Revista Exame

Do Pará ao Vietnã, o legado empresarial na COP30

SB COP seleciona 48 soluções globais que transformam sustentabilidade em resultados concretos, com Brasil liderando portfólio

COP30: primeira conferência climática realizada na Amazônia deve unir o capital privado ao potencial da floresta e às soluções com base na natureza (Leandro Fonseca /Exame)

COP30: primeira conferência climática realizada na Amazônia deve unir o capital privado ao potencial da floresta e às soluções com base na natureza (Leandro Fonseca /Exame)

Lia Rizzo
Lia Rizzo

Editora ESG

Publicado em 24 de outubro de 2025 às 06h00.

O setor privado global tem um recado claro para as negociações climáticas: chegou a hora de sair do papel e entregar resultados concretos. A mensagem vem de Ricardo Mussa, presidente da Sustainable Business COP (SB COP), coalizão que representa quase 40 milhões de empresas de mais de 60 países. “Já falamos muito de meta. Os cientistas já mostraram qual é o problema. Agora é hora de focar a ação”, afirmou Mussa.

E a ação está em curso. A SB COP selecionou 48 projetos que materializam essa transição entre discurso e prática. Escolhidas entre 670 candidaturas vindas de todos os continentes, as iniciativas abrangem mais de 20 países, com o Brasil liderando com 19 projetos, seguido por experiências na Suécia, África do Sul, Índia, Vietnã, Colômbia, Equador, Espanha e Nova Zelândia.

Os números atestam maturidade: investimentos que somam bilhões de dólares, milhões de toneladas de carbono eliminadas da atmosfera, milhares de empregos criados e comunidades inteiras inseridas na economia verde. Mais relevante que a escala é a natureza dessas iniciativas — não são promessas ou pilotos experimentais, mas operações comerciais plenas, com indicadores auditados e modelos prontos para replicação.

Das florestas amazônicas regeneradas com renda garantida aos bairros escandinavos de emissão zero, das siderúrgicas movidas a hidrogênio verde aos ecossistemas completos de reciclagem industrial, essas soluções provam que a implementação deixou de ser exceção para virar regra no mundo dos negócios. Conheça a seleção.


Eficiência e renováveis

A descarbonização energética abandonou apresentações em PowerPoint e invadiu chão de fábrica, redes de transmissão e frotas de transporte. Projetos brasileiros da Braskem e Suzano mostram como redesenhar processos produtivos pode eliminar emissões pela raiz, enquanto aportes volumosos em geração limpa na África do Sul e linhas de transmissão pioneiras no Brasil comprovam que renováveis já substituem combustíveis fósseis com segurança operacional e escala comercial.

Braskem — Vesta:  Reconversão de complexo petroquímico em São Paulo com cogeração a hidrogênio e motores elétricos. Investimento de 600 milhões de reais elimina 100.000 toneladas anuais de CO₂ e reduz o consumo de água em 11,4%.

Suzano: Primeira instalação brasileira a converter subprodutos da celulose em syngas via gaseificação, substituindo combustível fóssil. Reduz emissões em até 97% e amplia a capacidade produtiva em 20%.

Scatec — Kenhardt: Planta híbrida sul-africana com 540 MW solares e baterias de 225 MW/1.140 MWh. Entrega 150 MW firmes por 16 horas diárias, evita 900.000 toneladas anuais de carbono, e gerou 3.000 empregos.

ENGIE — Gralha Azul:  Sistema de transmissão de 1.000 quilômetros no Paraná usando drones para instalação. Reduz supressão vegetal pela metade e conclui obras 18 meses antes do prazo com investimento de 2 bilhões de reais.

Repsol — Ecoplanta:  Primeira planta europeia em larga escala a converter 400.000 toneladas anuais de lixo urbano em 240.000 toneladas de metanol renovável na Espanha. Investimento de 800 milhões de euros.

Toyota: Híbrido flex-fuel roda com etanol ou gasolina sem recarga externa. Reduz emissões em 70% com etanol e já soma mais de 100.000 unidades produzidas no Brasil desde 2019.


Floresta e valor

Biomas tropicais deixam de ser apenas reservatórios passivos de carbono para se tornarem motores ativos de desenvolvimento econômico inclusivo. Certificação de práticas agrícolas regenerativas, créditos de biodiversidade com lastro verificado e biotecnologia de ponta para ingredientes cosméticos comprovam que conservar ecossistemas pode gerar mais valor do que destruí-los.

Bioeconomia: florestas tropicais geram créditos de carbono e impulsionam desenvolvimento local (Universal Images Group/Getty Images)

BASF — Pragati:  Primeiro programa global de mamona sustentável na Índia. Treinou 10.000 agricultores (8.000 certificados), elevando a produtividade em 57% e reduzindo o consumo hídrico em 33%.

Dengo:  Monetização de carbono em cacau cabruca baiano. Implementado em 2.815 hectares com 99 famílias, conservou 1 milhão de tCO₂ e distribuiu 2,2 milhões de reais em 2025.

Givaudan:  Ácido hialurônico por fermentação de precisão na França. Reduz emissões em 92%, energia não renovável em 90% e uso de água em 75% versus síntese química.

Morphosis —Terrasos:  Bancos de habitat na Colômbia financiados por capital privado. Restaurou 2.000 hectares, mobilizou 7 milhões de dólares em créditos e reduziu a temperatura superficial em 0,4 °C.

Natura — SAF Dendê: Agroflorestas de palma no Pará com 650 hectares implantados. Eleva a renda familiar em 40% e remove 6 toneladas de CO₂ por hectare ao ano.

Sanctu Plataforma amazônica com contratos de 40 anos para agrofloresta e pecuária regenerativa. Converteu 1.000 hectares, triplicou a renda de famílias e projeta sequestro de 5 a 7,5 milhões de toneladas de carbono.


Circularidade em escala

Valorização de resíduos deixou de ser iniciativa marginal de coleta seletiva para se tornar remanufatura industrial sofisticada, reciclagem química avançada e sistemas integrados que fecham ciclos produtivos completos, gerando receita substancial e diminuindo a dependência de extração virgem de matérias-primas.

Alpargatas —Reciclo:  Cadeia circular de borracha Havaianas, fruto da coleta em 200 lojas e 76 cooperativas até a transformação em produtos. O volume reciclado cresceu 187% e a receita 869% entre 2021 e 2024.

Ambipar:  Plataforma que integra 247 centros em 120 municípios com blockchain. Recuperou 263.000 toneladas desde 2015, evitou 140.000 toneladas de carbono e fortaleceu 115 cooperativas.

XLabs — Circularity: Capacitação empresarial neozelandesa em economia circular. São 351 organizações participantes, 88% implementaram soluções em 6 a 12 meses, com elevação de 53% na circularidade.

Cirklo:  Maior recicladora PET garrafa-para-garrafa do Brasil, processa 5,5 bilhões de garrafas/ano. Produziu 65.000 toneladas de rPET em 2024, evitando 84.000 toneladas de CO₂ e impactando 85.000 catadores.

CPFL:  Reforma de transformadores elétricos com regeneração de 300.000 litros mensais de óleo. Recuperou 267 toneladas de alumínio, 223 de cobre e 187 de ferro em 2024, gerando 45 milhões de reais.

SKF:  Remanufatura de rolamentos em 20 centros globais. Reutilizou 4,5 milhões de quilos de aço em 2024, evitando 15,6 milhões de quilos de emissões (potencial de 90% de redução).


Infraestrutura inteligente

Urbanização acelerada e mitigação climática já não se apresentam como agendas conflitantes. Universalização de saneamento básico via concessões estruturadas, mobilidade elétrica compartilhada em escala, ferramentas digitais para planejamento territorial e bairros de uso misto de baixo carbono demonstram que cidades podem crescer diminuindo emissões e ampliando a qualidade de vida simultaneamente.

Aegea — Barcarena: Universalização de água e esgoto no Pará até 2025, antecipando metas nacionais em uma década. São 138 km de rede construídos, 13.500 em tarifa social e redução de internações por doenças hídricas de 47 para 6 por 10.000 habitantes.

Water Offsets: Reciclagem de águas cinzas recuperou 80% do consumo. Estabeleceu 3.000 residências neutras em água na Europa e piloto tailandês com potencial de conservar 10 bilhões de litros.

Google — Green: Light IA otimiza semáforos em tempo real em 70 interseções de 20 cidades. Reduziu paradas em 30% e emissões em 10%, evitando 3.000 toneladas de CO₂ em 2024.

YvY Capital:  Ecossistema brasileiro de motos elétricas com iFood como âncora. Meta de 600.000 veículos/ano até 2035, evitando 6 milhões de toneladas de carbono e elevando renda de 280.000 trabalhadores em 40%.

IFC — APEX: Plataforma que traduz ambições climáticas em investimentos financiáveis. Em Cidade do Cabo, estruturou 6,3 bilhões de dólares em cinco clusters com projeção de 23% de redução de emissões até 2030.

Electrolux —Greenhouse Sthlm:  Bairro sueco de uso misto para 3.000 pessoas com estrutura de madeira. Reduz emissões em 57% versus concreto e alcançou certificação BREEAM Outstanding (96,6%).


Qualificação verde

Formar e requalificar profissionais é tão urgente e estratégico quanto mobilizar capital financeiro. Programas multilaterais de capacitação técnica, plataformas digitais de conhecimento compartilhado e redes setoriais estruturadas de treinamento vocacional preparam a força de trabalho que a descarbonização já demanda hoje, fechando gaps críticos de habilidades que ameaçam atrasar a transição.

IFC — GB-TAP:  Capacitação global em títulos sustentáveis desde 2019. Treinou 2.009 profissionais em 65 países, apoiou 38 frameworks e viabilizou 21 bilhões de dólares em emissões com 6,2 milhões de tCO₂e evitadas.

GCBC:  Coalizão lançada na COP28 reunindo 100 organizações. Plataforma acessada por 3.100 usuários e Programa Acelerador com 3 vencedores entre 47 candidaturas.

Salesforce — Agent Tierra:  Agente de IA via WhatsApp que orienta agricultores colombianos. Parte de portfólio apoiando 24 ONGs com tecnologia Agentforce para impacto socioambiental.

Schneider Electric:  Programa capacitando PMEs lançado em 2023. Treinou 16.000 usuários com meta de 100.000 até 2030. A iniciativa A2T já qualificou1 milhão de jovens em STEM globalmente.

SENAI:  Modelo prospectivo de demanda profissional desenvolvido desde 2003. Aplicado em setores industriais brasileiros e transferido para República Dominicana, Chile, Uruguai e países africanos via CINTERFOR/OIT.

GIZ — Vietnã: Centro de Excelência em Renováveis entre 2021 e 2024. Treinou 307 professores e 292 técnicos, com 99% reportando melhores perspectivas de carreira. Replicado na Mongólia.


Capital para transição

Instrumentos financeiros inovadores convertem passivos soberanos em conservação de longo prazo, conectam pequenas e médias empresas a crédito acessível, criam mercados regulados e transparentes de carbono, e viabilizam projetos industriais transformadores através de garantias multilaterais e arranjos sofisticados de capital misto público-privado.

Financiamento verde: instrumentos inovadores conectam investidores a projetos de conservação e economia de baixo carbono (Rogério Cassimiro/MMA/Divulgação)

Bank of America — Equador: Maior debt-for-nature swap terrestre, convertendo 1,53 bilhão de dólares em dívida soberana. Libera 800 milhões de dólares em economia fiscal e 400 milhões de dólares para conservação de 6,4 milhões de hectares amazônicos.

C2FO — México:  Plataforma de pagamento antecipado operacional desde maio de 2023. Atendeu 5.000 empresas com potencial estimado de 30 bilhões de dólares em capital de giro e elevação de 1,1% no PIB.

Ninety One:  Dívida de transição para mercados emergentes lançada em 2024. Yield de 5,41%, spread de 202 pontos-base e performance de 6,9%, atraindo capital institucional para setores hard-to-abate.

B3:  Repositório regulado para créditos de carbono integrado à plataforma ACX. Transacionou 3,3 milhões de tCO₂ em 2024 e prepara ambiente para o Sistema Brasileiro de Créditos de Carbono.

Stegra: Primeira siderúrgica a hidrogênio verde do mundo na Suécia com capacidade de 2,5 milhões de toneladas/ano. Investimento de 6,5 bilhões de euros com redução de 95% nas emissões.

GOL/Vibra/Abra:  Primeira operação Book & Claim de SAF na América Latina. Aposentou 50 unidades, correspondendo a 190 tCO₂eq com divisão de custos entre operador aéreo e cliente corporativo Microsoft.



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