(Catarina Bessell/Exame)
Sommelier do Awasi Iguazú, na Argentina
Publicado em 22 de maio de 2025 às 06h00.
Última atualização em 22 de maio de 2025 às 06h42.
Por muito tempo, o vinho argentino girou em torno de um alicerce: o Malbec robusto, maduro, muitas vezes marcado por madeira. Mas, recentemente, uma transformação silenciosa vem acontecendo, e hoje já é impossível ignorar. De taça em taça, revelam-se histórias de vinhedos resgatados, uvas redescobertas e regiões que voltaram a ocupar o mapa da vitivinicultura. O vinho argentino deixou de se repetir. Agora, ele se reinventa e se expande.
Este novo momento tem raízes profundas, como as das videiras antigas que resistiram ao tempo. Um exemplo marcante está no Vale do Uco, em Mendoza, onde a altitude e o clima ameno ajudaram a remodelar o estilo das produções. Os brancos se tornaram mais minerais, menos marcados pelas barricas de madeira. Os tintos, por sua vez, ganharam mais frescor. Ambos surgiram como resposta ao paladar contemporâneo, mas sem perder a conexão com a identidade local.
Além da mudança técnica e sensorial, há um resgate cultural em curso. A Argentina possui 64 variedades nativas registradas, muitas delas ainda pouco exploradas. Em vez de seguir rotas comerciais previsíveis, alguns produtores decidiram olhar para dentro: redescobrir castas ancestrais, entender seus limites e traduzir sua personalidade em fermentados que não se parecem com nenhum outro. O resultado é surpreendente: vinhos frutados, rústicos e com frescor natural.
Mas essa nova Argentina não se limita às cepas. Ela também se espalha pelo território. Durante mais de um século, uma antiga política estatal concentrou a produção de vinhos finos na região de Cuyo, apagando outros terroirs que já existiam em zonas distantes. Isso começou a mudar nos anos 1990, quando a viticultura voltou a ocupar áreas esquecidas — muitas vezes mantidas apenas por famílias que produziam para consumo próprio.
Hoje, regiões como a Patagônia e o litoral atlântico ganham espaço e relevância. Com clima frio, solos distintos e forte influência marítima, os vinhedos dali resultam em bebidas com frescor e precisão raros, ampliando a paleta sensorial da produção argentina.
Esse movimento não é uma tendência passageira, mas, sim, um resgate das origens. Um reencontro com o território, com a biodiversidade e com o fazer atento. Em muitos casos, são vinhos elaborados por pequenas vinícolas, com produções limitadas e presença discreta além das fronteiras da Argentina. Justamente aí está parte do encanto: são rótulos para quem busca sentido, não apenas sabor.
Aos que desejam começar essa jornada de descoberta, vale conhecer nomes como Matías Riccitelli, com rótulos expressivos da região de Mendoza; Finca Los Dragones, em San Juan, que produz vinhos de caráter singular; e os projetos de Matías Michelini, sempre inquietos e provocadores. Eles são bons exemplos de uma Argentina que não para de surpreender.