Felipe Boff, vice-presidente de produtos, tecnologia e serviços do Mercantil: os canais digitais do banco já respondem por 68% das operações de crédito (Mercantil/Divulgação)
Repórter
Publicado em 12 de março de 2025 às 06h00.
Última atualização em 12 de março de 2025 às 10h06.
Que as agências bancárias estão diminuindo em quantidade e tamanho todo mundo sabe. Se algumas vão continuar existindo, não será por culpa, necessariamente, dos idosos. Pelo menos é o que indica a trajetória do Banco Mercantil, cujo público-alvo é a turma com 50 anos ou mais. Fundada há 82 anos no município de Curvelo, em Minas Gerais, a instituição anunciou nova identidade visual em 2023. A mudança coroou o reposicionamento do banco, que passou a se apresentar como um ecossistema financeiro para a chamada geração prateada — o foco no segmento empresarial ficou no passado. Os laços com os 50+ não vêm de agora: no ranking dos maiores pagadores de benefícios do INSS, o Mercantil figura em quinto lugar.
Com 8,7 milhões de clientes, a instituição comemora o resultado dos esforços em prol da digitalização. As quase 300 agências, espalhadas por cerca de 250 cidades brasileiras, respondem por 30% das interações com os correntistas. O aplicativo do banco é utilizado em 35% dos casos, mesmo percentual atribuído ao WhatsApp. Não à toa, os canais digitais já respondem por 68% das operações de crédito. “O volume de clientes que têm o hábito de ir até as nossas agências continua expressivo”, observa Felipe Boff, vice-presidente de produtos, tecnologia e serviços do Mercantil, acrescentando que a instituição não tem planos de aposentá-las. “Cada vez mais criamos opções que visam facilitar o acesso do público de maneira digital ao nosso ecossistema financeiro.”
É um processo que tem sido acelerado com a ajuda da inteligência artificial (IA) generativa. “Ela faz com que etapas desnecessárias nas jornadas digitais sejam eliminadas ou automatizadas — tudo para otimizar o uso dos canais remotos”, explica Boff. A IA generativa também está instruída a se debruçar sobre o histórico e o perfil de cada cliente — ela vasculha até contas de Instagram mantidas abertas, entre outros dados tornados públicos — para sugerir a contratação de produtos diversos.
A turma 50+ representa mais de 17% dos atendimentos automatizados do Sicredi, que tem mais de 8,5 milhões de associados (Leandro Fonseca/Exame)
É o caso de seguros de vida, assistências odontológica e funerária, e de descontos em medicamentos e exames médicos. Tudo isso costuma ser oferecido, automaticamente, pelo canal do Mercantil no WhatsApp. Com a IA generativa, a taxa de conversão de vendas do banco subiu cerca de 25%. E o NPS (sigla em inglês para Net Promoter Score) de todos os canais de atendimento subiu. Trata-se de um indicador que aponta o nível de satisfação e de fidelidade dos consumidores. No terceiro trimestre do ano passado, o banco registrou lucro líquido de 201 milhões de reais — dados financeiros relacionados ao quarto trimestre ainda não foram divulgados. Os investimentos anuais em tecnologia giram em torno de 150 milhões de reais.
A aposta no WhatsApp como canal de comunicação foi bem-sucedida na medida em que brasileiros de todas as faixas etárias ganharam enorme intimidade com essa rede social. “Quase todo mundo com 50 anos ou mais já tem o WhatsApp no smartphone, às vezes instalado com a ajuda de algum parente”, observa o executivo do Mercantil. “O uso do aplicativo do banco exige mais um download, que equivale a um desafio extra.” Registre-se que o WhatsApp do banco só serve para tirar dúvidas e para a liberação de empréstimo. As demais operações, por questões de segurança, estão restritas ao aplicativo da instituição e às boas e velhas agências.
Boa parte do sucesso do WhatsApp como canal de comunicação do Mercantil é atribuída ao grau de personalização que a IA torna possível. Na conversa com os clientes, ela é capaz de replicar maneirismos presentes em uma conversa informal. O intuito é deixar os correntistas mais à vontade. Já o aplicativo do banco deve sua fama a diferenciais como interface intuitiva e botões maiores, um alento para quem está às voltas com a presbiopia, entre outros males associados à visão. “O app foi desenvolvido com foco específico nas características desse público, sendo projetado para facilitar a experiência do usuário, especialmente para aqueles que podem não estar tão familiarizados com a tecnologia”, explica Marcel Alves, gerente de canais digitais do Mercantil.
Marisa Reghini, vice-presidente de negócios digitais e tecnologia do BB: aposta em IA em diversos contextos para aprimorar a experiência do cliente (Arquivo Pessoal/Divulgação)
Apoio ao empreendedorismo
Para incentivar o empreendedorismo de quem está com 50 anos ou mais, o banco criou um programa de aceleração específico para essa turma. Todos os selecionados ganham a oportunidade de apresentar o próprio negócio, ao vivo, durante o Maturifest. Trata-se do maior evento da América Latina para quem decidiu empreender em idade avançada — a última edição ocorreu entre 14 e 16 de agosto. O vencedor do programa de aceleração do Mercantil ganha 20.000 reais e seis meses de consultoria especializada. Os interessados em concorrer precisam pertencer à geração prateada e ter um pequeno negócio em operação, um projeto piloto em andamento ou pelo menos um protótipo.
O direcionamento do Mercantil é com base no fato de que a economia prateada, formada pelo público-alvo do banco, cresce a olhos vistos. Estima-se que, em 2050, 30% da população brasileira terá idade superior a 60 anos. Estamos falando de quase 70 milhões de pessoas que precisarão de bens e serviços voltados para elas, incluindo os que são oferecidos pelas instituições financeiras.
O potencial econômico dessa fatia da sociedade é inegável. Mundialmente, a economia prateada é tida como a terceira maior atividade econômica, movimentando cerca de 7,1 trilhões de dólares por ano. Foi-se o tempo em que essa população, de maneira geral, fazia cara de interrogação diante de qualquer novidade tecnológica. O uso da internet por pessoas com mais de 60 anos, para começo de conversa, mais que dobrou entre 2016 e 2023, passando de 24,7% para 66%. Os dados constam da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
João Araújo, diretor de negócios, plataformas e experiências digitais do Itaú: IA ajuda correntistas de alguns segmentos a aproveitar melhor os benefícios disponíveis (Flora Pimentel/Divulgação)
Um banco para cada cliente
Dos mais de 8,5 milhões de associados do Sicredi, uma das maiores cooperativas financeiras do Brasil, 27% têm mais de 50 anos. Criado para interagir com todas as faixas etárias, o Theo, o assistente virtual da instituição, tem se mostrado um grande aliado desse segmento. A turma 50+ representa mais de 17% dos atendimentos automatizados — foram cerca de 500.000 demandas solucionadas em 2024. “Esses números mostram que os associados mais velhos estão cada vez mais confortáveis em utilizar a tecnologia para resolver suas questões financeiras”, diz Alceu Ruppenthal Meinen, superintendente de relacionamento e IA do Sicredi.
“Temos utilizado IA e IA generativa em diversos contextos para aprimorar a experiência do cliente e ‘hiperpersonalizar’ as interações e os negócios, buscando entregar, na prática, um banco para cada cliente”, diz Marisa Reghini, vice-presidente de negócios digitais e tecnologia do Banco do Brasil (BB). “Com foco em compreender melhor as necessidades dos clientes, o banco desenvolveu modelos analíticos que avaliam características financeiras e comportamentais para oferecer produtos e serviços mais adequados a cada perfil. Essas ferramentas utilizam inteligência artificial para identificar níveis de resiliência e condições individuais, permitindo que as ofertas sejam alinhadas às reais necessidades dos clientes.”
A automação se debruça, diariamente, sobre mais de 125 milhões de clientes e possíveis clientes do BB. Essa monumental análise resulta em nada menos do que 2,5 bilhões de possibilidades de ofertas, agrupadas em 38 categorias. Após um processo de refinamento que leva em conta a propensão de cada cliente a aceitar a proposta cogitada para ele e a relevância dela em razão do momento de vida dele, chega-se a cerca de 386 milhões de ofertas, que são disparadas por meio dos canais físicos e digitais da instituição financeira.
Combate a fraudes
A IA generativa também tem feito enorme diferença em um controverso processo que o BB se vê obrigado a impor, o da prova de vida. Ele é necessário para o recadastramento de servidores públicos ativos, inativos, pensionistas e beneficiários de institutos de previdência. Visa impedir que golpistas, às vezes familiares, façam uso de cadastros de pessoas falecidas. A IA generativa imprimiu eficiência a esse processo, reduzindo inconsistências, aprimorando o controle da folha de pagamentos e evitando depósitos indevidos de salários, benefícios e pensões.
No ano passado, a automação foi utilizada em mais de 1 milhão de registros de prova de vida. A comprovação por meio de selfie, opção oferecida pelo aplicativo do BB, foi usada 452.000 vezes no mesmo ano — a IA se encarrega de analisar as imagens, para evitar fraudes. “Essa evolução reflete o compromisso do banco em atender bem seus clientes, especialmente o público 50+, com soluções que promovam agilidade, segurança e facilidade de uso”, observa Reghini.
Convém registrar a contribuição da IA para diminuir os casos de compras legítimas feitas com cartões de crédito do BB que são negadas por suspeita de fraude. “A automação no tratamento de dados tem permitido que mais de 12.000 clientes por mês realizem suas compras de forma ininterrupta, sem a necessidade de contato para liberar as transações”, informa a executiva do banco. “Isso garante uma experiência mais fluida e preserva a confiança dos usuários.” No terceiro trimestre de 2024, o BB registrou 9,5 bilhões de reais de lucro líquido.
IA generativa
Já o banco da família Setúbal reportou 10,6 bilhões de reais no mesmo período. Com o lançamento da Inteligência Itaú, em novembro do ano passado, a instituição deu mais um passo para aumentar a interação com os clientes de maneira remota — e tornar as visitas às agências cada vez mais opcionais. Trata-se de uma solução que recorre à IA generativa para facilitar o uso de Pix por meio do WhatsApp e a gestão do programa de fidelidade para clientes dos segmentos Uniclass e Personnalité. Não se trata de inovações direcionadas, exclusivamente, ao público 50+, mas elas caem como uma luva para essa parcela da população.
No caso do WhatsApp funciona assim: graças à IA generativa, os correntistas agora podem recorrer à rede social para fazer transações via Pix de até 200 reais. Basta enviar mensagens de texto ou de áudio solicitando a transferência — o comprovante da transação é gerado em segundos. Em relação ao Minhas Vantagens, o programa de fidelidade para clientes dos segmentos Uniclass e Personnalité, a IA ajuda a clientela a aproveitar melhor os benefícios disponíveis. “Trabalhamos intensamente com IA generativa nos últimos anos — com um olhar apurado para mitigação de vieses e de alucinações — para garantir uma interação contextual e responsável”, resume João Araújo, diretor de negócios, plataformas e experiências digitais do Itaú. Sinal de que as agências bancárias, cada vez mais, estão à beira da aposentadoria.
Dicas de planejamento financeiro para quem está com 50 anos ou mais
Investimentos de longo prazo, de maneira geral, costumam ser os mais indicados para quem está de olho em maximizar os rendimentos. Quanto mais tempo o dinheiro ficar aplicado, afinal, maiores os retornos financeiros. Investimentos de curto prazo, por outro lado, só costumam oferecer rendimentos expressivos se forem atrelados a um grau de risco considerável ou se envolverem aportes elevados. Não à toa, os bancos que oferecem investimentos como previdência privada recomendam que os interessados façam a adesão quanto antes — quem tem mais anos pela frente, afinal, tem mais tempo para esperar por acúmulos mais expressivos.
Não há nenhum empecilho, no entanto, para a turma com 50 anos ou mais começar a investir de olho em retornos substanciais no médio ou curto prazo. “Para quem está em uma fase um pouco mais avançada da vida recomenda-se uma postura um pouco mais conservadora ou, já que há mais tempo livre, um envolvimento maior com o mercado financeiro para aumentar o grau de risco da carteira de investimento de maneira consistente”, aconselha Gustavo Cerbasi, um dos maiores consultores financeiros do país, em seu canal no YouTube.