Alexandre Mendonça, presidente do conselho da Carajás Home Center: “Agora competimos entre os grandes” (Andrea Ito de Melo/Divulgação)
Repórter de Negócios
Publicado em 20 de março de 2025 às 06h00.
Última atualização em 20 de março de 2025 às 06h22.
Entre duas das principais avenidas do bairro Mangabeiras, um dos mais nobres de Maceió, está uma iniciativa pioneira no Brasil de combinar a venda de materiais de construção com a de produtos e serviços pouco ou nada a ver com o dia a dia de um canteiro de obras. Num galpão com 40.000 metros quadrados, envolto por uma estrutura metálica em um tom verde vibrante, funciona a 11a loja da Carajás Home Center, a maior do tipo em Alagoas.
Aberta em 2022, a unidade de três andares tem, dentro dela, uma farmácia, uma praça de alimentação com dez restaurantes (incluindo um quiosque só para a venda de água de coco), uma unidade da rede de franquias de chocolates Cacau Show e uma barbearia. No terceiro piso está uma das maiores clínicas médicas particulares da capital alagoana, com espaço para exames, consultas e pequenos procedimentos médicos.
Os negócios pagam aluguel à Carajás, que opera nos moldes de uma administradora de shopping center. É da empresa a responsabilidade por serviços compartilhados, como a limpeza e a vigilância de toda a loja.A estratégia faz parte do DNA da Carajás. Em algumas das 12 lojas da rede é possível encontrar até supermercados a poucos metros dos tijolos, pregos e revestimentos cerâmicos comuns a um home center. “A oferta de serviços ajuda no fluxo de consumidores”, diz Alexandre Mendonça, presidente do conselho da Carajás.
O modelo de negócios fez a Carajás crescer rapidamente, mesmo mantendo um apelo regional. Fundada em 2000, em Maceió, a empresa tem hoje 12 lojas em cinco estados do Nordeste.Em duas décadas, virou um gigante. Em 2024, faturou 1,2 bilhão de reais.
O número coloca a Carajás na quinta posição entre os maiores home centers do Brasil em vendas, de acordo com dados da Anamaco, a associação do setor. No topo da categoria estão três multinacionais: as francesas Leroy Merlin e Saint Gobain (dona das marcas Telhanorte, em São Paulo, Minas Gerais e Paraná, e Tumelero, no Rio Grande do Sul) e a chilena Sodimac. O quarto lugar é da pernambucana Ferreira Costa, um negócio fundado em 1884 e atualmente com nove lojas em cinco estados do Nordeste. “Chegamos rápido até aqui”, diz Alexandre Mendonça, um dos sócios à frente da empresa. “Agora competimos entre os grandes.”
O embrião da Carajás foi uma pequena loja de material de construção na entrada de Maceió. Até então, os irmãos Alexandre, Abílio, Alex e Antuany trabalhavam numa madeireira do pai, Álvaro. O nome Carajás, inclusive, foi uma homenagem à região do Pará onde o patriarca fez negócios agroflorestais a partir dos anos 1970.
Nos primeiros anos, a Carajás atuou de forma semelhante às mais de 152.000 lojas de material de construção em funcionamento no país. Era mais um negócio familiar para a venda de alguns milhares de produtos, como cimento, tijolo e ferramentas, para mestres de obras nos arredores.
Loja da Carajás, em Fortaleza: empresa trabalha com portfólio de 20.000 produtos (Andrea Ito de Melo/Divulgação)
A guinada veio em 2007, com a abertura da primeira loja da Carajás no modelo atual, com mais de 20.000 produtos. A enxurrada de investimentos públicos no Nordeste, puxados por programas sociais dos primeiros dois governos de Luiz Inácio Lula da Silva, como o Bolsa Família e o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), aqueceu o mercado da construção civil para além do eixo Rio-São Paulo.
Ao mesmo tempo, num setor até então dominado por lojinhas, a proliferação dos home centers com um portfólio bem maior (uma megaloja da Leroy Merlin pode ter até 70.000 produtos) elevou o sarrafo da concorrência. “Vimos aí a oportunidade de ampliar o portfólio e entrar num mercado sem nenhuma grande marca alagoana”, diz Alexandre.
Antes de a Leroy chegar ao Nordeste (a primeira unidade da rede francesa na região foi aberta em 2015, em Fortaleza), a Carajás saiu abrindo home centers em capitais e cidades médias consideradas polo de comércio, como Arapiraca, no interior de Alagoas, e Campina Grande, no agreste paraibano.
A combinação de materiais de construção com a oferta de serviços variados foi uma questão de necessidade. Nem todos os fornecedores de um home center do Sul e do Sudeste conseguem entregar produtos com frequência no Nordeste. Em paralelo, muitos produtos com boa saída nos home centers das cidades do Sul e do Sudeste, onde o clima é temperado — vide tapetes ou carpetes —, têm pouca serventia em meio ao calorão nordestino.
Ao mesmo tempo que lida com as vicissitudes de operar longe dos grandes centros do Sudeste, a Carajás pode comemorar o fato de estar na região mais vibrante do Brasil para o mercado de construção civil. As capitais nordestinas estão entre as recordistas de valorização do metro quadrado em 2024. Em algumas, como Fortaleza, Maceió e João Pessoa, o preço dos imóveis cresceu mais de 10% em 2024, segundo o índice FipeZAP+, principal termômetro do mercado imobiliário do país.
Com mais gente buscando imóveis, cresce a demanda pela construção de novos empreendimentos imobiliários — e, no fim das contas, mais obras. Tudo isso, em cadeia, tem deixado as revendedoras de materiais de construção do Nordeste mais otimistas com as próprias vendas do que a média nacional, segundo dados da Anamaco. Consistentemente os varejistas nordestinos têm maior expectativa de venda do que a média nacional, segundo dados da Anamaco.
A aposta da Carajás na diversificação a ajudou também a evitar os piores efeitos da ressaca pós-pandemia no setor de materiais de construção. O fim da quarentena motivou a dispersão de recursos até então dedicados a reformas domésticas para outros gastos, como viagens e refeições fora do domicílio. Em 2023, último ano com dados já fechados pela Anamaco, o setor faturou 222 bilhões de reais, uma queda nominal de 2,8% sobre o resultado de 2022.
No meio disso tudo, a Carajás manteve o crescimento: no ano passado, a alta foi de 7%, acima da média do setor, de 5%. Atualmente, perto de 30% do 1,2 bilhão de reais de receitas da companhia vêm dos aluguéis cobrados dos estabelecimentos instalados dentro de suas lojas.
Antuany, Alex, Abílio e Alexandre: sócios-fundadores revezam o comando da Carajás (Andrea Ito de Melo/Divulgação)
Ao operar como um shopping center, a Carajás trouxe também inovações para o ponto de venda em si. Uma das principais foi a criação de um aplicativo para o celular dos vendedores. Com a ferramenta em mãos, o vendedor não precisa ir até um computador para ver as condições de pagamento do pedido. “O vendedor pode percorrer a loja inteira com o cliente, que pode fechar o pedido de qualquer lugar da loja e receber o produto em casa”, diz Alexandre, que investiu 6 milhões de reais nessa tecnologia e em outras, como totens para a consulta de preços.
Ao mesmo tempo, na frente da logística, a empresa montou uma frota própria de 30 caminhões para fazer entrega em domicílio. É um diferencial e tanto numa região onde pequenos carretos ainda são o transporte mais utilizado para levar e trazer materiais de construção.
Recentemente, o site da Carajás passou a ter um marketplace de prestadores de serviços terceirizados, como instaladores de pisos laminados. “Dá para aumentar as vendas em até 30% ao agregar os serviços dos parceiros, mas tudo isso depende da formação da mão de obra, que nem sempre está disponível”, diz Alexandre.
Para resolver o problema da falta de qualidade no setor, a companhia investe em treinamentos periódicos — seja dos mais de 3.000 funcionários, seja também dos prestadores de serviço. Para isso, todas as unidades têm auditórios para 250 pessoas.
Embora não divulgue números concretos sobre a expansão da companhia, a direção da Carajás fala em abrir lojas em outros estados. Investimentos em capitais e cidades médias das regiões Centro-Oeste e Sudeste estão nos planos. Para isso, vai precisar superar alguns desafios. A começar pelo cenário macro incerto — a escalada dos juros para debelar a inflação deve desestimular o consumo de maneira generalizada, inclusive a disposição para pequenas reformas, neste ano. Além disso, a empresa alagoana precisará lidar com o apego do consumidor brasileiro às marcas locais de material de construção.
A líder Leroy Merlin, por exemplo, detém menos de 5% do mercado. Fora do Sudeste, o setor tem nomes relevantes, como a catarinense Cassol, a mato-grossense Todimo e a paranaense Balaroti. “Esse é um mercado em que conhecer os hábitos e as preferências dos consumidores faz toda a diferença”, diz Beth Bridi, pesquisadora da Anamaco.
Enquanto pondera uma expansão nacional, a concorrência investe numa diversificação do mix na linha do que deu certo na Carajás. A Leroy Merlin já está trabalhando com a oferta de serviços de instalação e reformas nas mais de 50 unidades que tem por aqui. “Estamos passando por uma transformação profunda do mercado. É preciso se adaptar rápido”, diz Julien Gazier, CFO da operação brasileira da companhia.
A categoria de “novos negócios”, que inclui a oferta de serviços, já representa 25% da receita de quase 10 bilhões de reais da companhia no Brasil. A Leroy também está desenvolvendo um modelo de loja menor para entrar em cidades médias — e, assim, fazer frente à expansão das líderes regionais.
Leroy Merlin: líder do setor aposta em serviços para crescer (Germano Lüders/Exame)
Em meio aos investimentos da líder, a Carajás busca investidores para, quem sabe, ser a protagonista de uma onda de consolidação do mercado de materiais de construção. A empresa não revela detalhes, mas diz estar sendo procurada por fundos de private equity e bancos com frequência.
Ao mesmo tempo, quer reforçar a governança corporativa, com a contratação de executivos do mercado para reduzir a importância da família Mendonça no negócio. Ainda hoje, os quatro irmãos se revezam no comando da Carajás. “A governança é um fator fundamental para o sucesso de nossa estratégia”, diz Alexandre.
“Nosso objetivo é ser uma das líderes no mercado nacional, com uma atuação forte no setor de construção e inovação.” Resta saber se quem conseguiu levar um negócio do zero ao bilhão em pouco mais de duas décadas conseguirá repetir a fórmula país afora.