São Paulo: crescimento nos extremos (Julia Jabour/Exame)
Repórter
Publicado em 27 de novembro de 2025 às 06h00.
O mercado imobiliário de São Paulo vive um ciclo aquecido, mas sustentado por um cenário econômico de sinais contraditórios. A economia cresce e a taxa de desocupação ronda mínimas históricas, o que aumenta a concessão de crédito imobiliário para níveis próximos aos de 2021, apesar da Selic a 15% ao ano.
Esse movimento é sentido principalmente no Minha Casa, Minha Vida. A reformulação do programa a partir de 2023 ampliou significativamente o público atendido. A legislação urbanística também ajudou. "São Paulo é hoje a capital do Brasil com mais empreendimentos do MCMV", diz Ely Wertheim, presidente do Sindicato da Habitação e Condomínios do Estado de São Paulo (Secovi-SP).
De acordo com a entidade, entre outubro de 2024 e setembro de 2025, a cidade registrou 110.947 unidades vendidas e 127.237 lançamentos. O Valor Global de Vendas (VGV) alcançou R$ 59,1 bilhões. A cifra é maior do que a registrada um ano antes, quando 104.431 unidades foram lançadas e 103.346 foram vendidas. A grande novidade é que 65% de todo esse mercado é do programa Minha Casa, Minha Vida.
No mercado secundário, o FipeZAP mostra uma explosão de interesse pelos compactos. Imóveis de até 50 metros quadrados pularam de 26% para 44% das buscas de venda. Unidades com até dois dormitórios passaram de 46% para 65%.
É nesse contexto que surgem empreendimentos como o Bem Viver Angélica, da Magik JC, no Centro. A incorporadora, que desde 2016 já desenvolveu 32 prédios na região central, aposta agora numa tipologia de 40 metros quadrados distribuídos em três dormitórios.
Serão 258 unidades, 82 delas nessa configuração, com preços a partir de R$ 380 mil e enquadramento em Habitação de Mercado Popular (HMP). "É uma tentativa de atender famílias que precisam de mais espaço, mas não conseguem acessar produtos maiores", diz o CEO André Czitrom.
A criação da Faixa 4 do MCMV ajudou a viabilizar o modelo. A demanda inicial, segundo o executivo, vem majoritariamente de famílias pequenas que pretendem usar o terceiro quarto como home office, sala ou espaço flexível, características da nova forma de morar em centros urbanos.
A localização também explica o interesse. O Centro vive um ciclo simultâneo de investimentos públicos e atração do capital privado. Hoje, entre 4 mil e 5 mil unidades estão em desenvolvimento na região, onde há dois anos praticamente nada era lançado. "As pessoas querem morar onde há infraestrutura, e o Centro voltou a oferecer isso", afirma o presidente do Secovi-SP.
Mas, se a base da pirâmide avança em velocidade recorde, o topo também recalibra sua dinâmica. Bairros como Vila Nova Conceição, Cidade Jardim e Jardim Paulistano continuam entre os metros quadrados mais caros do país, acima de R$ 20 mil.
E incorporadoras especializadas nesse público vivem um momento de forte tração, caso da Trisul, que acumula um VGV bilionário em projetos no alto e no altíssimo padrão, impulsionada por uma demanda resiliente entre compradores que não dependem do crédito tradicional.
De forma simultânea, a empresa também atua no segmento econômico, dentro do MCMV. "Por isso é que estamos com esse bom desempenho de vendas", diz Jorge Cury, presidente da Trisul. A empresa fez R$ 2,7 bilhões em lançamentos, um recorde para a companhia.
O meio do mercado, porém, vive um vácuo. Imóveis entre R$ 800 mil e R$ 3 milhões, típicos da classe média, são escassos e têm financiamento mais caro. Dados da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) mostram que, no médio e alto padrão, as vendas líquidas caíram 20,5%.
É por esse motivo que o mercado imobiliário paulistano cresce nos extremos. Para 2026 e 2027, a expectativa é de um mercado mais aquecido, com a trajetória de queda dos juros podendo levar a Selic para perto de 12%.
A Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip) estima que, a cada redução de 1 ponto percentual nos juros, cerca de 160.000 famílias passam a ter capacidade de financiar a compra de um imóvel.
Ao mesmo tempo, o desemprego em torno de 5,6% já indica um mercado de trabalho no limite, o que tende a moderar o ritmo de crescimento da renda, pondera Coriolano Lacerda, gerente de Pesquisa e Inteligência de Mercado do Grupo OLX. "Além disso, tradicionalmente, o volume de lançamentos diminui em anos eleitorais."