Revista Exame

Gigante alemã Stihl completa 100 anos crescendo em meio ao turbilhão

Gigante alemão das motosserras atravessa tarifas de Trump, pressão chinesa e consumo em mudança sem rever planos para o Brasil

Fábrica da Stihl na Alemanha: empresa projeta entre 2% e 4% de expansão neste ano, mesmo sob tarifas e instabilidade (David Franck/Divulgação)

Fábrica da Stihl na Alemanha: empresa projeta entre 2% e 4% de expansão neste ano, mesmo sob tarifas e instabilidade (David Franck/Divulgação)

Daniel Giussani
Daniel Giussani

Repórter de Negócios

Publicado em 24 de outubro de 2025 às 06h00.

uma brincadeira entre os pouco mais de 50.000 moradores de Waiblingen, cidadela histórica no sul da Alemanha, a 650 quilômetros de Berlim. Diz-se que sempre há alguém da família empregado na Stihl ou na Bosch, dois gigantes industriais da região e hoje pertencentes ao mundo — inclusive ao Brasil. Waiblingen é uma das cidades do polo industrial de Stuttgart, um dos mais importantes da Europa, berço do primeiro motor a combustão usado em automóveis e de marcas como Porsche e Mercedes-Benz. Não à toa, a região ganhou o apelido de “Detroit” germânica.

Entre Stuttgart e Waiblingen, são pouco mais de 20 minutos de estrada entre vinhedos, dois rios, casas em enxaimel e fábricas. Muitas fábricas. Só a Stihl mantém cinco unidades na região, com cerca de 6.000 funcionários. Fica também por ali, às margens do Rio Rems, em meio a um naco de mata nativa, a sede global da companhia — um endereço discreto comandando uma operação de 30 bilhões de reais em receita em 2024, sendo 3 bilhões só no Brasil. Por trás desse cenário de calmaria, porém, a empresa atravessa um turbilhão: tarifas impostas por Donald Trump, a crise da indústria alemã, mudanças de consumo, pressões ambientais e a concorrência chinesa. Seria o suficiente para tirar o sono de qualquer executivo. Não na Stihl — e talvez por isso a trajetória da empresa traga lições importantes sobre como atravessar tormentas sem perder o passo. “Governos mudam a cada quatro anos. A Stihl vai fazer 100”, disse à EXAME o CEO global Michael Traub, durante uma conversa na sede em setembro.

Motosserras da Stihl: o fundador da empresa foi o criador da motosserra elétrica, em 1926 (Peter Oppenlaender/Divulgação)

As tormentas não começaram ontem. Fundada em 1926 por Andreas Stihl, o inventor da motosserra elétrica, a empresa logo se viu testada: na Segunda Guerra Mundial, a fábrica foi bombardeada e a produção transferida para Waiblingen, onde permanece até hoje. Nos anos 1970, fincou os pés no Brasil como forma de se blindar de restrições à importação. “O Brasil foi a primeira unidade fora da Alemanha, e continua estratégico até hoje”, afirma Cláudio Guenther, presidente da Stihl Brasil. De uma oficina de engenharia, a companhia virou multinacional com fábricas em oito países e presença em mais de 160, e 52.000 pontos de venda. Desde 2002, a gestão operacional está nas mãos de executivos externos. As decisões estratégicas continuam com a família, hoje representada por Nikolas Stihl, neto do fundador.

Se o passado ensinou a Stihl a atravessar crises, o presente não é menos desafiador. A empresa lida hoje com um mosaico de tarifas que embaralham o planejamento: produtos exportados do Brasil para os Estados Unidos enfrentam sobretaxa de 50%, itens vindos da Suíça pagam 39% e, na Europa, a alíquota adicional chega a 15%. “É um impacto significativo. E, no longo prazo, o consumidor vai pagar”, diz Traub. Ao mesmo tempo, a indústria alemã perdeu fôlego diante da energia cara, da carga tributária e de uma burocracia que, nas palavras do executivo, “faz a vida muito mais difícil”. Nesse ambiente, Nikolas Stihl já admitiu a possibilidade de rever investimentos previstos para a Alemanha para praças mais competitivas, como a Suíça. E a equação global ainda inclui a China, onde o consumo interno desacelera enquanto fabricantes locais avançam com força, pressionando a competitividade das multinacionais.

Cláudio Guenther, CEO da Stihl no Brasil: “Neste ano vamos chegar a 4 bilhões de reais de faturamento, com crescimento aproximado de 25%” (Glauco Arnt/Divulgação)

Em meio a tudo isso, a principal fortaleza da Stihl é a capacidade de continuar em pé — e crescendo. Em 2024, a receita global avançou para 5,3 bilhões de euros, e Traub projeta entre 2% e 4% de expansão neste ano, mesmo sob tarifas e instabilidade. No caso do tarifaço de Donald Trump, a blindagem vem da produção local: há mais de 50 anos a companhia fabrica em Virginia Beach, nos Estados Unidos, e no momento mais de 100 modelos são montados ali. “Hoje, muitas empresas correm para montar operação no país para agradar ao governo americano, mas nós estamos ali há mais de 50 anos. E não fizemos isso por causa de tarifas, e sim porque acreditamos na produção local.” Com a China, a solução foi seguir a máxima “se não pode vencê-lo, junte-se a ele”. Desde 2006, a empresa tem operações na cidade de Qingdao, onde fica parte de sua área de pesquisa em robótica. Aprendeu, também, a recalibrar expectativas quando necessário. A ambição de virar rapidamente uma companhia de 8 bilhões de euros foi revista, e a Stihl passou a trabalhar com a realidade de cerca de 5,5 bilhões de euros anuais. Para uma empresa prestes a completar um século, reconhecer limites pode ser tão estratégico quanto perseguir metas.

Cerca de 10% da receita global da Stihl vem das vendas no Brasil, onde a empresa mantém operações há mais de cinco décadas. É da gaúcha São Leopoldo, uma cidade de colonização alemã a 30 quilômetros de Porto Alegre, que saem os cilindros de motores a combustão usados em 90% dos equipamentos da marca no planeta. “Neste ano vamos chegar a 4 bilhões de reais de faturamento, com crescimento aproximado de 25%”, afirma Guenther, presidente da Stihl Brasil. A expansão virá sobretudo das exportações, responsáveis por metade da produção nacional, presente em 72 países. A fábrica também tem linhas de motosserras e pulverizadores e reúne 3.400 funcionários. Neste ano, Guenther passou a acumular o comando da América Latina e Caribe, região-chave para a companhia: a Argentina dobrou de tamanho, a Colômbia sobe mais de 40%, e o Peru passa de 30%. Para sustentar esse ritmo, a empresa injeta 150 milhões de reais anuais em capacidade produtiva, moldes, TI e projetos de sustentabilidade, como energia solar, reúso de água e biometano.

Fábrica de baterias da Stihl na Alemanha: 25% da receita vem com produtos elétricos (Stihl/Divulgação)

No Brasil, quem puxa a demanda é o campo. A rede de 5.300 pontos de venda atende sobretudo o agronegócio — onde roçadeiras podam café, sopradores viraram ferramenta de combate a incêndios e limpeza de colheitadeiras, e pulverizadores são usados tanto em manejo sanitário quanto em aplicações em áreas como a piscicultura. “Na origem, a Stihl estava muito ligada ao reflorestamento, mas hoje a parte florestal responde por apenas 6% do negócio no Brasil”, afirma Cláudio Guenther. Com juros altos e crédito mais caro, esse perfil de consumidor, em especial produtores rurais, fica mais resistente a renovar o maquinário. É um cenário bem diferente dos Estados Unidos, o maior mercado da companhia, responsável por cerca de um terço das vendas globais. Ali, o hábito do “faça você mesmo” é tão forte que o consumidor compra desde aparadores de grama para quintais até motosserras para pequenos reparos. Não à toa, a campanha da Stihl na região leva o selo “Made for America”.

Michael Traub, presidente do conselho executivo da Stihl: “Governos mudam a cada quatro anos. A Stihl vai fazer 100” (Stihl/Divulgação)

Seja no campo brasileiro, seja nos quintais americanos, a próxima fronteira atende por uma palavra: “bateria”. A Stihl entrou nesse jogo em 2009 e já soma mais de 50 modelos elétricos, além de packs e carregadores próprios. A geografia fabril acompanha: além da Áustria e dos Estados Unidos, há produção na China e na Alemanha, e uma nova planta na Romênia está às voltas de ser inaugurada. O movimento já mostra resultado: na Alemanha, seis em cada dez equipamentos vendidos já são a bateria; no Leste Europeu, metade. Nos Estados Unidos, a adesão é mais lenta, marcada por ceticismo e pouca política de incentivo. No Brasil, somente 4% das vendas estão nessa categoria — reflexo do custo e da realidade do campo, onde o produtor precisa de máquinas capazes de aguentar longas jornadas sem recarga. Ainda assim, o horizonte é promissor. A ABSAE, uma associação sobre baterias no Brasil, projeta movimentações de 77 bilhões de reais até 2034 no mercado de armazenamento de energia. Para o presidente da entidade, Markus Vlasits, o segredo está em criar escala e política industrial para tornar o país competitivo em tecnologias limpas. Enquanto isso, a Stihl afia sua estratégia de liderar em dois mundos. “Não dá para ser dogmático; queremos estar onde o cliente está, no gás e na bateria”, diz Traub. Essa flexibilidade ajuda a explicar a longevidade. A marca chega aos 100 anos em 2026 mantendo a tradição de atravessar crises com resiliência. E, se tivesse de escolher um lema, bem poderia ecoar os versos do poeta gaúcho Mário Quintana: “Todos esses que aí estão atravancando meu caminho, eles passarão… eu passarinho.


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