizados, que permitem ajustar o ritmo da viagem às preferências dos turistas, além de roteiros personalizados”, analisa a presidente do conselho da Abav Nacional.

Segundo a CVC Corp, um dos maiores grupos de viagens da América Latina, a maior parte das buscas entre o público brasileiro 50+ e 60+ está concentrada nos destinos nacionais, com o Nordeste liderando a procura. Em relação ao perfil desses clientes, a maioria viaja acompanhada por uma pessoa (43%), seguida por aqueles que optam por viajar sozinhos (28%). Em relação aos gastos, o tíquete médio do público 60+ chega a ser até 60% superior ao dos jovens de até 25 anos.

“Esse é um público que gosta de lazer e não abre mão de viajar. Como estilo de comportamento, o público da melhor idade é exigente e detalhista, além de ser um ótimo planejador de viagens e ter por hábito buscar empresas que possam cuidar de todos os detalhes da sua viagem”, afirma a empresa.

Maceió: com praias organizadas e boa infraestrutura, a capital alagoana é o destino mais procurado pelos viajantes seniores do país (Ruy Barbosa Pinto/Getty Images)

O engenheiro Mário Tassini Júnior, de São Paulo, é um exemplo de turista que, depois dos 60 anos, conseguiu realizar um antigo sonho de viagem. “Sempre tive vontade de ir a Santiago de Compostela, mas, quando comecei a me planejar, estava na faculdade e decidi esperar. Depois me casei e, novamente, decidi esperar. Então, vieram os filhos... Quando percebi, se passaram 40 anos e eu não fiz a viagem”, conta.

Finalmente, a ida à cidade espanhola, conhecida por ser o destino principal da rota de peregrinação dos Caminhos de Santiago, aconteceu em 2019, quando Mário estava com 66 anos. Ele percorreu mais de 800 quilômetros, saindo da França e indo à Espanha. “É preciso fazer um preparo físico e ter muito comprometimento. Foram 28 dias de caminhada”, lembra. Em 2024, aos 71 anos, ele repetiu a viagem, agora na companhia de duas filhas. “É uma experiência de encontro com você mesmo: a rotina inesperada, as conexões com outras pessoas. Fazer o Caminho com minhas filhas foi indescritível.”

Conforto sim, aventuras também

Identificar a carência de programas customizados para os viajantes 50+ foi o que fez a Pastore Turismo se especializar como uma operadora de viagens para o público sênior. Criada por Maurício Pastore em 1992, inicialmente a empresa atuava com foco no público jovem, especialmente adolescentes no período de formatura. Após alguns anos e com a experiência de mercado, o empresário acabou identificando a falta de assistência em viagens para o público 50+ como uma oportunidade de negócio.

Rodrigo Pastore, co-CEO e sócio da Pastore Turismo: empresa viu no público 50+ um nicho carente de experiências e atendimento personalizado (Pastore Turismo/Divulgação)

“Nesse período, a empresa passou por uma transição de nicho, a fim de focar os nossos serviços para esse público. Começamos com viagens nacionais simples, quase sempre rodoviárias. Em 2018, passamos por outra transição, dessa vez para estruturar e renovar o negócio. Ampliamos nossas ofertas de viagens e entretenimento e hoje somos uma referência brasileira no setor”, conta Rodrigo Pastore, co-CEO e sócio da Pastore Turismo e filho de Maurício.

Ser referência no turismo prateado significa estar em uma posição privilegiada de um mercado que, segundo o levantamento da Research and Markets, deve movimentar cerca de 4,3 bilhões de dólares até 2030. E esse crescimento tem trazido mudanças para o setor, como avalia Rodrigo Pastore.

“Temos percebido um aumento do interesse por destinos mais exóticos. É claro que clássicos como Itália, Portugal, Espanha e Grécia nunca morrem, mas a procura por lugares na África, na Ásia e na Oceania está aumentando. O público sênior quer viver experiências e aventuras. Para 2025, inclusive, temos projetos de viagens com grupos para Tailândia, Dubai, Vietnã, África do Sul, Turquia e Coreia do Sul. Para 2026, já pensamos em uma experiência no Japão”, conta o executivo.

Garantir uma boa assistência aos viajantes é prioridade para a companhia. A personalização dos serviços acontece desde o primeiro contato com atendentes e vendedores, e conta muito com a escolha de fornecedores de qualidade. “Hotéis, companhias aéreas, empresas de transfer, guias… Toda a nossa rede de apoio precisa atender esse público que gosta do melhor e é mais exigente”, avalia Rodrigo.

Saúde em foco

Viajantes 50+ também têm uma preocupação extra com a saúde, especialmente com o suporte oferecido durante a experiência. No caso da Pastore Turismo, os pacotes de viagens contam com um suporte diferenciado, que inclui desde o preenchimento de uma extensa ficha médica até representantes da companhia, treinados em primeiros socorros, que acompanham os grupos de turistas em todas as viagens. A CVC também oferece roteiros pelo mundo com completa assistência médica, já inserida no pacote desde o Brasil.

A maior atenção com a saúde e a longevidade também tem contribuído para o crescimento do chamado turismo médico (ou turismo de saúde). De acordo com a consultoria Patient Beyond ­Borders, em 2019, entre 21 milhões e 26 milhões de pessoas fizeram viagens internacionais em busca de cuidados médicos ou estéticos. Já segundo o Global Wellness Institute, que monitora o segmento de bem-estar há 15 anos, entre 2020 e 2022, o número de viajantes com foco no turismo de saúde e bem-estar aumentou 30%.

Botox em alto-mar

O segmento premium desse nicho oferece pacotes que contemplam desde a viagem até os tratamentos desejados, com cruzeiros, resorts de luxo e residências de férias sendo os mais procurados. A empresa americana Storylines, por exemplo, oferece cruzeiros pelo Mar Mediterrâneo nos quais os passageiros podem, entre outras coisas, realizar aplicações de botox e até tratamentos com células-tronco. Os pacotes são montados de forma personalizada, mas, dependendo do tratamento escolhido, podem chegar a 44.000 dólares.

No Brasil, espaços como o resort Kurotel, em Gramado (RS), oferecem instalações e tratamentos preventivos com foco no bem-estar. Há mais de 40 anos no mercado, o Spa Médico passou por atualizações ao longo das décadas para acompanhar tendências e interesses do público. Hoje, o portfólio da marca conta com terapias para alívio do estresse e da ansiedade, emagrecimento e longevidade, com estratégia para melhorar a atenção e a memória, por exemplo.

Incentivo aos turistas brasileiros

Para além do setor privado, o poder público também tem criado iniciativas para estimular escolhas nacionais pelos turistas 50+. Um exemplo é o programa Voa Brasil, lançado pelo Ministério de Portos e Aeroportos (MPor) no ano passado, que permite a compra de passagens aéreas a 200 reais cada trecho, mais o valor da taxa de embarque.

O plano é destinado a aposentados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), independentemente da faixa de renda, e que não tenham viajado nos últimos 12 meses. De acordo com o MPor, de julho a setembro de 2024, primeiros meses do projeto no ar, foram vendidas cerca de 10.400 passagens para 68 destinos brasileiros.

Para Roberto de Lucena, secretário de Turismo e Viagens do Estado de São Paulo, a expectativa é de que o turismo de brasileiros pelo país cresça ainda mais nos próximos anos. “Percebemos o crescimento do público 50+ e 60+ no turismo do estado, uma tendência mundial e que também vemos por aqui. Por isso, no ano passado promovemos alguns eventos chamados de Road60+ SP. Esses eventos passaram por cidades do interior e do litoral, capacitando mais de 600 agentes de viagem e profissionais do turismo para atender ao segmento sênior”, conta.

Também no ano passado, o governo paulista lançou o Guia Turismo da Maturidade no Estado de São Paulo. O documento reúne 70 destinos que atraem desde viajantes que buscam relaxar em meio à natureza até os que preferem festas e parques temáticos do interior do estado. “Aqueles que desejam priorizar sua saúde e bem-estar podem visitar Águas de Lindoia e aproveitar os benefícios das águas terapêuticas. Já os que preferem festas e parques temáticos podem conhecer locais como Barretos, Olímpia ou Itupeva. Para quem busca vivenciar o turismo religioso, há o Vale do Paraíba, conhecido como Vale da Fé, com cidades como Aparecida, Guaratinguetá, Cachoeira Paulista e muitas outras”, indica o secretário.


Top 5 destinos nacionais mais buscados por brasileiros 50+

1. Maceió (AL)

2. Natal (RN)

3. Fortaleza (CE)

4. Porto Seguro (BA)

5. Salvador (BA)


Top 5 destinos internacionais mais buscados por brasileiros 50+

1. Buenos Aires (Argentina)

2. Lisboa (Portugal)

3. Roma (Itália)

4. Paris (França)

5. Santiago (Chile)

Fonte: CVC Corp.


Cape Town: com baixo custo de vida, a segunda cidade mais populosa da África do Sul é a escolha de muitos intercambistas que desejam estudar inglês (Nattrass/Getty Images)

Nunca é tarde para um intercâmbio

As experiências procuradas pelo público 50+ podem ser tão variadas que intercâmbios não estão fora da lista. A modalidade é conhecida como uma experiência na qual o indivíduo reside temporariamente em um país estrangeiro, com o objetivo de estudar, trabalhar ou vivenciar a cultura local.

Segundo Carla Gama, diretora-geral da Experimento Intercâmbio Cultural, braço da CVC Corp para a modalidade, com o aumento da procura do público sênior por intercâmbios, a empresa criou um produto especial para atender à demanda. Chamado Sênior Explorer, o pacote oferece a oportunidade de a pessoa aprender um novo idioma enquanto passa uma temporada morando em outro país.

“Em 2018, fizemos uma pesquisa de mercado que mostrou o interesse desse público por esse tipo de vivência, especialmente para estudos no exterior e imersão em uma nova cultura. A maioria quer viver essa experiência pela primeira vez, e o que muitas pessoas procuram é justamente estar em espaços mesclados, com públicos de todas as idades”, conta Gama.

De acordo com a Experimento, o Sênior Explorer oferece desde opções individuais até grupos acompanhados por líderes brasileiros. Os programas combinam aprendizado, cultura, gastronomia e aventura. É possível, por exemplo, aliar o estudo de francês a um roteiro de visitas e degustações em vinícolas do país, ou ainda aprender italiano explorando a arte renascentista de cidades italianas. O apoio ao viajante acontece de forma completa, inclusive para ajudar a definir o destino, o tipo de curso e a acomodação, além de uma cuidadosa orientação pré-embarque e suporte total até o retorno do intercambista.

Segundo a executiva, a escolha dos destinos varia de acordo com a época do ano, mas lugares como Reino Unido, Canadá, Malta e Estados Unidos são sempre muito procurados. “Vemos também o crescimento do interesse por destinos na América do Sul e na América Central para o aprendizado de espanhol”, completa. “Imersões como essas trazem desafios intelectuais e pessoais. Não é só uma viagem, é algo que realmente provoca mudanças. Já ouvi muitas vezes sobre quanto viagens assim ajudaram no resgate da autoestima dos viajantes”, finaliza a diretora.

Aluno da Experimento, Dimas Moura passou mais de 40 anos trabalhando com tecnologia e aproveita a aposentadoria para viver novas experiências pelo mundo. Depois de fazer um intercâmbio em Malta, ele se prepara para ir, ainda neste ano, para Cape Town, na África do Sul. “Depois dos 50 anos não tem depois, tem de ser agora. Há tantas experiências que não pude viver quando jovem por falta de dinheiro, de tempo e de sabedoria. Chegou o momento de viver todas elas”, analisa.

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