Keir Starmer, do Reino Unido, e Donald Trump: vaivém das tarifas (Carl Court/Getty Images)
Repórter de macroeconomia
Publicado em 22 de maio de 2025 às 06h00.
Nos futuros livros de história, os anos 2020 ficarão marcados como uma época de crises globais. A década começou, afinal, com uma pandemia que matou milhões de pessoas e paralisou o mundo. Em 2022, estourou a guerra na Ucrânia, que elevou o preço do petróleo e de fertilizantes. Em 2024, o Oriente Médio entrou num período de especial turbulência após o ataque do Hamas a Israel. Neste ano, mais um choque: desde sua posse, o presidente Donald Trump levou os EUA a aumentar as tarifas de importação ao maior patamar em 90 anos e trouxe mudanças profundas ao comércio global. Semanas depois, Trump adiou ou suspendeu boa parte das novas taxas, mas a incerteza continua.
“É como dirigir em uma pista molhada e com neblina: a reação natural é reduzir a velocidade e redobrar a atenção”, diz Abrão Neto, CEO da Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos (Amcham), que participa das negociações do Brasil com o governo Trump para reduzir as tarifas.
Governos e empresas ainda buscam entender o que mudou de vez nesse cenário e o que pode ser apenas temporário. Uma das principais questões é como ficará o relacionamento entre Estados Unidos e China. As duas maiores potências globais têm economias interligadas e trocaram 585 bilhões de dólares em produtos e serviços em 2024. A dependência mútua entre eles deverá ser reduzida, mas o próprio governo Trump afirma que não pensa em uma separação total.
“Não queremos uma desacoplagem generalizada da China. O que queremos é uma desacoplagem para necessidades estratégicas, algo que não conseguíamos obter durante a covid e percebemos que as cadeias de suprimentos não eram resilientes”, disse Scott Bessent, secretário de Tesouro dos Estados Unidos.
Os acordos que estão sendo fechados entre os países atingidos pelas tarifas e os Estados Unidos indicam para onde as coisas vão caminhar nos próximos meses. O primeiro acerto, com o Reino Unido, abriu o mercado britânico para receber até 5 bilhões de dólares por ano em produtos americanos como etanol e carne, em troca de um abatimento nas taxas americanas sobre a importação de automóveis e mais alguns itens. No entanto, a tarifa geral dos EUA de 10% foi mantida para o país.
A pausa nas tarifas extras vencerá em julho, e outros acordos deverão ser fechados até lá. Representantes que negociam com o governo Trump disseram, de forma reservada, que a prioridade americana agora é fechar tratados com Índia, Coreia do Sul e Japão. Conforme mais acordos forem saindo, será estabelecido um novo padrão de como os Estados Unidos vão se relacionar com os demais países, o que trará uma dose de previsibilidade.
Os efeitos das mudanças para o Brasil ainda estão sendo sentidos. O país teve uma taxa extra de 10%, o patamar mais baixo, e foi atingido especialmente pela cobrança de 25% sobre o aço e o alumínio, produtos cuja exportação somaram 6 bilhões de dólares para os EUA em 2024. Por outro lado, há oportunidades. O Brasil poderá vender mais produtos agrícolas para a China e ter acesso mais fácil a itens chineses de alta tecnologia, como baterias e veículos elétricos.
“Para o setor de eletromobilidade, está sendo bom”, diz Carlos Roma, CEO da Riba, empresa que aluga motos elétricas a entregadores, e diretor na Associação Brasileira do Veículo Elétrico. Ele lembra que a maioria dos insumos do setor é feita na China e que o país poderá vender mais produtos ao Brasil, a preços mais baixos, o que estimulará esse mercado no país. “Há ainda dois fatores: a queda do dólar nos favorece, e fabricantes chineses têm oferecido mais produtos financeiros, porque a Selic está muito alta”, afirma.
Nestes tempos de tanta incerteza, analistas afirmam que os gestores precisam ficar atentos ao cenário e adaptar suas estratégias. “As empresas precisam levar a geopolítica em consideração nas mesas de decisão. Nos últimos 40 anos, era dado que o comércio global seguiria crescendo e as barreiras cairiam. Isso mudou”, diz Daniel Azevedo, diretor-executivo da consultoria BCG.
“Ficar parado não é bom, mas se mexer de uma forma bruta e mexer onde não precisa também não é bom”, diz Tracy Francis, sócia-gerente para a América Latina na consultoria McKinsey. As empresas precisarão de muita atenção e jogo de cintura para seguir enfrentando uma das décadas mais desafiadoras da história.