Revista Exame

'O Brasil pode liderar o mundo na IA', diz economista-chefe da OpenAI

Em entrevista exclusiva, o economista-chefe da OpenAI, Ronnie Chatterji, descreve como a inteligência artificial (IA) ampliará o crescimento econômico e vê o país como líder natural no uso da tecnologia

Ronnie Chatterji, economista-chefe da OpenAI (OpenAI/Divulgação)

Ronnie Chatterji, economista-chefe da OpenAI (OpenAI/Divulgação)

Luciano Pádua
Luciano Pádua

Editor de Macroeconomia

Publicado em 24 de outubro de 2025 às 06h00.

Última atualização em 24 de outubro de 2025 às 10h02.

O Brasil, por sua posição geográfica, escala e nível de adoção no desenvolvimento de aplicações pode liderar o mundo no uso de inteligência artificial (IA). Essa é a mensagem de Ronnie Chatterji, economista-chefe da OpenAI, uma das empresas que lideram a exploração da nova tecnologia no mundo.

“O Brasil, por sua combinação única, tem a oportunidade de liderar o mundo nesse setor. É uma questão de juntar as peças e garantir que os setores público e privado trabalhem juntos de forma criteriosa”, diz em entrevista exclusiva à EXAME durante passagem pelo Brasil no início de outubro.

Chatterji, cuja missão é entender como a IA moldará a economia global, destrinchou os resultados mais recentes da primeira pesquisa com parceiros externos sobre como as pessoas usam o ChatGPT, produto mais famoso da empresa e sinônimo de IA generativa.

Professor de economia da Universidade Duke e -ex-assessor da Casa Branca na gestão de Joe Biden, ele também discutiu como o uso de IA se refletirá no mercado de trabalho e nos indicadores econômicos — um efeito ainda pouco visível que tende a se moldar à medida que mais empresas usarem a tecnologia em suas operações.

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Discute-se se a IA generativa pode desencadear um novo choque de produtividade. Estamos diante de algo semelhante ao que aconteceu nos anos 1990 com a revolução da internet?

Essa é uma tecnologia fundamentalmente nova que terá um enorme impacto na maneira como vivemos e trabalhamos, e aparecerá em muitas das nossas estatísticas econômicas. Assim como no surgimento da internet, leva tempo para que essas tecnologias se adaptem aos negócios. Já vemos isso no Brasil, onde muitas empresas estão experimentando IA. Mas elas precisarão descobrir como obter o retorno sobre o investimento das ferramentas de IA. Vemos algumas fazendo isso de maneira impressionante, mas isso vai se tornar mais difundido.

Como isso será capturado nos dados econômicos?

Parte disso ainda não vai aparecer no Produto Interno Bruto, mas é o valor econômico que medimos para os consumidores. Quando as empresas começarem a usar a IA cada vez mais, veremos isso no PIB e se parecerá com as ondas anteriores de novas tecnologias. Estou otimista de que estamos nessa trajetória. Mas vai levar tempo para aparecer nos dados no Brasil e no mundo. A IA será como o fermento à medida que seu uso crescer. Ajudará a tornar os trabalhadores mais produtivos. Penso nos que gastam uma grande parte de seu tempo em tarefas administrativas, que podem ser feitas usando o ChatGPT. Esse tempo extra pode ser usado para se dedicar a outras coisas. É menos tempo para mais produção. É assim que a IA, no início, será esse fermento que você mencionou em termos de aumento de produtividade. Mas há mais.

Sede da OpenAI, nos Estados Unidos: ChatGPT, principal produto da empresa, alcançou 700 milhões de usuários — 50 milhões deles no Brasil (Smith Collection/Gado/Getty Images)


O quê?

Se pensarmos em inovação que impulsione o crescimento econômico também no sentido da produtividade total dos fatores. Inovação é o processo de criar novas ideias, seja em ciência, seja em tecnologia, e então escalá-las para produtos comerciais. A IA será muito importante na descoberta de inovações. Se conseguirmos acelerar o ritmo de inovação no Brasil e no mundo, isso contribuirá significativamente para o crescimento econômico.

Em março, você lançou um estudo de 12 meses para medir o impacto da IA ​​na força de trabalho. O que descobriu até agora?

O número de usuários está crescendo muito rapidamente. Especificamente para o ChatGPT. Demorou dois meses para o número de usuários chegar a 100 milhões. São 700 milhões agora. Esse é o produto de consumo de crescimento mais rápido que já vimos, talvez, na história.

E estamos descobrindo que está sendo utilizado para três casos principais de uso. Classificamos todas as mensagens em um artigo recente [“Como as pessoas usam o ChatGPT”, lançado em outubro] e tentamos entender, para essa amostra de mensagens, para que as pessoas estavam usando.

Em resumo, a IA está sendo usada para apoiar a tomada de decisões. As pessoas têm decisões a tomar, no trabalho e em casa, sobre como gastar seu tempo, concluir um projeto ou atingir seus objetivos pessoais.

A IA está sendo usada como um copiloto ou colega de trabalho para ajudar as pessoas a tomar essas decisões. Elas frequentemente a usam para fazer uma pergunta, para ajudar a tomar uma decisão, para realizar uma tarefa ou para expressar uma ideia ou um sentimento.

Esses tendem a ser os casos de uso mais comuns, mais para complementar humanos e estender a humanidade do que para substituir pessoas no trabalho.

Precisamos observar essa tecnologia ao longo do tempo para entender o impacto nos empregos, especialmente em relação à substituição. No momento, a vemos como um complemento, o que é consistente com muitos modelos econômicos de adoção de tecnologia.

Quais outros insights esse estudo recente trouxe?

Descobrimos que a IA está sendo usada para auxiliar as pessoas na escrita, de uma forma muito importante. Mas as pessoas não a usam para escrever do zero ao um. Elas costumam usá-la em dois terços dos casos ​​para editar ou criticar o trabalho. Para mim, isso é importante do ponto de vista do pensamento crítico.

Além disso, cerca de 70% das mensagens que estamos analisando são para casos de uso não relacionados ao trabalho. Ainda não incluímos a esse conjunto de dados os casos de uso corporativo, de programação ou de uso da API [interface de programação de aplicações].

Dos dados do consumidor, 70% não são para trabalho. É bastante surpreendente ver que, em um produto de consumo, 30% do uso é para trabalho. Mostra a flexibilidade da IA.

Repetindo uma das perguntas mais comuns que você deve ouvir: a IA vai roubar nossos empregos? Como você encara essa pergunta?

Digo às pessoas que é muito mais provável que alguém que saiba usar bem a IA assuma o seu emprego do que a IA, porque muitos dos elementos humanos estão se tornando cada vez mais importantes em nosso trabalho, mesmo com o avanço da tecnologia.

Como assim?

Se você pensar no trabalho que você e eu fazemos, grande parte dele envolve um elemento humano, mas há muito trabalho de base para preparar discussões como esta, para escrever artigos, para fazer a pesquisa.

A IA pode ajudar em muitas dessas coisas e nos libera para fazer outras partes mais humanas do nosso trabalho que a IA realmente não poderia fazer tão bem. Mas, se não usarmos IA, é verdade que outras pessoas a usarão para se tornar mais produtivas, para aprender novas habilidades e para avançar em seus objetivos.

Por isso, digo às pessoas: em vez de terem medo da IA ​​e pensarem nela no contexto de acabar com o emprego, pensem em como ela pode melhorar o seu. Além disso, para os setores mais afetados, precisamos pensar em requalificação e treinamento.

Alguns artigos recentes sugerem que a IA tem assumido cargos juniores. Você teme que a IA possa criar uma lacuna na formação profissional?

Neste momento, há muitos impactos diferentes que estão afetando a economia para o que você chama de trabalhadores em início de carreira. Um deles é o aumento das taxas de juros em todo o mundo. Outro é o impacto da covid-19, pelo menos nos Estados Unidos.

Vimos uma situação em que observamos menos rotatividade na economia — o número de pessoas que assumem e deixam empregos. E, como muitas pessoas que assumiram empregos durante a pandemia estão deixando-os a uma taxa menor do que antes, isso está criando menos oportunidades para os iniciantes.

Isso também está acontecendo em meio à introdução da IA ​​na economia. Portanto, embora esses estudos apontem para alguns impactos potenciais, definitivamente precisamos fazer mais pesquisas para descobrir se é realmente a IA que está fazendo a diferença.

Independentemente disso, a IA está sendo usada em muitas empresas, e algumas dessas tarefas em início de carreira são provavelmente as mais fáceis de aplicar à IA. É aqui que as empresas precisam decidir como será sua força de trabalho. Se não contratarem jovens o suficiente, não conseguirão treinar seus futuros executivos.

Como você avalia o uso de IA no Brasil?

Viajando pelo mundo e estando aqui no Brasil, é incrível ver o país como parte desse grupo de nações que estão realmente prestes a fazer coisas grandiosas. A IA já está aqui: são 50 milhões de usuários do ChatGPT-. A maioria são jovens, sete de cada dez usuários têm menos de 35 anos.

Além de ter muitos usuários, o Brasil lidera em desenvolvedores. São os programadores construindo aplicativos com base nela. Então, penso no Brasil no contexto de ser um líder no Hemisfério Sul. Como um lugar que está usando e aprendendo a utilizar essas ferramentas de forma mais eficaz, mas também desenvolvendo aplicativos.

Os modelos básicos que serão usados ​​pela IA são um tremendo motor econômico. Mas também impulsionaremos o crescimento ao construirmos aplicativos com base na IA. Quando penso em todos os desenvolvedores brasileiros que terão a capacidade de desenvolver com base na IA, é isso o que torna o Brasil um lugar realmente interessante para olhar para o futuro da IA. Vejo como um lugar realmente interessante para desenvolvedores.

Vejo o Brasil, apenas pela localização geográfica, com a capacidade de liderar uma região inteira do mundo. Tudo depende das escolhas que fizer no futuro, mas acho que o Brasil estará em uma ótima posição se continuar a aproveitar o valor da IA.

Em termos macroeconômicos, podemos pensar em como a IA impulsionará a economia brasileira?

Alguns setores em que o Brasil lidera podem ser catalisados ​​pela IA. No agronegócio, por exemplo, uma das coisas mais importantes é a gestão da cadeia de suprimentos. Levar as mercadorias do ponto A ao ponto B no momento certo para garantir que seus estoques não estejam muito altos, mas que haja estoque suficiente para fornecer ao comprador. Se você puder usar IA no Brasil em seu setor líder mundial para fazer essas cadeias de suprimentos funcionarem melhor, será mais produtivo. Essas empresas crescerão mais rápido, e isso aumentará o PIB do Brasil ao longo do tempo.

O que mais?

Além disso, o país tem uma grande porcentagem de pequenas empresas, que podem crescer com IA. Um dos maiores desafios para uma pequena empresa é: posso acessar crédito? Posso contratar um funcionário? Como a IA pode catalisá-los para pequenas empresas? O Brasil também está em uma posição muito boa para isso.

Por fim, há um ecossistema aqui para fazer muitas coisas que ninguém mais pode fazer. Não apenas o equilíbrio da composição dos setores econômicos  e a diversificação deles, mas também o fato de haver instituições líderes com uma produção estável e sólida de engenheiros e cientistas, além de recursos terrestres e energéticos suficientes para realmente impulsionar toda a cadeia de valor da IA.

Portanto, o Brasil, por sua combinação única, tem a oportunidade de liderar o mundo nesse setor. É uma questão de juntar as peças e garantir que os setores público e privado trabalhem juntos de forma criteriosa.


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