Renner tech: varejista aposta em internet das coisas, algoritmos e robôs desde o estoque até o pós-venda (LAN/Renner/Divulgação)
Jornalista colaborador
Publicado em 5 de agosto de 2025 às 06h00.
Última atualização em 6 de agosto de 2025 às 10h19.
Foi em 2011 que a 3M — fabricante americana de produtos que vão de fitas adesivas a soluções de limpeza, deu o pontapé inicial na conectividade das máquinas no chão de fábrica brasileiro. Naquela época, havia apenas um equipamento em toda a operação nacional munido de sensores básicos — ainda assim, com muita dependência humana. “A entrada e a saída de dados eram 100% manuais e feitas em papel. O operador inseria as matérias-primas e apontava o tempo que se gastava para uma ordem de produção. Esse documento ia para uma central com pilhas de papel, e centenas de pessoas faziam a digitação, com muitos erros”, lembra Luciano Reyes, líder da área de tecnologias para manufatura da companhia para a América Latina.
Catorze anos depois, o cenário é outro. Atualmente, todas as cerca de 400 máquinas do setor produtivo da empresa no Brasil estão conectadas, com níveis diferentes de automação. Em alguns processos, a atuação humana ainda se faz necessária, mas a interface com os equipamentos hoje é digitalizada, por meio de tablets, e com comandos simplificados. A pilha de papel acumulada no passado deu lugar à integração dos dados que abastecem um sistema de gestão centralizado.
O exemplo da 3M dá a dimensão do crescimento exponencial da internet das coisas (IoT, na sigla em inglês) ao longo dos anos. Segundo a consultoria Statista, há cerca de 20 bilhões de dispositivos conectados mundialmente, número que deve dobrar até 2034. O conjunto de sensores, instrumentos e objetos físicos que “se falam” digitalmente otimiza processos, gera ganhos de eficiência operacional e contribui para a redução de custos. Essa teia de conexões permite um uso mais eficiente das informações espalhadas em plantas fabris e leva a melhores decisões. Na esteira da Indústria 4.0, movida pela digitalização e integração de tecnologias avançadas, a IoT já redefiniu o contexto industrial. “Os ganhos foram tão exponenciais que se tornaram a maneira de trabalhar. Não existe outra forma, porque não se trata mais de um projeto, é uma condição”, analisa Reyes.
Ana Lídia Moreira, consultora: a IoT torna as fábricas inteligentes e as operações mais autônomas (Arquivo Pessoal/Divulgação)
Para a consultora especializada em IoT Ana Lídia Moreira, o coração da tecnologia está no seu poder de iluminar os “pontos cegos”, com entendimento embasado em dados coletados em tempo real de todas as etapas. Ela explica que as aplicações vão muito além da captura e do processamento de um grande volume de dados e interferem diretamente no mundo físico. Por meio da comunicação máquina a máquina (M2M), sensores são capazes de gerar ações concretas e mudanças no mundo real, muitas vezes sem a necessidade de interferência humana. “Essa potência transforma a IoT em um dos sustentáculos da automação industrial, tornando as fábricas inteligentes e as operações cada vez mais autônomas”, resume.
O uso de sensores para o monitoramento de máquinas é uma das principais utilizações da IoT nesses ambientes, onde são mensurados indicadores como temperatura, pressão e consumo energético. “Isso tem permitido à indústria trabalhar fortemente a manutenção preditiva, evitando paradas inesperadas e os impactos decorrentes dos custos”, diz Pablo Nascimento, diretor de indústria e consumo na Minsait, empresa de transformação digital e TI. Outro ganho de aplicação destacado por ele está no controle e na visibilidade de processos, com o acompanhamento da linha de produção e do chão de fábrica em detalhes para maior qualidade e eficiência do fluxo de trabalho.
Desde 2020, a 3M tem ampliado em 20% ao ano a quantidade de robôs nas fábricas para aprimorar a mão de obra com foco em metas de sustentabilidade e produtividade. Segundo a empresa, a conectividade das máquinas — e a consequente melhora no entendimento do passo a passo na operação — exerce impacto direto nos ganhos de eficiência acima da inflação do custo da energia reportados nas plantas brasileiras. A equação considera o consumo de recursos energéticos (megawatts/hora) em relação à capacidade de produção (metros de fitas produzidas, por exemplo). A busca por eficiência nessa frente se justifica. Juntos, os setores de indústria e transporte foram responsáveis por 64,8% do consumo total de energia no país em 2023, segundo o Balanço Energético Nacional (BEN 2024), divulgado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) em parceria com o Ministério de Minas e Energia (MME).
Fabio Faccio, CEO da Renner: a IoT melhora o estoque, reduz as perdas e impulsiona as vendas (Jefferson Bernardes/Agência Preview/Divulgação)
Varejo: conexão do CD ao caixa
Da IoT ao uso de algoritmos e robótica, a varejista de moda Lojas Renner aposta no uso combinado de tecnologias em toda a jornada da operação, da captura de tendências ao pós-venda nas lojas, incluindo robótica nos centros de distribuição. “Uma tecnologia impulsiona a outra e gera muitas informações estruturadas para trabalharmos melhor as tomadas de decisões. Olhar de forma combinada é o que gera valor e soluções melhores para os clientes”, contextualiza o CEO Fabio Faccio.
A adoção da internet das coisas na empresa começou com as etiquetas de radiofrequência (RFID, na sigla em inglês). O objetivo era identificar 100% das peças individualmente e melhorar a acurácia dos estoques. “Ter o produto que o cliente procura é uma das coisas mais importantes no varejo de moda, que tem novos itens diariamente”, pontua Faccio. Segundo ele, o investimento na tecnologia levou a uma melhora de 64% na predição dos estoques e redução de 87% na chamada ruptura (quando o cliente não encontra o item desejado e a empresa perde a venda).
Com a leitura mais rápida e eficiente dos itens nas lojas, a Renner pôde encurtar o ciclo dos inventários, que chegam a ser feitos anualmente no varejo como um todo e se tornam caros e lentos. “Fazemos esse monitoramento online e o tempo inteiro atualizamos os estoques com o uso de IoT. Isso traz maior acurácia e menor custo, sem paradas de operação”, explica o CEO. “Reduzindo a quebra operacional, você melhora as vendas, porque tem certeza de onde estão as peças”, complementa.
As quebras operacionais e os erros de inventário representam uma pedra no sapato das varejistas. Segundo pesquisa da Associação Brasileira de Prevenção de Perdas (Abrapee), esses dois fatores responderam por mais da metade das perdas do varejo nacional (52%) em 2023. O investimento em RFID, combinado com soluções de internet das coisas, é apontado como uma solução para esse gargalo, mas o custo pode ser desafiador. “Muitas vezes, o que o empresariado se questiona é o custo de controle: ‘Será que colocar essas tags não fica mais caro?’ A partir do momento em que o custo é equilibrado, vale muito a pena”, analisa Fernando Gambôa, sócio-líder da área de consumo e varejo da KPMG no Brasil e na América do Sul, sobre o uso das etiquetas RFID.
Luciano Reyes, da 3M: “Ganhos com IoT são tão exponenciais que se tornaram condição de trabalho” (3M/Divulgação)
Para ele, a incorporação de inteligência artificial a processos que já utilizam RFID e IoT leva os resultados no varejo para outro patamar. Essa combinação pode gerar dados acurados que permitem entender o que comprar e vender, para onde enviar e até fazer o rastreamento dos produtos durante os trajetos. “Tudo isso diminui bastante as perdas, mas há um custo de tecnologia”, pondera.
Além de melhorar a acurácia dos estoques, as soluções automatizadas na Renner estão a serviço da experiência do cliente. Em busca de mais agilidade no ponto de venda, a varejista substituiu a leitura manual e individual dos códigos de barras pela identificação automática de vários itens ao mesmo tempo, juntando RFID e IoT. A evolução culminou no lançamento dos caixas de autoatendimento (disponíveis em 70% das lojas) e na chamada “caixa mágica”, que lê e reconhece automaticamente, em segundos, múltiplas peças. Assim que o pagamento é efetuado, os sistemas se comunicam para a desativação automática dos alarmes de segurança.
“Com RFID e IoT, conseguimos dar um salto e transformar uma experiência que era um atrito em uma experiência que é encantadora. Anos atrás, uma de nossas maiores preocupações era o tamanho das filas e a demora nos pagamentos. Hoje em dia, temos uma jornada do consumidor e uma experiência com mais conveniência,” compara o CEO a respeito dos ganhos de velocidade e facilidade de uso nos caixas de autoatendimento.
Sem abrir números, Faccio diz que a combinação de tecnologias em todas as frentes do negócio se reflete na maior satisfação dos clientes e na melhoria do desempenho da empresa em geral. “São cinco trimestres consecutivos de evolução em eficiência operacional e financeira, com mais geração de valor, rentabilidade e crescimento de vendas”, afirma.
O desafio de inovar
Nem todas as empresas estão prontas para escalar o uso de tecnologias, porém. Antes da aplicação de um arsenal de soluções, a recomendação dos especialistas é definir claramente os objetivos do negócio e entender o nível de maturidade digital. Depois de identificar as ineficiências a serem endereçadas, a orientação de Ana Lídia Moreira é fazer o levantamento dos requisitos mínimos de infraestrutura para implementar um projeto de IoT. “Entre as redes disponíveis na sua região, qual é a opção mais adequada ao seu tipo de dado? Para essa decisão, é indispensável equalizar custos com tipos de sensores, volume e periodicidade do envio de dados. Quais são os sensores mais alinhados com seus objetivos e orçamento?”, diz.
Pablo Nascimento recomenda que as empresas deem o primeiro passo. “O mais importante é começar, colocando sensores nas lojas, personalizando as ações e tendo os dados disponíveis para, depois, conseguir prever comportamentos.” Na visão dele, são poucas as varejistas maduras o suficiente no uso de IoT a ponto de considerar o aumento de receitas como métrica em vez da redução de perdas, o que demonstra que há oportunidades de expansão.
Comandos digitais e simplificados: a nova interação homem-máquina nas fábricas (3M/Divulgação)
Faccio, da Renner, compartilha da opinião de que há espaço para avançar em IoT, automação e robótica. Ele conta que o radar da empresa está apontado para melhorar a experiência de consumo por meio de provadores virtuais, interações e recomendações para os clientes, reduzindo a fricção. “O cliente tem de sentir cada vez mais a experiência e cada vez menos as partes que não são tão prazerosas, como o pagamento. Tem de ser mais fluido, mais fácil, mais ágil, mais flexível, com melhores recomendações e mais conveniência. Esse é o futuro do varejo”, prevê.
Linhas de produção foram totalmente redesenhadas na 3M para tornar processos mais eficientes e econômicos. Na produção de fitas adesivas, o trabalho que antes tinha intervenção humana agora é feito por equipamentos automatizados. Desde o recebimento dos rolos de materiais e o corte em pedaços menores até o empacotamento e o transporte das caixas, tudo é feito por robôs.
Uma rede de lojas de conveniência implementou outdoors digitais capazes de exibir promoções personalizadas aos visitantes. A solução, desenvolvida pela Minsait, utilizou sensores que captam dados em tempo real e imagens para recomendar produtos adequados a cada perfil de cliente. Por exemplo, a oferta de um pacote de fraldas para pais que acessam a loja com crianças de colo, ou bebidas alcoólicas para grupos de amigos. Na média, a solução contribuiu para o aumento de até 30% nas vendas de produtos promocionais, segundo a empresa. A análise dos perfis leva em conta informações captadas no local combinadas com dados sobre a região e o comportamento de compra naquele estabelecimento. O projeto une IoT, utilizada para registrar a localização das pessoas, e IA, para identificar desde dados demográficos, como gênero e idade, até a frequência de visitas às lojas. Segundo Nascimento, a ideia é replicar o mecanismo de exibição de propagandas direcionadas na internet, quando banners relacionados a pesquisas feitas nos buscadores acompanham o usuário durante a navegação.