Revista Exame

As estratégias de agências e marcas para atrair, engajar e converter o público maduro

Com o crescente poder aquisitivo da população 50+, marcas enfrentam o desafio de superar estereótipos e criar campanhas autênticas que reflitam a diversidade e os interesses desse público

Bete Marin: o mundo envelheceu, e as marcas precisam se adaptar para se comunicar melhor com esse público (Arquivo Pessoal/Divulgação)

Bete Marin: o mundo envelheceu, e as marcas precisam se adaptar para se comunicar melhor com esse público (Arquivo Pessoal/Divulgação)

Juliana Pio
Juliana Pio

Editora-assistente de Marketing e Projetos Especiais

Publicado em 12 de março de 2025 às 06h00.

Última atualização em 12 de março de 2025 às 10h54.

Quando o episódio da “Queima de Sutiãs” ocorreu durante o concurso Miss América, nos Estados Unidos, em setembro de 1968, Isabel Barbosa, de 61 anos, ainda era criança. Mas, para ela e para muitas mulheres da economia prateada — a maioria nesse grupo etário —, o legado desse movimento feminista contribuiu para moldar suas experiências e aspirações ao longo da vida. “Foi um marco na história e ajudou a fomentar uma cultura de empoderamento entre as mulheres”, afirma ela, empresária cuja renda representa mais da metade do orçamento familiar e que recentemente decidiu abraçar seus cabelos brancos.

Embora a queima de sutiãs não tenha ocorrido de fato, por causa da proibição da prefeitura na época, o protesto em Atlantic City reuniu cerca de 400 mulheres que simbolicamente rejeitaram padrões impostos à beleza feminina, descartando itens como salto alto e cílios postiços. O ato abriu caminho para debates mais amplos sobre autonomia e direitos das mulheres ao redor do mundo, inclusive no Brasil.

“As mulheres das gerações X [de 45 a 60 anos] e, especialmente, baby boomers [de 61 a 75 anos] são o coração da economia prateada, pois detêm poder aquisitivo e foram revolucionárias, marcando a introdução da pílula anticoncepcional e a luta pelos direitos sobre o próprio corpo. Elas desafiam estereótipos, rejeitam a imagem da ‘senhora de coquinho’ e buscam se manter ativas e no mercado de trabalho”, diz Bete Marin, cofundadora da MV Marketing, agência digital focada no público maduro.

A corretora de imóveis Denise Galuppo é um exemplo disso. Aos 62 anos, aventurou-se no mundo das motocicletas e hoje, aos 68 anos, além de pilotar moto, pratica trilha 4x4, musculação, dança e já visitou diversas cidades no Brasil e no exterior. Seu estilo de vida foge aos padrões geralmente retratados pela publicidade brasileira, que não raro associa mulheres maduras, por exemplo, ao uso de lingerie bege e à figura de dona de casa. “Só uso sutiã preto”, pontua. “Não me importo com o que os outros fazem; tenho a minha opinião sobre as coisas”, complementa ela.

Denise Galuppo: aos 68 anos, pilota moto, pratica trilha 4x4, musculação, dança e já visitou várias cidades no Brasil e no exterior (Arquivo Pessoal/Divulgação)

Hoje, 54% do público da economia prateada (que inclui não apenas mulheres) afirma não se ver representado pelas marcas na publicidade atual, segundo levantamento da consultoria Box1824. Muitas dessas pessoas se queixam de serem vistas como “envelhecidas” ou em situação de fragilidade, quando, na realidade, estão vivenciando uma nova fase da vida, criando negócios, aproveitando relacionamentos e, claro, consumindo de maneira diferenciada e assertiva.

Essa fatia da sociedade movimenta 2 trilhões de reais anuais em produtos e serviços, segundo pesquisa da Data8, empresa especializada na população 50+, o que representa 23% do consumo no Brasil — números que por si só já demonstram que esse público é uma oportunidade estratégica para o marketing de empresas, indústrias e varejistas.

Grande parte da economia prateada é composta de pessoas que são as principais provedoras de seus lares (52%) ou que contribuem para o sustento financeiro (91%), conforme levantamento realizado pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e pela Offer Wise Pesquisas em 2021.

“O que observamos hoje é que as empresas têm começado a analisar com mais profundidade os seus próprios dados e perceber que grande parte de seus consumidores tem 50 anos ou mais. Esse percentual varia de 30% a 40%, podendo alcançar até 90%”, explica Bete Marin, da MV Marketing. “Muitas logo concluem que suas marcas envelheceram, mas, na realidade, o que aconteceu é que o mundo envelheceu. Todas as empresas terão, a cada ano, um contingente significativo de consumidores 50+. Quando percebem isso, entendem a necessidade de desenvolver produtos e comunicações que atendam melhor a esse público ou até criar novas soluções”, afirma.

Em 25 anos, estima-se que o Brasil será o sexto país com maior população acima de 60 anos. Atualmente, 59 milhões de brasileiros têm mais de 50 anos, o que representa um quarto da população e 30% da força de trabalho do país. O Estado de São Paulo ocupa hoje a quarta posição entre os estados com maior percentual de população sênior.

Para efeito de comparação, o número de brasileiros acima de 50 anos equivale ao dobro da população da Austrália. Os dados refletem a expansão da economia prateada — conjunto de atividades voltadas para o consumo desse público —, que já movimenta 15 trilhões de dólares por ano globalmente, superando a soma dos PIBs da Alemanha, do Japão e da Índia.

A agência de Bete Marin, a MV Marketing, já nasceu com expertise em desenvolver estratégias digitais para atrair, engajar e converter o público maduro. “Mas até hoje, antes de desenvolver qualquer campanha, precisamos fazer um trabalho de letramento sobre longevidade nas empresas”, destaca. “A visão sobre a maturidade continua carregada de estereótipos, reflexo de uma mentalidade antiquada que persiste na cultura brasileira. O país envelheceu rapidamente, mas não houve tempo suficiente para mudar esse mindset”, complementa Marin, que integrou o estudo da gerontologia à sua formação em publicidade e marketing.

Parte da ausência de representatividade nas campanhas publicitárias, segundo ela, reflete a falta de diversidade nas empresas e agências de publicidade, onde apenas 6% dos profissionais têm 50 anos ou mais — um aumento de 1 ponto percentual entre 2023 e 2024. Esse é um dos principais desafios do mercado publicitário brasileiro, conforme o Censo de Diversidade das Agências Brasileiras, realizado pelo Observatório da Diversidade na Propaganda (ODP) e pela consultoria Gestão Kairós.

A segunda edição do levantamento, lançada em 2024 e com a participação de 330 agências, revela que a presença desse público aumenta conforme o nível hierárquico, sendo mais expressiva em cargos de liderança. No entanto, no quadro funcional, a representatividade continua distante da demografia brasileira.

Marina Dayrell: diversidade geracional nas empresas impulsiona a inovação e fortalece a cultura organizacional (Arquivo Pessoal/Divulgação)

O etarismo, termo que se refere ao preconceito relacionado à idade, não afeta apenas as agências. Um estudo realizado pela EY Brasil e pela Maturi, empresa que conecta empregadores a profissionais maduros, revela que a maioria das 191 companhias entrevistadas possui entre 6% e 10% de colaboradores com mais de 50 anos em seu quadro.

“Hoje, há quatro gerações no mercado de trabalho. Ignorar a diversidade, especialmente a geracional, representa um risco para a longevidade dos negócios”, afirma Marina Dayrell, consultora de diversidade, equidade e inclusão. “Valorizar essa pluralidade e saber integrá-la nas agências ou em qualquer empresa aumenta o engajamento, impulsiona a inovação e fortalece a cultura organizacional. No caso das agências de publicidade, essa diversidade geracional é essencial para que as marcas consigam se comunicar com diferentes públicos”, destaca.

Dayrell ainda lembra que, ao longo das décadas, diversas campanhas publicitárias provocaram reações negativas, incluindo tentativas de boicote. “Muitas vezes, surge a pergunta: ‘Como uma equipe inteira aprovou isso sem perceber o problema?’ O ponto central está justamente na falta de diversidade real dentro das agências. Equipes homogêneas, com experiências e vivências semelhantes, acabam ignorando elementos cruciais no processo criativo. E, mesmo quando há diversidade, a ausência de inclusão efetiva impede que profissionais se sintam seguros para questionar ideias que possam ser problemáticas ou discriminatórias”, afirma.

Abordagem aprofundada

Atualmente, um terço dos colaboradores da Peralta Creatives tem 50 anos ou mais, outro terço está na faixa de 20 a 30 anos, e o restante tem de 30 a 49 anos. “Esses perfis se complementam. Cada geração contribui com perspectivas e experiências únicas, enriquecendo o processo criativo e aprimorando o resultado do que entregamos aos clientes”, diz Alexandre Peralta, fundador da empresa e mente criativa por trás das campanhas estreladas por Madonna e Fernanda Montenegro para o Itaú, quando ainda atuava na África Creative.

Quando Peralta iniciou seu trabalho com o banco, Fernanda Montenegro já havia emprestado sua voz a um comercial da instituição. “Em 2020, decidimos trazê-la para a frente das câmeras como protagonista da campanha de fim de ano, transmitindo uma mensagem de esperança”, relembra. Após o sucesso de campanhas nos anos seguintes, em 2023 a atriz integrou a campanha comemorativa dos 100 anos do banco, abordando temas de perpetuidade e atemporalidade. O texto do comercial incluía a frase: “É porque a minha memória é cheia de passado que o meu coração é cheio de futuro”.

Além do endosse de celebridades, Bete Marin, da MV Marketing, destaca a importância de uma abordagem estratégica para conectar as marcas à economia prateada. “Pessoas acima de 50 anos, já expostas a diversas campanhas publicitárias ao longo dos anos, tendem a ser mais céticas. Por isso, é importante oferecer conteúdo validado por especialistas e entender o pensamento linear
desse público, que cresceu com a televisão”, afirma. A especialista aposta em campanhas 360 graus, que abrangem, inclusive, redes sociais, WhatsApp e live marketing. “A abordagem, cuidadosamente planejada, entrega informações iniciais para, em seguida, envolver o público, criar uma comunidade e, por fim, gerar engajamento e conversão.”

Entre as tendências apontadas por especialistas, a sustentabilidade e a diversidade etária ganham destaque, assim como iniciativas que mostram o lado positivo da longevidade, com pessoas maduras, realizadas e ativas. Os 50+ valorizam campanhas autênticas, que reflitam sua realidade, o que também se aplica ao consumo de vídeos. Produções mais naturais, com momentos reais e pouca maquiagem, costumam gerar mais engajamento. Além disso, influenciadores (incluindo nano e microinfluenciadores) mais próximos da vivência desse público se mostram mais eficazes na comunicação, reforçando a importância da proximidade, da identificação e da sensação de “olho no olho” para criar conexões genuínas.

O Boticário: campanha 'Seu Auge é Hoje' promoveu reflexão sobre os tabus da menopausa e a chegada da maturidade (Boticário/Divulgação)

Essa foi a estratégia adotada pelo Grupo Boticário na campanha “Seu Auge É Hoje”, criada pela agência GUT no ano passado, que promoveu reflexão sobre os tabus da menopausa e a chegada da maturidade no lançamento da linha de skincare Botik Resveratrol + Silício. Como parte da estratégia digital, a marca apostou no marketing de influência prateada, ampliando o alcance de conteúdos produzidos por influenciadoras com mais de 45 anos no TikTok. A iniciativa, idealizada pela agência SoWhat em parceria com a plataforma, teve como objetivo dar visibilidade a criadoras maduras no nicho de beleza e partiu do pressuposto de que, segundo uma pesquisa da consultoria Eixo, realizada em 2024, 82,7% das mulheres acreditam que as marcas não representam de maneira real e positiva a maturidade feminina.

“O Boticário, enquanto um dos maiores varejistas e anunciantes do Brasil, entende a responsabilidade de combater vieses e garantir representatividade da beleza brasileira. Acreditamos na beleza como um vetor poderoso para conectar gerações e promover um ambiente de conteúdos autênticos e criativos, sem limites de idade”, diz Marcela de Masi, diretora-executiva de branding e comunicação do Grupo Boticário.

Apesar dos desafios, o mercado da economia prateada apresenta um enorme potencial para as marcas que souberem se conectar com esse público. “Além do impacto financeiro, há um forte apelo aspiracional. Ver pessoas maduras bem-sucedidas, mantendo liberdade e plenitude aos 60, 70 ou 80 anos, inspira tanto o público mais velho quanto o jovem, que vê nesse modelo uma referência”, diz Bete Marin, da MV Marketing.

Segundo a especialista, é preciso mudar a mentalidade e abandonar estereótipos, investindo em representatividade, autenticidade e conteúdo relevante nas campanhas. “O público 50+ é extremamente diverso, com diferentes estilos de vida, interesses e comportamentos de consumo, o que torna o marketing mais complexo”, destaca. As marcas devem compreender essa diversidade para definir claramente seu público-alvo, avaliar se seus produtos atendem a essa demanda e identificar melhorias na oferta ou na comunicação. “Não basta usar rótulos como ‘terceira idade’ ou ‘melhor idade’; é necessária uma abordagem personalizada, conforme o perfil e o momento de vida da pessoa.”


Perfis da população 50+ 

Para se destacar no mercado prateado, é essencial adotar abordagens de produto, comunicação e relacionamento que reflitam a diversidade da população 50+ no Brasil. Um estudo da Data8 identificou seis perfis de consumidores maduros, fornecendo insights para estratégias mais precisas. São eles:

Sábios: indivíduos que valorizam profundamente o conhecimento e encontram satisfação em compartilhar suas experiências e aprendizados.

Agregadores: representam o coração da família, sempre buscando reunir seus entes queridos.

Cuidadores: estão sempre presentes, atuando como pilares de suporte e estando sempre à disposição para ajudar.

Autossuficientes: valorizam sua independência, mantendo controle total sobre suas decisões.

Exploradores: curiosos por natureza, estão sempre em busca de novas experiências e oportunidades de aprendizado.

Em pausa: optam por dedicar um tempo para refletir sobre a vida, evitando compromissos adicionais.

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