(Catarina Bessell/Exame)
Editor de Negócios e Carreira
Publicado em 22 de maio de 2025 às 06h00.
O cenário de tensão entre os Estados Unidos e a China, com a guerra comercial como pano de fundo, tem levado muitas empresas a recalcular suas estratégias globais. No Brasil, duas grandes varejistas estão aproveitando o momento para estreitar seus laços com o mercado asiático e buscar vantagens competitivas. Casas Bahia e Chilli Beans são exemplos de como as mudanças no comércio internacional podem abrir novas portas e fortalecer negócios.
A Casas Bahia, em pleno processo de reestruturação financeira e operacional, viu uma oportunidade estratégica na crescente presença de marcas asiáticas, especialmente chinesas, no mercado. A chegada dessas marcas tem ajudado a manter os preços mais baixos, um alívio para o varejo, que enfrenta o impacto dos juros elevados e uma oferta restrita de crédito. Para o CEO da Casas Bahia, Renato Franklin, o Brasil tem se tornado uma prioridade para os fabricantes chineses, que buscam expandir sua presença. “Vemos novos players chegando, muitos da China. Com isso, há uma disputa por market share. O Brasil ganha relevância e, consequentemente, temos mais poder de negociação”, afirma.
No início de 2025, uma delegação da Casas Bahia, liderada por Franklin e Gustavo Pimenta, diretor comercial, viajou à China para ampliar as parcerias. Hoje, 18% do portfólio da empresa já é composto de marcas chinesas, como TCL, Midea e Oppo. Neste ano, a fatia deve subir a 20%. Pimenta observa que os fabricantes chineses possuem uma abordagem estratégica de longo prazo: “Eles têm um perfil maratonista, sabem que o crescimento no Brasil será um processo gradual”, diz. Esse apetite por expansão tem sido uma vantagem para a varejista brasileira, que aproveita para oferecer aos consumidores preços ainda mais atraentes.
Por sua vez, a Chilli Beans, com 30 anos de parceria consolidada com o mercado chinês, tem intensificado suas relações comerciais com a China, seguindo um caminho diferente de muitas outras empresas. Criada em 1997, a marca de óculos, hoje com 1.400 lojas e 1,4 bilhão de reais de faturamento, sempre manteve uma relação estreita com os fornecedores chineses. “Fomos apresentados às fábricas e temos os mesmos fornecedores há 25 anos. É uma parceria ética, saudável e ganha-ganha. A China nos ajudou e acreditou em nós”, afirma Caito Maia, fundador da marca.
Diferentemente de empresas que buscam alternativas à produção chinesa, a Chilli Beans continua apostando no fortalecimento de sua parceria com o gigante asiático. A recente guerra comercial não foi vista como um obstáculo, mas como uma oportunidade de recalcular a rota. “Essa guerra comercial nos forçou — de modo natural — a recalcular a rota. E já temos ganhos em câmbio”, diz Maia. A empresa, que já paga os fornecedores chineses em yuan, a moeda local, quer continuar utilizando esse meio de pagamento em suas transações comerciais, buscando mais segurança e previsibilidade cambial.
Além de reforçar sua presença na China, a Chilli Beans planeja expandir para outros países asiáticos. A Indonésia, onde já possui dez pontos de venda, é um dos focos dessa expansão. “Vamos colocar energia”, afirma Maia, empreendedor movido pelo que ele chama de instinto de “muambeiro”, afeito ao improviso e à agilidade na tomada de decisão. De uma família sem histórico de empreendedorismo — o pai era músico e a mãe fazia tricô —, o CEO conta que começou vendendo óculos de sol para sustentar sua carreira musical. O improviso o tornou um empresário de visão.
Layane Serrano e Raquel Brandão
Daniel Randon, presidente da Randoncorp: "O que diferencia uma liderança forte é a capacidade de ajustar a vela rapidamente" (Leandro Fonseca /Exame)
Fabricante de autopeças e implementos rodoviários de Caxias do Sul, na Serra Gaúcha, a Randoncorp bateu 11,9 bilhões de reais em receitas em 2024. Desse total, perto de 30% vieram do exterior. Por isso, a onda global de incertezas já provocou ajustes na estratégia da multinacional gaúcha.
Por ali, a ordem é rearranjar cadeias de suprimentos, um movimento já visto durante a quarentena. “A ideia da cadeia global única, que se sustentava antes da pandemia, já não se sustenta mais”, diz Daniel Randon, presidente da companhia. “As empresas perceberam que não podem depender de uma única origem para seus insumos.”
Para Randon, a maior mudança está no próprio jeito de olhar para o futuro. “Antes, tínhamos planejamentos estratégicos de dez anos. Agora trabalhamos com ciclos de cinco anos, com revisões operacionais a cada três”, diz ele. “O mundo virou mais volátil e a estratégia precisa acompanhar essa velocidade.”
30% das vendas da Randoncorp são para o exterior
55% da receita da divisão Fras-le Mobility, de autopeças, é de fora do Brasil
A agilidade já fez a companhia antecipar um projeto de expansão nos Estados Unidos previsto anteriormente para entrar no radar só depois de um tempo. A Randoncorp opera em solo americano por meio de uma fábrica própria no estado de Nova Jersey. Além disso, em junho de 2024, a Fras-le, fabricante de autopeças controlada pela Randoncorp, comprou a mexicana Kuo Refacciones por 1,2 bilhão de dólares.
A unidade mexicana serve como ponto de apoio para vendas na América do Norte, onde há 14 milhões de caminhões. Além das unidades nos dois países, a Randoncorp tem fábricas na Argentina, Índia e China. Há ainda operações de montagem na África e escritórios na Europa. A lógica é diversificar o risco. “Se um país para, por pandemia ou outro motivo, você precisa ter alternativas”, diz.
Daniel Giussani
CEO do grupo que leva seu sobrenome e é um dos gigantes brasileiros na prestação de serviços de TI, Marco Stefanini prega a consistência e o sangue-frio em meio a situações-limite. “Qual é a crise do ano eu não sei. Mas que vai ter, vai”, diz. À frente de uma das maiores empresas brasileiras de tecnologia, com 60% da receita vinda do exterior, Stefanini lidera um grupo que não só opera no caos, como transformou a instabilidade em método.
A companhia enfrentou a pandemia, por exemplo, reunindo o conselho diariamente, inclusive aos fins de semana, nos três primeiros meses da crise sanitária. “Foi um caos. Mas engrenou porque já tínhamos estrutura para reagir”, diz.
Em fevereiro de 2022, a Stefanini deslocou centenas de funcionários na Ucrânia após o início da guerra. Em menos de 36 horas, centenas de funcionários foram parar em países da fronteira por apoio da matriz, no Brasil. As enchentes no Rio Grande do Sul, em 2024, afetaram o fornecimento de energia de sua vertical de infraestrutura digital.
Os episódios moldaram o que Stefanini chama de “DNA de resposta” da companhia. “A gente sofre, claro. Mas está acostumado. Isso virou parte da nossa cultura”, afirma. Segundo ele, a solidez financeira também ajuda: com mais de 1.300 clientes, faturamento de 1,4 bilhão de dólares e dívidas sob controle, a empresa pode tomar decisões com menos desespero.
André Lopes
Em um mundo imprevisível, a IBM tem oferecido algo raro: infraestrutura para enfrentar o inesperado. Nos últimos anos, a empresa se tornou uma espécie de “clínica intensiva” para corporações afetadas por choques geopolíticos, juros altos e transformações tecnológicas rápidas demais para serem assimiladas pela governança tradicional.
A crise dos semicondutores, os ciclos de tarifas entre os EUA e a China e a explosão da inteligência artificial (IA) fizeram CEOs buscar ajuda. “O grande desafio não é falta de tecnologia, mas como usá-la corretamente”, diz Tonny Martins, presidente da IBM para a América Latina.
A IBM, além de fornecer tecnologia, testa as soluções internamente antes de oferecê-las. “Com IA e automação, geramos 3,8 bilhões de dólares em ganhos de eficiência nos últimos três anos”, afirma Martins. A empresa tem atuado como “cliente zero”, testando suas próprias soluções e aplicando-as em um ambiente de negócios fragmentado, onde decisões precisam ser baseadas em dados incertos.
Para Martins, há três frentes fundamentais para extrair valor da IA: capacitação, fundação tecnológica e escolha dos casos de uso. Isso inclui treinar executivos para entender o que é IA realmente, organizar dados internos e conectar sistemas, além de evitar modelos desatualizados ou caóticos. “A maioria das empresas não sofre por falta de tecnologia, mas pela falta de clareza do que priorizar”, diz.
Nos bastidores, a IBM tem ajudado desde multinacionais industriais até bancos, com foco na integração de sistemas com a IA, automação e dados em tempo real. A neutralidade tecnológica é uma das apostas da companhia: em vez de forçar seus próprios modelos de IA, a empresa oferece plataformas abertas para que os clientes orquestrem suas ferramentas.
Essa flexibilidade é crucial em um cenário volátil. Um estudo da IDC revelou que 85% das empresas brasileiras estão acelerando o uso de IA para enfrentar rupturas externas, mas menos de 40% têm estrutura técnica adequada. A IBM tenta preencher esse vazio, com mais de 3.000 cientistas e engenheiros aplicando IA em setores como saúde, energia e finanças.
Apesar de a IA não resolver todos os problemas globais, como tarifas comerciais ou flutuações nos custos de crédito, a IBM oferece a estrutura necessária para tomar decisões informadas. Martins usa o conceito de technology arbitrage, em que a aplicação eficaz da IA torna a empresa mais competitiva em um mundo reconfigurado.
André Lopes
Loja da Usaflex: aposta nos Estados Unidos, apesar da instabilidade (Leandro Fonseca /Exame)
A guerra comercial entre os Estados Unidos e o restante do mundo tem levado empresas a repensar estratégias globais. A Electrolux e a Usaflex, com operações no Brasil, estão investindo nos Estados Unidos para defender seus territórios e aproveitar as oportunidades criadas pela nova realidade econômica.
A sueca Electrolux, dona de pelo menos 15% do mercado global de eletrodomésticos, aposta no longo prazo como antídoto para os desafios econômicos e os efeitos da guerra tarifária. A companhia mantém uma produção relevante nos Estados Unidos, o que ajuda a mitigar os impactos das tarifas, mas ainda assim tem intensificado o monitoramento dos efeitos da nova realidade nos custos e prazos de sua cadeia de suprimentos. No Brasil, um dos principais mercados da empresa na América Latina, entre 85% e 90% da produção é local.
No segundo semestre, a Electrolux vai inaugurar uma nova planta em São José dos Pinhais, na Grande Curitiba, onde investiu 750 milhões de reais para expandir o portfólio. A ideia é produzir aqui eletrodomésticos portáteis hoje importados. “A América Latina já não é mais uma região volátil. É muito atrativa, e vemos a concorrência aumentando com players globais chegando”, afirma Leandro Jasiocha, CEO da Electrolux na América Latina. A empresa, com 70 lançamentos planejados para o primeiro semestre deste ano, está de olho no crescimento de longo prazo no Brasil, um mercado cada vez mais competitivo.
Por outro lado, a Usaflex, especializada em calçados de couro, está cautelosa com a política tarifária de Trump. No último mês, a empresa recebeu consultas para exportação de meio milhão de pares para os Estados Unidos, mas ainda aguarda mais certezas antes de expandir a produção. “A demanda pode ser temporária ou de médio prazo. Não podemos investir sem garantias contratuais”, diz Sérgio Bocayuva, da Usaflex.
A Usaflex fatura 525 milhões de reais por ano, dos quais 10% vêm do exterior, com os Estados Unidos sendo 1% do total. Apesar das incertezas, a expectativa é chegar a 3% no médio prazo. A Usaflex se destaca no Brasil com seu foco em calçados de couro legítimo, um nicho que a protege da competição com produtos sintéticos baratos da Ásia.
Isabela Rovaroto e Raquel Brandão
Silo da Kepler Weber: otimismo com a economia da Argentina (Kepler Weber/Divulgação)
A liderança da Grendene, dona das marcas Melissa, Ipanema e Rider, estava no escritório em 2 de abril quando Donald Trump anunciou novas tarifas de importação, incluindo os 10% sobre os produtos brasileiros — algo digno de um alívio momentâneo naquele momento. “O percentual passou uma indicação mais positiva do que se imaginava”, diz Alceu Albuquerque, CFO e diretor de relações com investidores.
Ainda que China e Estados Unidos tenham entrado numa trégua, o entendimento da companhia é de que o redesenho global de produção pode beneficiar a empresa gaúcha. Logo após o tarifaço de Trump, a Grendene passou a ser “muito procurada” como uma potencial fabricante para seus produtos. “São empresas, especialmente americanas, que nos buscam para incrementar o volume delas”, diz.
Hoje, os Estados Unidos são destino de menos de 3% das exportações da Grendene, cuja receita fora do Brasil cresceu 17% no primeiro trimestre de 2025, para 31,8 milhões de dólares. Ao mesmo tempo, a empresa quer crescer no mercado asiático. Um passo importante foi a aquisição integral da Grendene Global Brands, joint venture que mantinha com o fundo 3G Radar desde 2021 para ampliar sua participação nos mercados externos.
O fato de a China também estar de olho nos vizinhos para despejar produtos antes destinados aos Estados Unidos será um desafio a ser superado. “A competição por lá vai ficar mais acirrada”, diz Albuquerque. No entanto, os tipos de calçados feitos pela Grendene, como chinelos e sandálias de borracha, tendem a correr menos risco do que calçados de maior valor agregado. “O tíquete médio do meu produto já é baixo”, diz.
Em meio à tensão global, a relativa estabilidade da América Latina chama a atenção das empresas brasileiras. A também gaúcha Kepler Weber, especializada em armazenagem de grãos, está focada na Argentina, onde a produção de soja deve alcançar 50 milhões de toneladas na safra 2024/25. “Estamos vendo um retorno da Argentina, um país importantíssimo no agro mundial, com milho e soja”, afirma o CEO Bernardo Nogueira.
Em 2024, a empresa retomou suas operações na Argentina, com faturamento de cerca de 5 milhões de reais, e projeta crescer até quatro vezes em 2025. “A estrutura de armazenagem por lá está sucateada”, diz Nogueira. “Vai haver uma renovação do parque instalado”, diz o CEO. A Argentina deve responder por 15% dos negócios internacionais da Kepler em 2025, comparado a menos de 5% no ano passado.
César H.S. Rezende e Raquel Brandão
A mineira Mantiqueira Brasil, produtora de algo como 4 bilhões de ovos por ano, está enfrentando as incertezas econômicas globais com uma estratégia focada na adaptação rápida. Em meio à guerra tarifária e aos juros elevados no país, a empresa está começando um novo ciclo. Em janeiro deste ano, a Mantiqueira anunciou a venda de 50% da empresa para a JBS.
Avaliada em 1,9 bilhão de reais, a transação colocou a companhia na esfera de influência da JBS, que tem uma presença global sólida, especialmente nos Estados Unidos, onde é dona de marcas renomadas, como Plumrose e Pilgrim’s Pride.
Assim, ganhou um parceiro estratégico para acelerar sua expansão internacional e enfrentar as adversidades econômicas com mais segurança. “Nosso objetivo não é competir por preço, mas tornar nossos produtos essenciais e valorizados na mesa do consumidor”, afirma Márcio Utsch, CEO da Mantiqueira.
A empresa tem se concentrado em agregar valor ao ovo, um produto essencial, mas historicamente considerado commodity. Parte dessa estratégia envolve a diversificação do mercado, com destaque para o crescimento das exportações. Até abril de 2025, as exportações de ovos do Brasil para os Estados Unidos aumentaram 816%, atingindo 5.500 toneladas.
Utsch destaca que a chave para lidar com incertezas é a agilidade e a capacidade de tomar decisões rápidas e bem fundamentadas. A empresa tem reforçado a governança com comitês estratégicos e operacionais, além de manter diálogo constante com parceiros, fornecedores e instituições financeiras. “Em tempos instáveis, é preciso escolher o que realmente importa e renunciar ao que não gera valor”, diz.
César H.S. Rezende
Fábrica da WEG: quase tudo o que a empresa produz é feito e vendido na mesma região geográfica (Leandro Fonseca /Exame)
Gigante da indústria eletroeletrônica, com receita de 38 bilhões de reais em 2024 e presença em mais de 135 países, a catarinense WEG é uma das empresas brasileiras mais globais. Em tempos de guerras comerciais, tarifas imprevisíveis e cadeias de suprimento em xeque, ela se destaca por um modelo raro entre multinacionais: quase tudo o que produz é feito e vendido na mesma região geográfica. Nessa estratégia à la tabuleiro de jogo War, as 48 fábricas da WEG fora do Brasil — da China ao México — são organizadas por blocos econômicos. O que é fabricado na China abastece a Ásia.
A operação mexicana atende os Estados Unidos. A unidade brasileira fica com Brasil e parte da América Latina. A disposição das fábricas virou o maior antídoto em tempos de incertezas. “Não importamos material da China para o Brasil, nem o contrário”, diz Alberto Kuba, CEO da WEG. “Cada unidade é estruturada com um supply chain regional. Isso nos protege de qualquer desarranjo global.” Enquanto gigantes correm para trazer para mais perto a produção em resposta a tensões geopolíticas, a WEG já está com a produção local. Na pandemia, a estrutura garantiu produção contínua.
Daniel Giussani
Siderúrgica da Gerdau: projeto de nova fábrica no México foi adiado em meio às incertezas globais (Tamires Kopp/Print Maker/Divulgação)
Entre a decisão de investir e a de esperar, a Gerdau escolheu a cautela. A companhia, uma das maiores produtoras de aço das Américas, optou por suspender a construção de uma nova fábrica no México avaliada em 600 milhões de dólares. O projeto, voltado para a produção de aços planos para o setor automotivo, era considerado estratégico, mas foi travado diante de um cenário global marcado por tarifas, realinhamentos geopolíticos e excesso de incertezas. “Vai haver uma transformação mais profunda no setor automotivo. Nossa decisão passa muito por isso, pela incerteza de como vai se reconfigurar”, diz Gustavo Werneck, CEO da Gerdau.
Não se trata de uma guinada isolada, mas de um movimento maior de reavaliação. Embora a empresa tenha mantido o plano de investir 6 bilhões de reais em 2025 — o mesmo valor de 2024 —, a diretoria já admite que o valor de investimento dos anos seguintes pode ser ajustado. “Estamos analisando com muito detalhe a possibilidade de reduzir o capex. A lentidão nos mecanismos de defesa comercial aumenta a nossa preocupação”, afirma Werneck. A companhia, que viu seu lucro líquido ajustado cair 39% no primeiro trimestre do ano, vem avaliando novas formas de alocação de capital, como a recompra de ações. Até abril, 44% do programa já havia sido executado.
As decisões de caixa respondem a uma dinâmica que vem se acelerando. A nova rodada de tarifas impostas pelos Estados Unidos à China e a consequente ameaça de desvio de aço subsidiado para mercados mais frágeis reacenderam o debate sobre competitividade, defesa comercial e o papel da indústria nacional. Werneck não mede palavras: “O que está ruim pode piorar. A não ser que o Brasil coloque mecanismos de defesa comercial para equilibrar o jogo, e no prazo mais curto possível”.
Nos Estados Unidos, a situação é mais favorável. A produção local da Gerdau, voltada exclusivamente para o mercado americano, foi beneficiada pelas políticas de incentivo à indústria doméstica. As vendas na região cresceram 8% no trimestre, impulsionadas pela antecipação de pedidos. “É como se fôssemos uma empresa americana. Qualquer incentivo à produção local nos favorece”, diz o CEO. No Brasil, o cenário é o oposto: com o aço chinês entrando com preços inferiores ao custo da matéria-prima, a concorrência se torna inviável. “É claramente dinheiro do governo chinês para manter emprego e renda lá. Aqui, sem defesa comercial, é impossível competir de igual para igual.”
Daniel Giussani e Raquel Brandão
A guerra tarifária entre Estados Unidos e China tem forçado empresas brasileiras a adotar uma postura mais cautelosa diante dos novos investimentos. Suzano e BrasilAgro, em setores distintos, estão ajustando suas estratégias para enfrentar as incertezas econômicas e geopolíticas.
A Suzano, maior produtora global de celulose, reforçou sua cautela após o aumento das tarifas no comércio internacional. Embora tenha 3 bilhões de dólares em caixa, a companhia está sendo mais rigorosa na análise de projetos. “Com a volatilidade do ambiente, investimentos exigem retornos mais altos”, afirma Beto Abreu, CEO da Suzano. A empresa já havia priorizado a desalavancagem financeira, mas agora, com o cenário mais arriscado, o foco é a análise minuciosa de novos investimentos. Em 2024, a Suzano adquiriu fábricas nos Estados Unidos, mas desistiu de outras aquisições, como a International Paper, por questões de preço. A empresa tem apostado em setores mais resilientes, como o de tissue, papéis-toalha e higiênicos, que continuam demandando celulose, embora seu setor principal, o de papel e celulose, enfrente desafios com a volatilidade das tarifas.
Para enfrentar esse cenário, a Suzano tem equipes dedicadas ao monitoramento constante do mercado global, com presença nos Estados Unidos, Europa e Ásia, acompanhando de perto os impactos das tarifas e ajustando sua estratégia conforme necessário.
3 bilhões de dólares é o que o gigante de papel e celulose Suzano tem em caixa
A BrasilAgro, produtora de soja e outros grãos, tem adotado uma abordagem estratégica similar para gerenciar riscos e incertezas. Com o câmbio desvalorizado e os altos juros no Brasil, a empresa mantém uma gestão financeira austera, com alavancagem limitada a 30% do capital de giro. O CEO André Guillaumon destaca a vantagem da soja brasileira no mercado global em razão da sazonalidade complementar à dos Estados Unidos, mas enfatiza a cautela.
Diante das incertezas, a BrasilAgro adaptou sua estratégia comercial, invertendo a distribuição tradicional de vendas de soja. A empresa deslocou cerca de 160 milhões de reais de receita do primeiro para o segundo semestre, buscando capturar melhores prêmios comerciais, o que exige uma reorganização financeira complexa. “Essa engenharia financeira tremenda é para aproveitar prêmios mais atrativos”, explica Guillaumon.
O prêmio da soja é a diferença entre o preço do grão no mercado internacional e o preço na origem, como no Brasil. Esse valor pode ser positivo ou negativo, dependendo de fatores como transporte, qualidade e demanda internacional. Para Guillaumon, essa decisão é parte de uma “visão estratégica positiva” que exige ajustes financeiros, com o objetivo de se preparar para as oportunidades favoráveis. “Quando uma empresa está pronta e a situação favorável acontece, não é sorte, é resultado de estar preparado”, afirma o CEO.
César H.S. Rezende e Raquel Brandão