IoT global: 19,8 bilhões de dispositivos ativos em 2025, 60% no setor de smart home (Xavier Lorenzo/Getty Images)
Repórter
Publicado em 5 de agosto de 2025 às 06h00.
No campo da tecnologia, poucos conceitos despertam tanto fascínio quanto a internet das coisas (“internet of things”, ou IoT, em inglês). O termo cunhado em 1999 pelo britânico Kevin Ashton, do MIT, descrevia um futuro em que objetos interconectados coletariam e analisariam dados para realizar tarefas sem intervenção humana — o que, na época, parecia enredo de ficção científica à la Isaac Asimov. Hoje, porém, a IoT é uma realidade concreta e em crescimento exponencial, cada vez mais presente no cotidiano.
Relógios inteligentes, assistentes pessoais, lâmpadas acionadas por comando de voz, robôs aspiradores, aplicativos que mostram a localização em tempo real, câmeras com acesso remoto, GPS com informações atualizadas de trânsito... Esses são apenas alguns exemplos de uso habitual da IoT. Entretanto, seu alcance vai muito além dos populares devices pessoais e domésticos.
Para Joselito Barros, professor da área de TI do Senac São Paulo, essa é uma tecnologia revolucionária, que está redefinindo a forma como vivemos e trabalhamos. “A IoT não é apenas sobre tecnologia; é sobre solucionar problemas reais e criar valor em praticamente todos os setores da economia”, destaca.
No agronegócio, por exemplo, sensores acompanham desde a umidade do solo até a saúde do rebanho. Tratores e colheitadeiras inteligentes operam com precisão milimétrica, enquanto sistemas de irrigação automatizados economizam água e energia. Na indústria, a internet das coisas alavanca a Indústria 4.0 ao monitorar máquinas em tempo real, prever falhas e automatizar processos de forma dinâmica. Do chão de fábrica à cadeia de suprimentos, dispositivos conectados reduzem desperdícios e aumentam a segurança. Nas cidades, a IoT interliga em redes inteligentes semáforos, iluminação pública, câmeras, sensores ambientais e sistemas de transporte.
Carro-chefe: o agro encabeça o uso de IoT no Brasil, com destaque para a agricultura de precisão, uma das maiores vitrines do potencial do país (Thomas Barwick/Getty Images)
Número de dispositivos não para de crescer
Em 2025, estima-se que existam 19,8 bilhões de dispositivos IoT ativos no mundo, segundo a consultoria Statista, com o setor de consumo (smart home) respondendo por 60% desse volume. Até 2034, o número de dispositivos deve mais do que dobrar, superando os 40 bilhões. Em receita, a projeção é de que haja um aumento significativo, passando de quase 420 bilhões de dólares neste ano para mais de 908 bilhões de dólares em 2034, também mais do que duplicando o valor em dez anos. Outras previsões, como a da Mordor Intelligence, projeta que o mercado supere 1,3 trilhão de dólares ainda neste ano. “A IoT já se consolidou como uma força transformadora em todo o mundo”, enfatiza Barros. “O crescimento explosivo desse mercado é impulsionado por uma convergência de fatores, como hardware mais barato e acessível, conectividade 5G, computação em nuvem, análise de dados, demanda por eficiência”, explica.
Rogério Moreira, diretor de tecnologia da Associação Brasileira de Internet das Coisas (Abinc), ressalta que a conexão entre objetos físicos via internet, embora tenha crescido vertiginosamente nas últimas duas décadas, já existia antes de ser batizada de IoT por Ashton em 1999. “Essas aplicações tiveram início com as vending machines. Então, podemos dizer que esse é um mercado bastante maduro”, pontua.
Contudo, o grau de adoção varia entre regiões e setores. Hoje, os ramos mais desenvolvidos são Indústria 4.0, energia, transporte e logística, agronegócio, saúde e cidades inteligentes. China, Estados Unidos e Europa Ocidental são os mercados mais avançados e também onde se concentram os maiores investimentos, movidos por eficiência operacional, digitalização e novos modelos de negócios.
Três regiões estão à frente na adoção
A China lidera o crescimento do mercado mundial de IoT em número de dispositivos e investimento, fomentada por políticas públicas ambiciosas, como o Made in China 2025, plano estratégico do governo que quer transformar o país em uma potência em manufatura avançada. Outro destaque é a expansão das smart cities, como a de Hangzhou. Celeiro de startups, a cidade é um laboratório vivo de desenvolvimento e aplicação de soluções urbanas conectadas — do controle de semáforos à gestão de resíduos.
Já os Estados Unidos dominam o campo da inovação, com suas big techs ditando o ritmo do setor. A IoT doméstica há tempos é uma realidade para milhões de americanos. A tecnologia também avança nas fábricas, nos sistemas logísticos e no cuidado com a saúde. Paralelamente, a agricultura de precisão e a energia inteligente se expandem velozmente, e cidades como San Diego e Austin já adotam iluminação pública automatizada, semáforos inteligentes e sensores ambientais operando em redes 5G.
Na Europa, a Alemanha se sobressai como referência global no uso da internet das coisas aplicada à indústria. O foco são a automação fabril, a manutenção preditiva e a manufatura de alta precisão. O país tem projetos emblemáticos de fábricas inteligentes e logística conectada. Um exemplo é a planta da Siemens em Amberg, em que 75% dos processos são digitalizados e conectados via IoT.
IoT nacional cresce a todo vapor
Embora ainda distante dos líderes globais, o Brasil avança consideravelmente na adoção da internet das coisas e se consolida como hub regional da tecnologia. Segundo a consultoria Grand View Research, o mercado brasileiro de dispositivos IoT movimentou 1,6 bilhão de dólares em 2024 e deve ultrapassar os 4,1 bilhões de dólares até 2030. O país é o maior mercado de IoT da América Latina em receita, respondendo por cerca de 40% do faturamento regional, e com crescimento anual estimado de 16,5% entre 2025 e 2030, o mais alto entre os países latino-americanos. “O mercado nacional de IoT está em franco crescimento, com sistemas sendo implementados especialmente em setores estratégicos, alinhando-se às necessidades locais e, em alguns casos, tornando-se referência global”, pontua Moreira, da Abinc.
É o caso do agronegócio, o setor mais proeminente em IoT no Brasil, no qual o país é reconhecido mundialmente pela inovação. Sensores de solo, estações climáticas conectadas, colheitadeiras autônomas e rastreamento de rebanhos já integram o cotidiano de grandes produtores. “A vastidão territorial e a importância do agro para a economia brasileira impulsionam fortemente a adoção da IoT no segmento”, observa Barros, do Senac.
Conectividade no centro da questão
Setores em expansão incluem indústria, saúde, logística e smart cities. Na logística, um exemplo é a parceria da TIM com a Brasil Terminal Portuário (BTP), o maior terminal de contêineres da América do Sul, localizado no Porto de Santos. A operadora construiu para o terminal a primeira rede privativa industrial LTE 5G 3.5GHz, em uma área de 430.000 metros quadrados. “A implantação da tecnologia 5G viabiliza a jornada de transformação digital e a automação dos processos na gestão logística da BTP. A operação remota de guindastes e soluções de monitoramento remoto e em tempo real de equipamentos estão entre os casos de uso da tecnologia”, comenta Fabio Avellar, vice-presidente de receitas da TIM.
Com a rede 5G privativa, houve ganhos expressivos na capacidade da rede (de 30 MB para 1 GB) e na velocidade da troca de informações entre os seus equipamentos (de uma latência variável de 2.000 milissegundos para uma performance estável de 15 milissegundos). A quantidade de antenas também foi reduzida de 54 para oito. “Trata-se de uma grande transformação digital para o setor de logística”, salienta Avellar.
A TIM também leva conectividade para mais de 6.000 quilômetros de estradas, operadas por diversas concessionárias — promovendo mais segurança viária, eficiência e inclusão digital das comunidades ao redor —, e 340.000 pontos de iluminação urbana inteligente com o serviço TIM Smart Lighting. Na indústria, além de conectar mais de 300.000 carros com a Stellantis, a empresa trabalhou no primeiro complexo automotivo 5G com soluções avançadas em IoT da companhia, em Goiana (PE). “Com o uso de video analytics, edge computing e inteligência artificial, a tecnologia analisa em tempo real placas de identificação dos modelos produzidos com as ordens de produção”, conta o VP.
Rogério Moreira, diretor de tecnologia da Abinc: para o especialista, barreiras do mercado nacional de IoT, como altos custos, não são intransponíveis (ABINC /Divulgação)
Tecnologias emergentes alavancam setor
A expansão das redes móveis é um fator-chave para o crescimento da IoT no Brasil. Com a chegada do 5G, considerado um divisor de águas para a internet das coisas, o país pode ampliar enormemente a capacidade de conectar mais dispositivos, com latência (tempo de resposta) ultrabaixa e maior estabilidade.
Além disso, tecnologias específicas para IoT, como narrowband IoT (NB-IoT) e long-term evolution for machines (LTE-M), já começam a ser implantadas por operadoras e empresas, criando a fundação necessária para escalar a IoT no Brasil com confiabilidade e custo viável. A NB-IoT garante longa duração de bateria e cobertura estendida, mesmo em locais de sinal limitado, como subsolos e zonas rurais. É aplicada, por exemplo, na medição de energia, água e gás. Já a LTE-M tem latência mais baixa e mobilidade total, ideal para aplicações que precisam de resposta quase em tempo real, como rastreadores e dispositivos vestíveis.
A TIM, que possui hoje a maior rede NB-IoT do país, tem implementado a tecnologia em diversos setores, mas especialmente nos de agro, utilities, logística e Indústria 4.0, que são o foco da TIM IoT Solutions, frente de negócios dedicada exclusivamente à internet das coisas. “Só no campo são mais de 42,4 milhões de hectares cobertos com NB-IoT, beneficiando 60 dos maiores grupos do agronegócio nacional e incluindo digitalmente mais de 1,9 milhão de pessoas”, diz Avellar.
Outras inovações em ascensão se somam à IoT. A inteligência artificial é uma das principais. Um estudo da Abinc e da TI Inside revela a integração com IA como grande tendência para o setor: 81,7% das empresas fornecedoras de soluções IoT no Brasil já oferecem ou estão desenvolvendo aplicações com IA embarcada. Outras tecnologias emergentes apontadas pelo professor do Senac são edge computing, gêmeos digitais e computação quântica. “É um conjunto de tecnologias que avança em sincronia para libertar todo o potencial da IoT. São como as engrenagens e o ‘cérebro’ que permitem aos objetos se tornarem verdadeiramente inteligentes e úteis”, diz Barros.
Logística conectada: parceria da TIM com a Brasil Terminal Portuário levou o 5G para o maior terminal de contêineres da América do Sul (Germano Luders/Exame)
Incentivo do governo
Soma-se aos estímulos o Plano Nacional de Internet das Coisas, estratégia oficial do governo brasileiro para acelerar o desenvolvimento, a adoção e a competitividade do Brasil no ecossistema de IoT. Instituído em 2019, inclui ações como criação de incentivos financeiros e linhas de crédito, desburocratização de licenciamento de redes e dispositivos, harmonização regulatória, apoio a projetos-piloto e formação de mão de obra especializada. O diretor de tecnologia da Abinc elogia a iniciativa, afirmando que “resultou na criação de muitas empresas”.
Um desdobramento dessa política pública é a Lei no 14.108/2020, que estabeleceu um regime de adequação fiscal para dispositivos IoT instalados em rede celular. Os benefícios tributários têm vigência até 31 de dezembro deste ano, mas um projeto de lei em tramitação na Câmara dos Deputados propõe a renovação até dezembro de 2030. Um manifesto de associações e empresas em prol da prorrogação dos benefícios destaca os avanços obtidos desde a promulgação da lei: no primeiro ano, o número de terminais habilitados para IoT cresceu 89% e, em 2025, 58% das empresas planejam ampliar os investimentos em IoT.
há obstáculos, mas não são intransponíveis
Apesar do avanço, é válido dizer que o Brasil ainda enfrenta alguns desafios para atingir todo o seu potencial. O mesmo estudo da Abinc apontou entre os principais o custo de implementação, a falta de regulamentação clara, a carência de mão de obra especializada e a ausência de infraestrutura em regiões menos habitadas. “As dimensões continentais do país são desafiadoras. Muitas aplicações precisam usar múltiplas opções de conectividade — celular, satelital, LPWAN não celular... —, o que aumenta o custo do dispositivo e da conectividade. Também não podemos esquecer que há forte dependência de componentes eletrônicos importados”, detalha Moreira. “Mas essas barreiras não são intransponíveis.”
Delivery autônomo: recentemente, a cena de um Tesla dirigindo sozinho da fábrica à casa do cliente, a 24 km/h, impressionou; com o avanço da IoT e a promessa do 6G na próxima década, imagens como essa serão muito mais comuns (Bukharova/Getty Images)
A expansão do 5G e de tecnologias como NB-IoT e LTE-M deve acelerar a superação dos obstáculos e, inclusive, fazer do Brasil um potencial exportador de soluções IoT. O país reúne características favoráveis para isso, como um mercado interno de grande escala para testes, um ecossistema robusto de startups e desenvolvedores, e desafios complexos que estimulam a inovação, em especial em ramos como agricultura, logística e energia.
No campo, por exemplo, soluções made in Brazil já despertam a atenção internacional por endereçarem problemas comuns em países emergentes. Com apoio público e financiamento, o Brasil pode atender ao mercado interno e fornecer tecnologias IoT adaptadas a realidades semelhantes na América Latina e em outros mercados em desenvolvimento.
“A IoT não é apenas sobre tecnologia; é sobre solucionar problemas reais e criar valor em praticamente todos os setores da economia”
Joselito Barros, professor de TI do Senac
Previsto para chegar por volta de 2030, o 6G é uma das maiores promessas tecnológicas da próxima década. Ao quebrar as barreiras de velocidade e latência, a conectividade de alta performance vai elevar a IoT a outro nível e, consequentemente, impactar toda a economia global.
Com altíssima velocidade (estima-se que a taxa de transferência seja até 100 vezes maior que a do 5G), será possível processar dados de milhões de sensores simultaneamente. Vislumbra-se, inclusive, a comunicação sensorial, por meio de hologramas, com percepção tridimensional perfeita. A latência quase zero (inferior a 1 milissegundo) garantirá comunicação em tempo quase instantâneo. Isso possibilitará na mobilidade, por exemplo, veículos autônomos em larga escala que se comunicam entre si em tempo real; na saúde, cirurgias teleassistidas com precisão total; na indústria, robôs industriais colaborativos trabalhando com humanos sem delay; e, nas cidades, semáforos e tráfego ajustados automaticamente com base em dados
ao vivo de veículos e pedestres.
O 6G vai ainda integrar redes terrestres, aéreas e espaciais (drones
e satélites de baixa órbita, por exemplo) em uma única malha inteligente, permitindo uma cobertura massiva, global e ininterrupta. Isso significa, em teoria, que todos os cantos do planeta terão acesso à internet, mesmo regiões remotas ou de difícil acesso.