Escola Estadual Padre Saboia de Medeiros, na zona sul de SP: ensino em tempo integral resulta em professores motivados e com melhor remuneração (Leandro Fonseca/Divulgação)
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Publicado em 1 de dezembro de 2025 às 10h00.
O Ginásio Pernambucano foi cenário de muitas histórias em 200anos de existência completados no início de setembro — quase 160 deles no prédio de linhas neoclássicas na tradicional Rua Aurora, cujo casario preservado é um ponto turístico do centro de Recife. É a escola mais antiga em funcionamento no país. Em suas salas de aula sentaram-se personalidades como Epitácio Pessoa (presidente do Brasil de 1919 a 1922) e Assis Chateaubriand, primeiro magnata das comunicações do país. Por ali passaram também escritores como Clarice Lispector e Ariano Suassuna — segundo dizem, boa parte de O Auto da Compadecida, uma de suas obras mais conhecidas, teria sido escrita na biblioteca do Ginásio.
Não é exagero dizer, no entanto, que a era de ouro da história da escola está sendo escrita neste século 21, pelo menos no que diz respeito à sua contribuição mais decisiva para a educação brasileira. No Ginásio Pernambucano nasceu, em 2004, o embrião do ensino médio integral, início de uma importante transformação. No começo, o objetivo era reformar as instalações, então em péssimas condições. Marcos Magalhães, ex-aluno do Ginásio e um dos criadores do modelo de ensino médio integral, compartilhou a ideia com empresas e entidades da sociedade civil antes de ser levada ao governo de Pernambuco. Foi neste momento que o Instituto de Corresponsabilidade pela Educação ganhou forma para materializar tamanha ambição.
O projeto tornou-se parte da agenda estratégica do estado. Na época, a responsabilidade de levar o projeto adiante coube ao então vice-governador, José Mendonça Bezerra Filho. “Trabalhei com o então secretário de Educação, Mozart Neves, para tirar do papel a proposta”, diz Mendonça. “Pernambuco ocupava a 22a posição no ranking do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica(Ideb) e, com o ensino médio integral, passou a ser um dos primeiros. Isso gerou uma virtuosa competição entre os estados, que passaram a utilizar a metodologia de Pernambuco.”
Estudantes do EMI: atenção voltada ao fortalecimento da aprendizagem e ao acompanhamento individualizado
Em 2007, ao final do mandato, já havia outras 13 escolas de ensino médio operando em tempo integral no estado e mais sete em fase de implantação. Diante da aprovação de estudantes, seus familiares e professores, o governo encaminhou ao legislativo do estado um projeto de lei que, aprovado em 2008, transformou o ensino médio integral numa política pública permanente em Pernambuco.
De lá para cá, essa proposta pedagógica, concebida por Antônio Carlos Gomes da Costa, Bruno Silveira e Thereza Barreto, se consolidou como a melhor alternativa para impulsionar os resultados nas redes públicas de ensino médio, sendo abraçada por gestores públicos de todo o país, independentemente da sua orientação política. A expansão continuou, apesar das trocas no comando nos estados. Em 2024, 7.153* escolas da rede pública ofereciam essa modalidade de ensino — um número que praticamente dobra a cada dois anos. Nelas estavam matriculados, no ano passado, 1,3 milhão de estudantes em todos os estados brasileiros, como mostram dados do Censo Escolar — quase quatro vezes mais do que em 2016.
Mais motivação: ensino em tempo integral aumenta as chances de os jovens continuarem estudando
O principal impulso à disseminação do ensino médio integral vem dos resultados. E não são poucos. Pesquisas mostram que os estudantes desse modelo de ensino aprendem o dobro em matemática e 70% mais em língua portuguesa do que os matriculados em escolas de ensino médio parcial.
E mais: nem tudo de bom que o ensino médio integral proporciona fica restrito à sala de aula. Os ganhos educacionais tornam-se um poderoso instrumento para a redução das desigualdades, priorizando os mais vulneráveis. “A educação em tempo integral reconhece, respeita e valoriza as diferentes dimensões que constituem o desenvolvimento do sujeito”, afirma o ministro da Edu cação, Camilo Santana.
Esse efeito é multiplicado e se manifesta nas oportunidades futuras dos jovens. De acordo com as pesquisas, os estudantes do ensino médio integral têm chances maiores de continuar estudando. Em nível nacional, um aumento de 10% na proporção deles no ensino médio integral gera um crescimento de até 1,14% no total de matrículas no ensino superior — entre os estudantes cotistas, essa porcentagem é ainda maior, de 3%.
Na prática, essa política pública amplia o horizonte de vida dos jovens. Estudos realizados pelo Brasil mostram que, a cada 10% de crescimento na proporção de estudantes que fazem o ensino médio integral, a taxa de jovens de 20 a 21 anos com empregos formais aumenta, em média, 3%. O efeito é mais expressivo no caso de pretos, pardos e indígenas, para os quais a formalização do trabalho chega a 4,5%, ante 1,6% no caso dos jovens brancos. A inserção de mulheres em ocupações formais fica maior em torno de 8 pontos percentuais.

Os egressos do ensino médio integral também costumam ganhar mais. Em Pernambuco, uma pesquisa mostra um salário médio mensal 18% acima
da média. O aumento da remuneração vem acompanhado da redução da desigualdade, com a eliminação de uma diferença salarial que chega a 13% entre pretos/pardos e brancos no ensino parcial/regular.
Os ganhos na educação se refletem ainda na saúde e na qualidade de vida. Os jovens passam praticamente o dia todo na escola, onde fazem no mínimo três refeições diárias e têm acesso a uma nutrição adequada. Isso reduz despesas familiares e a pressão sobre os serviços de saúde. Não se trata apenas de saúde física: há ganhos emocionais e mentais. Estudantes do ensino médio integral apresentam menor prevalência de sintomas de depressão, de uso de substâncias ilícitas e menos internações por transtornos emocionais.

O mais impressionante é que o que começa na sala de aula acaba transbordando para a sociedade — e de forma bastante imediata. Tome-se como exemplo os indicadores relacionados à violência. Os dados de segurança em Pernambuco mostram uma queda de 51% na taxa de homicídios de jovens de 15 a 19 anos nos municípios que implementaram o tempo integral. Em relação às escolas regulares, há uma diminuição de 11,8% nos casos de violência velada, como ameaças, consumo de drogas e presença de armas.
Do ponto de vista econômico, o ensino médio integral é um ótimo investimento de recursos públicos. Segundo um estudo realizado por pesquisadores do Insper, um estudante que cursou os três anos de ensino médio integral tem um ganho médio adicional de 64.000 reais na sua renda ao longo da vida adulta. São quase três vezes mais do que o custo incremental da política, que gira em torno de 24.000 reais por estudante. Quando se consideram os ganhos indiretos — como o aumento da produtividade, da arrecadação tributária e da formalização do mercado de trabalho — o retorno social pode chegar a 145. 000 reais por estudante.
O termo “tempo integral” não é suficiente para representar tudo o que o ensino médio integral contempla. Fica parecendo se tratar somente de um horário ampliado para segurar os estudantes mais tempo na escola, mas é muito mais do que isso. É garantir o tempo necessário para uma experiência educativa completa, que qualifica de forma acadêmica, pessoal e social os estudantes, preparando-os para os desafios do mundo contemporâneo e para que se tornem cidadãos produtivos ao longo da vida.
A carga horária estendida sem revisão do modelo pedagógico não produz resultados melhores. O foco é que esse modelo educacional crie um ambiente mais acolhedor, no qual o jovem se reconheça e encontre sentido para aprender. Em linhas gerais, a diferença para outras tentativas de ensino em horário ampliado no Brasil é que o ensino médio integral não dá atenção apenas aos prédios e às instalações, mas também ao currículo.
Proposta pedagógica: no EMI, professores podem assumir o papel de tutores dos estudantes
Todo o programa é voltado ao desenvolvimento do projeto de vida dos estudantes — uma jornada que os ajuda a conectar sonhos, valores, competências e habilidades às suas escolhas e decisões. Ao longo de todo o ensino médio, eles participam de aulas estruturadas que estimulam o autoconhecimento, a reflexão sobre identidade e valores e o planejamento de metas pessoais e profissionais.
Mais do que preparar para o vestibular, a proposta busca formar jovens capazes de enfrentar os desafios do século 21 com consciência, propósito e responsabilidade, considerando as dimensões pessoal, social e produtiva da vida. Na nova proposta pedagógica, os professores contam com tempo dedicado ao planejamento e atuam de forma integrada com outras áreas do conhecimento, indo além da simples transmissão de conteúdo. Eles também podem assumir o papel de tutores, acompanhando de perto a trajetória dos estudantes ao longo de todo o ensino médio. Cada jovem escolhe seu tutor — que pode ser um professor, integrante da equipe gestora ou funcionário da escola — para orientá-lo tanto no desempenho acadêmico
quanto no desenvolvimento pessoal e como cidadão, considerando as diferentes realidades sociais dos estudantes.
Para que esse acompanhamento seja efetivo, é essencial que o professor esteja presente e inserido no cotidiano escolar. Nesse sentido, a política do EMI
contribui para reduzir a figura do educador itinerante — aquele que divide seu tempo entre várias escolas — e incentiva a dedicação exclusiva. Com isso, o
educador cria vínculos mais sólidos com a comunidade escolar e fortalece o relacionamento com os estudantes.

Nas escolas de tempo integral, os jovens também assumem um papel muito mais ativo e protagonista do que no ensino regular. São eles que, muitas vezes, recepcionam visitantes, conduzem visitas guiadas e até organizam a escala de almoço no refeitório. Esse senso de responsabilidade se estende à criação dos Clubes de Protagonismo, criados a partir dos interesses dos próprios estudantes.
Há os Clubes de Protagonismo, como o de patrimônio, em que os próprios alunos cuidam da conservação dos espaços da escola; os clubes de imprensa, responsáveis por jornais e boletins internos; além dos grupos de astronomia, jogos de tabuleiro e política, que chegam a promover debates entre candidatos durante anos eleitorais. Em cada uma dessas iniciativas, os jovens exercitam a autonomia, o trabalho em equipe e a capacidade de planejamento e execução de projetos — competências essenciais tanto para a vida pessoal quanto para o mundo do trabalho.
Os resultados alcançados ao longo dos últimos anos fazem com que todos os estados brasileiros já ofertem o ensino médio integral, refletindo o compromisso coletivo com a ampliação dessa política educacional. Em todo o país, governos estaduais têm investido na expansão do modelo, reconhecendo seus impactos positivos na formação dos estudantes. Dados de 2024 demonstram que alguns estados já se aproximam da universalização, como Ceará (74%), Piauí (71%), Pernambuco (69%) e Paraíba (63%). Outros vêm registrando avanços expressivos desde 2016, quando partiram de uma base pequena e hoje já alcançam mais da metade da rede com oferta integral, casos da Bahia (54%), Espírito Santo (53%) e Mato Grosso do Sul (47%), segundo dados do Censo Escolar.

Ao longo dos anos, o ensino médio integral conquistou cada vez mais adeptos e defensores, o que foi essencial para sua expansão nacional. Em 2016, durante a gestão de Mendonça Filho no Ministério da Educação, a proposta pedagógica foi incorporada à reforma do ensino médio, ganhando novo fôlego e escala. “Essa política foi nacionalizada e integrada ao Novo Ensino Médio, que tem uma concepção e uma lógica que permitem o protagonismo do jovem, flexibilidade curricular — com ênfase nos conteúdos mais relevantes para sua formação — e integração com cursos técnicos”, afirma Mendonça Filho. Segundo ele, o período também foi marcado pela criação de mecanismos de apoio financeiro que viabilizaram a expansão do modelo em todo o país. A medida representou um marco na consolidação do ensino médio integral, especialmente pelo suporte que a União passou a oferecer aos gestores estaduais.
Em 2023, o governo federal ampliou a política de fomento ao ensino integral para toda a educação básica. Com isso, as crianças que ingressam nas turmas de tempo integral no ensino fundamental tendem a chegar ao ensino médio com uma formação mais sólida — o que pode potencializar os resultados educacionais e sociais e contribuir para a redução das desigualdades na próxima década. “O desafio de universalizar a educação em tempo integral não pode parar”, reforça o ministro da Educação, Camilo Santana. “Em 2025, daremos um passo histórico com a implementação da Resolução no 7 do Conselho Nacional de Educação, que institui diretrizes para a oferta da jornada integral em todas as etapas da Educação Básica.” A definição de diretrizes nacionais é fundamental para garantir coerência e qualidade na expansão do modelo, orientando as redes de ensino com base nas evidências e boas práticas que já demonstraram maior impacto na consolidação do ensino médio integral.

Ainda há muito a avançar na educação brasileira, mas os passos dados até aqui apontam na direção certa. De acordo com os dados mais recentes do Ideb, a nota média do ensino médio foi de 4,3 em 2023 — ainda abaixo da meta de 5,2 prevista para 2021. O resultado evidencia que a ampliação do ensino médio integral pode ser decisiva para acelerar o progresso. Houve um tempo em que ele era visto como privilégio de poucas escolas de referência, mas essa visão vem mudando. Hoje, cresce o entendimento de que toda a rede pública pode — e deve — oferecer esse modelo educacional. O desafio ainda é grande, mas o caminho já é conhecido e os resultados mostram que vale a pena segui-lo.