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Mais do que um vinho, o Pétrus é um estado de espírito

Para connaisseurs de carteirinha, falar de preço ou do sistema de venda é tabu, quase um desrespeito a esse mítico tinto

Chateau Petrus em Bordeaux, região da França (Tim Graham/Getty Images)

Chateau Petrus em Bordeaux, região da França (Tim Graham/Getty Images)

Publicado em 24 de outubro de 2025 às 06h00.

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Carreiras são feitas de marcos. E sucesso financeiro traduz-se em símbolos, dos quais poucos tão famosos e desejados como um Chateau Pétrus. Para amantes de vinho (que proliferam-se a todo vapor na Faria Lima) comprar esse tinto mítico, feito artesanalmente em Pomerol, pequenina sub-região de Bordeaux, é como passar por um portal e colocar um pé no clubinho superfechado dos bebedores de grandes vinhos.

O preço é altíssimo — o portal wine-searcher.com lista uma garrafa da safra 2024 a R$ 21.843, em média, excluindo impostos. Nas raras cartas de restaurantes em que figura, pode atingir cifras  estratosféricas - especialmente onde há clientela russa e árabe. Em 2022, jogadores da seleção brasileira de futebol pagaram o equivalente a R$ 293.000 por duas garrafas da safra 2009 na churrascaria do controverso chef turco Salt Bae, em Abu Dhabi. Diferentemente dos chamados "bebedores de etiquetas", dispostos a rasgar dinheiro só pelo status, os bons bebedores preferem pagar a taxa de rolha e levar "canhões" de suas próprias adegas quando jantam fora.

O imenso prestígio associado ao Chateau Pétrus  (tem até empreendimento de apartamentos de luxo em São Paulo que pegou carona em seu nome!) deve-se em parte à sua raridade. Ter grana não basta para comprá-lo. Além de leilões de vinhos raros, onde a qualidade das garrafas raramente equivale àquelas que saem diretamente do chateau, sem viajarem, Pétrus só é vendido em lojas (poucas e raras) fora do Brasil: há que garimpar e trazer de viagem na mala. O grosso da produção (de cerca de 25.000 garrafas) vai direto para os chamados alocatários. Aqueles aos quais foi acordado o privilégio de poderem comprar uma quantidade xis de garrafas a cada ano, em data precisa.

No Brasil, esses clientes não passam de 40. E o guardião do templo é Mário Moraes, sócio de um fundo de investimentos e neto de Antônio Ermírio. Ele segue à risca a filosofia da família dos acionistas majoritários do chateau, que é de permanecer under the radar. "Trabalhamos quietos. Relacionamento direto com o cliente", diz. “Para botar um nome na lista alguém precisa sair, entende? Adoraria ter o dobro da alocação para atender a demanda de todos os clientes”, brinca Mário. Quem deixa de comprar sua alocação anual — de uma a seis garrafas — ou é pego revendendo é retirado da lista. Os vinhos levam de dois a quatro anos para chegar na casa dos clientes, seguindo o sistema tradicional bordalês de venda en primeur.

Um castelo sem pompas

O vinho é excelente, ninguém disputa: trata-se de um merlot puro de vinhas profundamente enraizadas em solo de argila azul e cuidadas à mão, milimetricamente. Ao mesmo tempo profundo e etéreo; complexo e fácil de beber. Mas isso não explica tamanha demanda — ainda mais considerando que custa o dobro do preço de concorrentes igualmente reputados. O raro e inatingível sempre fascina...

Um dos alocatários diz que admira muitos rótulos de sua adega (uma das maiores do país) - mas nenhum ocupa o mesmo posto que Pétrus.”É impressionante. Tem dias em que a gente o abre e ele simplesmente não quer conversar, à noite se fecha em silêncio, como se guardasse segredos que não quer dividir. Nessas horas, o jantar se torna introspectivo, quase meditativo. Mas, na maior parte das vezes, o diálogo com ele é tão bom, tão profundo, que me encanta e me faz querer tê-lo ainda mais por perto, não só na adega, mas na vida", diz.

Não são poucos os colecionadores desse mítico Pomerol que exprimem a paixão que têm por ele com o mesmo fervor. Para connaisseurs de carteirinha, falar de preço ou do sistema de alocação é tabu, quase um desrespeito ao vinho em si. Assim como os proprietários de Pétrus e seus poucos embaixadores fora da França, preferem quem bebe mais e fala (ou especula) menos.

Tive o privilégio de degustar umas tantas vezes diferentes safras no próprio chateau, que não tem absolutamente nada de pomposo ou daquilo que imagina-se de um castelo. Chega-se lá por uma estradinha e a vinícola, nada chamativa, tem pouco mais além de vinhas, salas de cuvas e de barricas pequeninas e uma sala de degustação elegante e sóbria. Quem chefia a viticultura e da enologia é Olivier Berrouet: após quatro décadas no posto, seu próprio pai, Jean-Claude, lhe passou o bastão. Gente do campo e simples, que sabe muito mas detesta aparecer.

Sempre me admira o imenso contraste entre a realidade campestre e a imagem que as pessoas têm de vinícolas míticas da França. Sinto-me uma grande privilegiada por ter provado tantas vezes esse vinho tão desejado e mistificado. Aos que ainda sonham em tomar seu primeiro Pétrus, aconselho que comprem de fonte segura e faço minhas as palavras do colecionador que citei acima: "mais do que um vinho, Pétrus é um estado de espírito".

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