Revista Exame

Os tempos estão mudando

Se o excepcionalismo americano continuar sendo questionado, o histórico indica o potencial início de um novo ciclo favorável para os países emergentes

Qualquer similaridade do frenesi ponto.com do final  dos anos 1990 com a narrativa atual de inteligência artificial pode não ser mera coincidência (iStockphoto/Getty Images)

Qualquer similaridade do frenesi ponto.com do final dos anos 1990 com a narrativa atual de inteligência artificial pode não ser mera coincidência (iStockphoto/Getty Images)

Publicado em 20 de março de 2025 às 06h00.

Com um currículo “modesto” de ser um dos mais influentes e inovadores músicos da história e de ser agraciado com um Prêmio Nobel de Literatura, Bob Dylan não passa, em essência, de “um completo desconhecido”. Pelo menos essa é uma das mensagens do filme homônimo estrelado por Timothée Chalamet, que obviamente deveria ter ganhado o Oscar de Melhor Ator, sem nenhum tipo de viés de um fã roqueiro, claro.

Se o investidor observasse o horizonte dos últimos 15 anos e tomasse o desempenho desse intervalo de tempo como guia, chegaria à conclusão de que investir em ações brasileiras e de mercados emergentes em geral não vale a pena. Afinal, 15 anos é “longo prazo” para todo mundo. Os mercados emergentes também passariam como completos desconhecidos dos portfólios globais.

Podemos ignorar a realidade, mas não podemos evitar as consequências disso, lembra Ayn Rand. Os fatos são coisas teimosas. Havemos de reconhecer quanto o período foi decepcionante para essas geografias e classes de ativos. Apenas como exemplo, nesse longo intervalo o Ibovespa, principal índice de ações brasileiro, perde do CDI, da poupança e de vários outros indicadores usados como referência.

A pergunta corolário da constatação emerge naturalmente: esse teria sido um período extraordinariamente ruim ou as ações brasileiras (e de mercados emergentes como um todo) seriam uma classe de ativos ruins de forma estrutural?

Não há resposta objetiva razoável para a questão. Por ora, vale a ponderação de que anunciar a morte das ações brasileiras pode ser um tanto prematuro. Afirmar que as ações locais rendem, na média de longo prazo, menos do que a renda fixa significa dizer uma das duas coisas: i) o mercado brasileiro é ineficiente, pois, contrariando as Finanças Modernas, há um ativo de maior risco (as ações) que rende sistematicamente menos do que outro de menor risco (renda fixa) — ora, por que então ninguém arbitra essa ineficiência?; ou ii) que as ações brasileiras são menos arriscadas do que a renda fixa brasileira. Ainda que eu possa concordar com o argumento de que a renda fixa brasileira carrega seus riscos e não é um ativo “risk free”, afirmar que seu risco é inferior ao das ações estruturalmente fere princípios elementares de avaliação soberana e de finanças corporativas.

Mas essa não é (apenas) uma discussão teórica. Se estendermos a janela temporal para horizontes mais dilatados, veremos longos ciclos (sejam eles positivos, sejam negativos), cuja duração é de vários anos, alternando-se para mercados emergentes e para as ações brasileiras em particular. Ainda mais interessante para este momento, as inflexões desses ciclos estiveram, por vezes, associadas à valorização ou à depreciação da ideia do excepcionalismo americano.

De 1988 a 1994, observou-se um grande bull market (mercado de alta) em mercados emergentes, catalisado pelo colapso da União Soviética e pela transição de vários países do socialismo ao capitalismo. Desde 1991, a Índia mudou seu modelo em direção a medidas pró-mercado. Deng Xiaoping intensificou a adoção de políticas menos ideológicas e mais alinhadas ao capital a partir de 1992, em sua famosa viagem ao sul. Os sistemas bancários do México e do Brasil foram fortalecidos.

Entre 1995 e 2001, a coisa virou. Dois elementos principais interromperam o mercado de alta. O primeiro, intrínseco aos emergentes: uma série de decisões erradas e populistas de política econômica, excesso de alavancagem e de dívida externa. O segundo, atrelado ao interesse crescente nos ganhos de produtividade e na revolução digital produzida pela internet. Todos só queriam saber de “US tech”. A partir de 1995, foram caindo um por um. A moeda da Indonésia perdeu 95% de seu valor, o México passou pela crise da Tequila em 1995, em 1997 os Tigres Asiáticos colapsaram, em 1998/99 observamos a crise russa do LTCM. Qualquer similaridade do frenesi ponto.com do final dos anos 1990 com a narrativa atual de inteligência artificial pode não ser mera coincidência.

Como árvores não crescem até o céu, o excessivo e exclusivo interesse na tecnologia americana eclodiu. A bolha ponto.com se rompeu, os déficits gêmeos dos EUA pesaram sobre o dólar, e Wall Street teve, literalmente, uma década perdida. Isso deu lugar a um longevo bull market entre 2001 e 2010 para os mercados emergentes, estimulado por melhorias de política econômica e crescimento dos lucros corporativos. O milagre chinês acontecia, sustentando o preço de commodities e alimentando ganhos nos termos de troca para mercados emergentes. Foi justamente nesse período que Jim O’Neill cunhou o termo “Bric”.

Mas, então, uma série de políticas econômicas contrárias à ortodoxia (o BNDES brasileiro ficou maior do que o Banco Mundial!), limites ao modelo de crescimento chinês e, de novo, o interesse crescente na tecnologia americana, com toda sua narrativa transformacional em torno da inteligência artificial e seu aspirador de pó na liquidez global, trouxeram um longo bear market para os emergentes. O Brics deu lugar a outra expressão, mais preocupante, cunhada pelo Morgan Stanley: “The Fragile 5”, o grupo de cinco frágeis composto de África do Sul, Índia, Indonésia, Turquia e Brasil.

Depois de 15 anos de performance ruim, há hoje enorme desinteresse pelas periferias. A questão, no entanto, é que os emergentes não são necessária e estruturalmente ruins. Eles são, como descrito pelos parágrafos acima, cíclicos. E esses ciclos (bons ou ruins) duram muito, de tal modo que, quando estamos numa trajetória negativa, tendemos a acreditar que ela vai durar para sempre.

Agora, voltamos a debater o pico de excepcionalismo dos EUA. Uma Nova Ordem Mundial está sendo construída. Se o excepcionalismo americano continuar questionado, o histórico indica potencial início de um novo ciclo secular favorável para as periferias. No Brasil, isso pode coincidir, nos próximos meses, com a antecipação da mudança do pêndulo de economia política em 2026 e de uma Selic inferior àquela contemplada no pico do estresse de dezembro do ano passado.

A sabedoria de Bob Dylan talvez seja um farol mais calibrado do que o histórico dos últimos 15 anos: The times they are a-changin’ (“os tempos estão mudando”, numa tradução menos poética).

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