Ver-o-Peso: o complexo comercial que é cartão-postal de Belém é um dos pontos em reforma para a COP30, atualmente com 82% de conclusão (Matheus Carvalho/ABERJ/Divulgação)
Publicado em 31 de julho de 2025 às 20h00.
Última atualização em 1 de agosto de 2025 às 11h12.
Uma contagem regressiva iniciada em 28 de julho marca o momento decisivo na história de Belém: 100 dias separam a capital paraense da abertura da COP30, a maior conferência climática já realizada no Brasil. A cidade se prepara para receber cerca de 50.000 participantes de 195 países em uma operação que mobiliza aproximadamente 7,2 bilhões de reais em investimentos, resultantes de aportes federais, municipais, incluindo fontes como Itaipu Binacional e BNDES.
Países pedem COP30 fora de Belém: Brasil tem até 11 de agosto para resolver crise de hospedagemO montante supera o orçamento anual de seis das sete capitais da Região Norte, inclusive a própria Belém, ficando atrás apenas de Manaus. A magnitude do desafio exigiu coordenação inédita entre as esferas pública e privada. “O governo federal, o governo do estado e a prefeitura de Belém atuam em forte parceria e instituíram comitês específicos para acompanhar todos os processos relacionados à COP30”, explicou Valter Correia da Silva, secretário extraordinário para a COP30. “Essa organização tem sido fundamental para alinhar prioridades, somar esforços e viabilizar a infraestrutura necessária.”
Representantes oficiais afirmam que o evento proporcionará ao Brasil o maior momento de protagonismo climático no cenário internacional, transformando Belém em laboratório de desenvolvimento sustentável amazônico. Na prática, porém, a localidade se assemelha atualmente a um imenso canteiro de obras, onde as mudanças aceleradas produzem tensões sociais e econômicas imediatas. A chamada “inflação da COP30” atinge produtos regionais com aumentos que chegam a 271% na castanha-do-pará, enquanto a especulação imobiliária já resultou no fechamento de estabelecimentos tradicionais após altas nos valores de aluguel.
Parque da Cidade: construído no lugar de uma antiga escola de aviação, o local que sediará a COP30 tem 78% da estrutura finalizada (Matheus Carvalho/ABERJ/Divulgação)
Na sequência, apresentamos um panorama detalhado do que deve acontecer até o dia 6 de novembro, quando ocorrerá a Cúpula dos Líderes — a abertura do encontro que, na edição brasileira, acontece previamente ao início oficial da COP.
O modelo de gestão compartilhada entre governos distribuiu responsabilidades específicas: o governo federal coordena hospedagem e logística internacional, o estado concentra obras de infraestrutura urbana e mobilidade, enquanto a prefeitura atua na adequação de serviços municipais.
“A COP, diferente dos outros eventos que já aconteceram no Brasil, não é um encontro de entretenimento, não é aberto. É restrito apenas àqueles que de fato poderão estar nas negociações”, destaca Bruno Chagas, secretário de Cultura do Pará, sobre as características diplomáticas da conferência.
“Apesar da expectativa de receber 50.000 pessoas, teremos a oportunidade de mostrar a Amazônia para além da floresta. É um evento que tem essa peculiaridade diplomático-científica de diálogo livre, para que as pessoas possam debater o mais importante: a nossa continuidade como espécie neste planeta.”
A articulação inclui ainda parcerias com o setor privado e organizações internacionais, criando uma rede de colaboração que extrapola os limites administrativos tradicionais. Além de Coca-Cola e Cielo, que se engajaram no programa de capacitação profissional, a Vale participa por meio de um convênio especial para o desenvolvimento do Parque da Cidade.
Helder Barbalho, governador do Pará: “Legado da COP30 deve ser melhoria da qualidade de vida e novas oportunidades para Belém” (Leandro Fonseca /Exame)
O governo federal coordena cerca de 40 intervenções distribuídas em infraestrutura urbana, mobilidade, hospitalidade e saneamento básico. “Norteado por um amplo levantamento, iniciamos mais de 30 obras estruturantes não somente para receber a conferência climática da ONU, mas também proporcionar um legado para melhorar a qualidade de vida e criar novas oportunidades a mais de 2 milhões de pessoas que moram na região metropolitana de Belém”, afirma Helder Barbalho, governador do Pará.
Os cronogramas revelam ritmos distintos entre as principais intervenções. A reforma do Ver-o-Peso — complexo comercial de quase 400 anos que funciona como porta de entrada da Amazônia e principal cartão-postal de Belém — alcança 82% de conclusão. O mercado histórico, criado em 1625 como posto fiscal colonial, representa hoje a maior feira da América Latina e será vitrine da cultura amazônica para os visitantes internacionais.
Epicentro da conferência, o Parque da Cidade registra 78% das estruturas finalizadas. O complexo, erguido em 160.000 metros quadrados onde antes funcionava uma escola de aviação civil, abrigará as Blue e -Green Zones da COP30 — a primeira destinada às negociações oficiais entre países, a segunda voltada para eventos da sociedade civil, empresas e organizações não governamentais.
De acordo com Matheus Virgulino, assessor técnico da Secretaria Internacional, a obra já estava prevista antes mesmo da escolha de Belém para sediar a cúpula. Chagas detalha os diferentes andamentos: “A Green Zone, com 33.000 metros quadrados sob nossa responsabilidade, está em fase de adequação. A Blue Zone já está mais avançada, porque a ONU assumiu diretamente a construção e começou a trazer materiais, seguindo um cronograma próprio.”
Em contraste, a macrodrenagem dos canais apresenta apenas 29% de execução, enquanto o sistema de esgoto do Ver-o-Peso registra 11% de execução, evidenciando diferenças significativas no ritmo das entregas. A modernização aeroportuária recebeu investimentos de 470 milhões de reais por meio da concessionária NOA, responsável pela gestão do Aeroporto Internacional de Belém, que antecipou em dois anos o cronograma original. A área de embarque será triplicada, passando de 1.593 para 4.303 metros quadrados. “Previstas originalmente para conclusão em 2026, essas intervenções tiveram seu cronograma antecipado em articulação com o governo federal”, afirma Correia da Silva.
“A COP30 contará com um sistema exclusivo de transporte por ônibus para delegados, conectando o Parque da Cidade a áreas de hospedagem, como hotéis, o Porto de Outeiro, o aeroporto e outros”, detalha Correia da Silva. A frota de 400 ônibus híbridos e elétricos climatizados já opera parcialmente e oferecerá transporte gratuito durante a conferência.
O sistema Bus Rapid Transit (BRT, ou transporte rápido por ônibus), que utiliza vias exclusivas e estações similares às do metrô, registra 85% das obras concluídas, conectando sete municípios da região metropolitana de Marituba até São Brás. “De lá, pegando a via expressa do BRT, são 23, 25 minutos até aqui, Parque da Cidade”, informa Chagas sobre conectividade entre o Terminal Portuário de Outeiro e o centro de eventos.
As obras de macrodrenagem das bacias hidrográficas dos rios Tucunduba e Murutucu representam um investimento de 1,8 bilhão de reais em soluções para problemas que se arrastam há décadas. “Trata-se de uma obra histórica, que deve corrigir os alagamentos recorrentes e as condições insalubres na região, parte da adaptação climática na cidade”, analisa Correia da Silva. A CEO da COP30, Ana Toni, afirma que esse é um dos temas prioritários para as negociações, mas que não devem acabar em Belém. “Na COP30, serão discutidos temas como adaptação, que é absolutamente fundamental para o Brasil, e soluções com base na natureza. Como será o financiamento para o meio ambiente? Discutiremos as florestas tropicais, o mercado de carbono e as sinergias entre as COPs de Clima e Biodiversidade”, complementa Toni.
Obras em Belém: reformas de infraestrutura, mobilidade, hospitalidade e saneamento tomam conta da cidade; governo federal coordena mais de 40 melhorias (Matheus Carvalho/ABERJ/Divulgação)
Sem dúvidas o maior e mais persistente desafio operacional reside na capacidade de hospedagem. Com 36.000 leitos disponíveis, Belém enfrenta um déficit estrutural que as autoridades tentam contornar por meio de soluções improvisadas e estratégias nunca testadas em eventos dessa magnitude.
“Estruturamos uma estratégia em três frentes complementares, que incluem a ampliação da capacidade e uma gestão inteligente dos recursos disponíveis”, resume Correia da Silva, em um discurso que se repete há meses, enquanto a lacuna de 14.000 acomodações permanece como principal fonte de incerteza para a organização.
Os números apresentados pelos gestores revelam tanto avanços quanto fragilidades. “Só de hotel nós teremos quase 15.000 leitos. Com o Airbnb, saímos de 700 leitos que estavam disponíveis pré-COP para 17.000 leitos”, quantifica Chagas. “Temos esses cruzeiros com cerca de 5.000 opções nos padrões A e B, que eram a principal demanda de hospedagem”, complementa, reconhecendo implicitamente que a rede hoteleira tradicional se mostrou insuficiente.
A contratação emergencial dos navios MSC Seaview e Costa Diadema por 263 milhões de reais — anunciada apenas quatro meses antes do evento — ilustra a natureza experimental das soluções. A operação de acomodação flutuante, inédita para conferências climáticas, oferecerá 6.000 leitos em 3.900 cabines ancoradas no Porto de Outeiro, a 25 minutos do centro de eventos.
Mesmo com o arsenal de alternativas — que inclui reforma de escolas como hostels, construção da Vila COP30, incentivos fiscais para modernização hoteleira e parcerias com plataformas digitais —, resta a incógnita sobre como a cidade absorverá de fato a demanda concentrada.
Alta dos preços: Charles, que cultiva açaí na Ilha do Combu, é um dos impactados pela alta de 50% no valor do quilo da fruta (Matheus Carvalho/ABERJ/Divulgação)
A especulação imobiliária intensifica pressões sociais, a exemplo do fechamento do bar Suíço após 55 anos de funcionamento, quando o aluguel, que já era caro antes do anúncio da COP30, saltou de 3.600 para 10.000 reais. Chagas reconhece limitações governamentais: “Temos certa dificuldade de agir pelos preços abusivos, porque existe a livre-iniciativa, mas estamos dialogando tanto da parte do governo estadual quanto do federal”.
O aquecimento econômico já produziu outros efeitos claros no custo de vida local. Um levantamento do Dieese apontou altas significativas nos preços de tradicionais alimentos regionais: o cupuaçu registrou 95% de aumento; a pupunha, 80%; o uxi, 64%; o bacuri, 56%; e o açaí, 50%. A famosa castanha-do-pará lidera o ranking, com alta de 271%, saltando de 35 para 130 reais o quilo.
Apesar das pressões, dados oficiais revelam que 5.000 empregos diretos foram criados, houve crescimento de 68% na abertura de novas empresas e elevação da taxa de ocupação hoteleira de 50% para 82% desde o início de 2025. O governo estadual firmou acordo com o setor hoteleiro para garantir leitos a preços acessíveis para delegações, enquanto o Procon estadual realiza ações educativas para monitorar preços e orientar sobre direitos do consumidor.
Em contrapartida, os gestores ressaltam que o processo já trouxe benefícios sociais. “Em paralelo aos investimentos em hospedagem, para receber bem os participantes da COP o governo do Pará criou o ‘Capacita COP30’, maior programa de qualificação profissional do estado”, destaca Helder Barbalho. A iniciativa já certificou 22.000 pessoas em 105 cursos gratuitos voltados para o turismo, representando uma taxa de aproveitamento de 73,3% entre os inscritos.
“Foram geradas mais de 140 vagas para pessoas formadas no programa”, completa Chagas, observando que algumas posições vêm de parcerias com empresas como Coca-Cola e Cielo. Para Barbalho, a qualificação vai além do evento: “Permitimos que o setor produtivo tenha mão de obra qualificada ao mesmo tempo que milhares de pessoas ganham novas oportunidades de emprego e renda antes, durante e depois da conferência climática da ONU”.
Preservação ambiental: um dos desafios para a COP30 é integrar as comunidades locais e ribeirinhas nas discussões (Matheus Carvalho/ABERJ/Divulgação)
Para fundamentar sua candidatura como sede da conferência, o Pará buscou mostrar uma base sólida de políticas climáticas. O estado registrou redução de 28,4% na taxa anual de desmatamento em 2024, segundo o sistema Prodes do Inpe, superando os percentuais de 21% obtidos em 2023 e 2022 — resultado que consolida a tendência de queda iniciada há três anos.
Em uma frente complementar de combate aos problemas ambientais, foi lançado o programa Pará Sem Fogo como resposta estruturante aos focos de calor. A iniciativa tem como base quatro pilares: monitoramento em tempo real, prevenção com base científica, resposta coordenada e capacitação de brigadas locais.
O estado já mapeou 22 zonas de risco médio ou alto de incêndios e opera um centro de monitoramento que observa simultaneamente o desmatamento mecânico e pontos críticos para a ocorrência de queimadas.
A estrutura legal também foi fortalecida com a Lei de Responsabilidade Ambiental, sancionada em junho e inédita no Brasil, que assegura que 50% dos recursos da taxa hídrica e 10% da taxa minerária sejam destinados ao Fundo Estadual de Meio Ambiente. O mecanismo financia ações alinhadas com políticas como o Plano Estadual Amazônia Agora, o Plano de Bioeconomia, o Plano de Recuperação da Vegetação Nativa e o desenvolvimento do Sistema Jurisdicional de REDD+.
Na área educacional, 550.000 alunos da rede pública estadual passaram a contar, desde 2024, com “educação ambiental, sustentabilidade e clima” como componente curricular obrigatório. O Pará, pioneiro nessa iniciativa, busca formar uma nova geração de defensores da floresta por meio de um ensino prático que capacita comunidades locais para a preservação ambiental ativa.
O levantamento Protagonismo do Brasil na COP30 — Brazil Forum UK, realizado pelo IDEIA Instituto de Pesquisa e LaClima com 1.502 brasileiros, revelou que 71% não sabem o que é a COP30, embora 78% saibam onde será realizada. “A sigla ainda não faz parte do vocabulário cotidiano da maioria das pessoas”, avalia Cila Schulman, CEO do instituto. “Só fará sentido se for conectada a experiências concretas.”
A pesquisa expõe contradições: meio ambiente ocupa apenas o sétimo lugar entre as prioridades eleitorais, atrás de corrupção, saúde e economia. Paralelamente, 40% consideram o governo federal o “principal vilão ambiental”, enquanto 52% veem a sociedade mais consciente que há 20 anos. Apenas 29% acreditam que o Brasil age contra as crises climáticas.
O veredito dos próximos 100 dias ainda não está dado. Belém agora corre contra relógios que marcam tempos diferentes: o das obras atrasadas, o da especulação desenfreada e o da vida cotidiana de quem chama a cidade de casa. A COP30 chegará em novembro, com ou sem as 50.000 acomodações necessárias, com ou sem os canais limpos, com ou sem os preços controlados.
O que resta saber é se a cidade que resultar desse processo será reconhecível para os 2,5 milhões de pessoas que já a habitavam antes de ela se tornar palco de uma conferência internacional. Até lá, o futuro de Belém ainda está sendo escrito nas ruas, uma obra por vez.