Revista Exame

O clube do grito

Grupos se reúnem para gritar juntos na frente de um lago. O que parece apenas exótico revela uma busca coletiva por alívio que ecoa no ambiente de trabalho

Criar espaços para que as pessoas coloquem para fora aquele “grito” reprimido é o que permite que o desconforto se transforme em aprendizado e evolução (Alexander Nevmerzhitsky/Getty Images)

Criar espaços para que as pessoas coloquem para fora aquele “grito” reprimido é o que permite que o desconforto se transforme em aprendizado e evolução (Alexander Nevmerzhitsky/Getty Images)

Sofia Esteves
Sofia Esteves

Fundadora e Presidente do Conselho Cia de Talentos/Bettha.com

Publicado em 24 de outubro de 2025 às 06h00.

Se você procurar na internet por “scream club”, vai achar vários vídeos e reportagens de pessoas reunidas, normalmente na frente de um lago, gritando. Trata-se de um ritual que está se popularizando nos Estados Unidos — Chicago, Kansas e Miami são algumas cidades que já têm um “clube do grito” com dia e hora marcados para acontecer.

Em alguns casos, a prática acontece após uma aula de ioga; em outros, depois de anotar desabafos em pedaços de papéis biodegradáveis e jogar na água. Em comum, todos eles terminam sempre da mesma forma: diversas pessoas que, em conjunto, colocam para fora as suas frustrações em alto e bom som. E foi esse aspecto de comunidade que me chamou a atenção.

Nas reportagens sobre o acontecimento, é possível ler vários depoimentos sobre como berrar para o vazio é mais divertido e poderoso quando você não é a única pessoa fazendo isso. No meio de centenas de indivíduos (alguns conhecidos e outros completamente estranhos), há uma sensação de coletividade típica de clubes do livro, grupos de teatro, times de esportes amadores e outros.

Só que, no caso do “scream club”, todo mundo está lá para descarregar angústias — e isso diz muito sobre a necessidade contemporânea de espaços coletivos para expressar o que incomoda. De pequenas frustrações do dia a dia a decepções mais profundas, todo mundo tem algo entalado na garganta que gostaria de colocar para fora.

Claro que, no caso das empresas, o caminho não me parece ser montar um grupo para gritar em uníssono. A prática pode até ser catártica, mas, no contexto do trabalho, acho mais interessante pensar em rituais coletivos que normalizem o compartilhamento de frustrações, deem vazão a emoções difíceis e, ao mesmo tempo, criem uma sensação de pertencimento.

Não se trata de tornar o escritório um grande espaço de terapia em grupo, mas de reconhecer que a insatisfação existe e criar canais para que ela seja discutida de forma madura e construtiva — sem silenciar, sem acumular e sem transformar cada dificuldade individual em um peso solitário.

Em uma realidade em que sentimentos como ansiedade, preocupação e cansaço se mantêm em um alto patamar no ambiente de trabalho, segundo a pesquisa Carreira dos Sonhos, é importante desenvolver práticas e oferecer ferramentas que promovam conversas francas, ajudem a identificar padrões de insatisfação e possibilitem a construção de soluções coletivas. O objetivo é transformar a energia represada em aprendizado, fortalecer os vínculos entre as equipes e evitar que pequenas frustrações se tornem crises silenciosas.

Um exemplo são as FuckUp Nights. O movimento que nasceu no México e se espalhou pelo mundo consiste em eventos que reúnem pessoas para contar histórias de fracassos profissionais. Ou seja, em vez de esconder os erros, os participantes compartilham publicamente o que deu errado, quais foram as consequências e o que aprendeu com a experiência. É um jeito de transformar o insucesso em pauta coletiva, similar às reuniões de retrospectiva de projetos. Neste caso, o time se reúne não apenas para falar do que funcionou, mas também para expor, de forma estruturada, o que não deu certo e o que pode ser diferente na próxima vez. Esse tipo de ritual tira o peso do desabafo individual e ajuda a construir processos mais eficientes para futuros trabalhos.

Nessa mesma linha, vale comentar a importância da devolutiva de uma pesquisa de clima organizacional. Não são raras as vezes em que os resultados ficam restritos ao RH e demais lideranças da empresa, quando, na verdade, deveriam servir como ponto de partida para conversas abertas com todos os colaboradores.

Usar ferramentas para entender a percepção das pessoas sobre o ambiente corporativo é fundamental para construir um bom lugar para trabalhar, só que esse resultado depende também de como essas percepções são tratadas depois da coleta. É preciso consolidar os pontos críticos levantados, compartilhar com transparência e, sobretudo, construir planos de ação em conjunto.

Essa prática passa a mensagem de que as frustrações individuais não estão sendo ignoradas. Existe um cuidado de escutar diferentes feedbacks e, a partir disso, transformar em pauta coletiva para gerar mudanças reais.

No caso dos “scream clubs” não há uma “devolutiva” sobre as frustrações ecoadas em alto som — e esse nem é o objetivo. Porém, o que esse fenômeno nos Estados Unidos tem em comum com esses rituais de escuta e aprendizado coletivos é o lembrete de que todo mundo tem a necessidade de expressar seus incômodos. E que, quando fazemos isso de forma coletiva, criamos espaço para compreensão, pertencimento e, muitas vezes, mudança.

Silenciar pode parecer mais conveniente no curto prazo, mas criar espaços para que as pessoas coloquem para fora aquele “grito” reprimido é o que permite que o desconforto se transforme em aprendizado e evolução — individual e coletiva.

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