Revista Exame

Distópico e positivo: o CEO da Oakley quer reinventar os óculos com inteligência artificial vestível

Primeiro brasileiro a comandar globalmente a Oakley, Caio Amato lidera a entrada da marca no segmento de óculos inteligentes com a Meta, a fim de transformar a grife em plataforma de cultura, tecnologia e performance

Caio Amato: primeiro brasileiro na presidência global da Oakley (Oakley/Divulgação)

Caio Amato: primeiro brasileiro na presidência global da Oakley (Oakley/Divulgação)

André Lopes
André Lopes

Repórter

Publicado em 31 de julho de 2025 às 20h00.

Última atualização em 1 de agosto de 2025 às 16h24.

A Oakley se prepara para um salto além do design radical que a consagrou nos esportes: a marca quer transformar óculos em objetos de expansão humana, conectando usuários ao mundo digital por meio da inteligência artificial. Essa virada tecnológica é resultado da parceria com a Meta, controladora do Facebook e do Instagram, que recentemente adquiriu uma participação minoritária de 3% na EssilorLuxottica — a dona da grife Oakley —, num movimento estratégico avaliado em cerca de 3 bilhões de euros. O primeiro fruto dessa colaboração, os óculos Oakley Meta, inaugura uma categoria de smart glasses voltados para atletas e para o mercado de luxo.

À frente dessa transformação está o brasileiro Caio Amato, que chegou à presidência global da Oakley após cinco anos como diretor de marketing (CMO) da empresa. Nascido em Mococa, interior de São Paulo, Amato construiu carreira na Adidas, onde liderou parcerias com grandes nomes da  música americana, como Pharrell Williams e Kanye West. Ele agora conduz o plano em conjunto com a Meta de consolidar os óculos inteligentes como a próxima plataforma da era pós-smartphone.

O mercado é promissor: as vendas do Ray-Ban Meta, também feito com a EssilorLuxottica, já superam 2 milhões de unidades desde 2023, e o plano é atingir 10 milhões de unidades vendidas no próximo ano, em um setor estimado em 70 bilhões de dólares. O modelo com a marca Oakley terá maior resistência a impacto, lentes específicas para desempenho e será voltado para consumidores ativos. “Não queremos que os óculos sejam só um acessório. Eles vão indicar caminhos, tocar músicas, registrar memórias. Vão ampliar o que é ser humano”, diz Amato.

Em entrevista à EXAME, o executivo falou sobre como equilibrar autenticidade e inovação em um setor que se aproxima da tecnologia, detalha como foi construída a parceria com a Meta e defende o uso do esporte e da cultura periférica como forças transformadoras dentro e fora da empresa.

Parceria entre os gigantes: a expectativa é vender 10 milhões de óculos com inteligência artificial (Yui Mok/PA Images/Getty Images)

Óculos serão mesmo os novos smartphones? Como nasceu a parceria com a Meta e o que ela indica sobre o segmento?

Essa colaboração começou com um sonho nosso. A gente queria transformar os óculos em algo além de uma moldura para os olhos: seriam uma extensão do corpo. Você já ganha habilidades quando os usa, por exemplo, para enxergar melhor ou se proteger do sol. A Meta tinha essa tecnologia única; e nós, a cultura para abrigá-la. Unimos isso. O produto final são óculos que entendem o contexto: você pode estar andando de bicicleta e perguntar “onde tem uma borracharia?”, ou simplesmente deixar a IA identificar que é hora de uma música. Eu diria que o Oakley Meta não é para filmar, é para viver melhor.

O mercado global de óculos inteligentes ainda é incipiente. Como a Oakley planeja capturar valor nesse segmento?

A gente está construindo vantagem competitiva em três frentes: produto, marca e ecossistema. Primeiro, temos acesso direto à base tecnológica da Meta, com inteligência artificial embarcada que realmente muda a experiência. Depois, temos uma marca com legados em performance, moda e cultura, o que nos dá autoridade para explorar esse espaço com legitimidade. Isso abre mercado tanto no luxo quanto no esporte, dois segmentos de margem alta. Para o lançamento, fechamos com atletas como o jogador francês Kylian Mbappé e o surfista brasileiro Gabriel Medina, e fizemos eventos simultâneos no Fanatics Fest em Nova York e na celebração dos 50 anos da Oakley na Califórnia.

Como vai funcionar essa integração com a IA? Não teme um tom meio “cyberpunk”, distópico?

Eu sou uma pessoa muito positiva, e a Oakley é uma marca muito positiva. A gente acredita sempre em um mundo melhor. O medo que as pessoas têm é o mesmo de quando surgiu a internet: “vou conseguir falar com as pessoas, mas vou perder minha intimidade”. A gente nem consegue imaginar o mundo sem internet hoje. Para mim, a coisa mais humana de todas é a evolução. O que coloca o ser humano em um lugar diferente dos outros animais é nossa capacidade de evoluir constantemente. Haverá pes-soas que vão usar de forma errada, sempre há, mas acredito que a maioria vai usar para um lado positivo. A gente até debateu durante seis meses sobre “inteligência artificial” — porque de artificial não tem nada. Ela é tão boa quanto as perguntas que você fizer. Dentro da Oakley, será “inteligência atlética”.

Depois que você assumiu como CEO, o que trouxe da sua posição como CMO para o centro de comando da marca?

Hoje entendo que as pessoas não querem mais só comprar um produto. Elas querem participar de algo. Por isso criamos um ecossistema com estética e presença cultural. A tecnologia agora nos permite desenhar essa experiência de forma mais imersiva. Os óculos são somente a porta de entrada. O que estamos vendendo é o sentimento de estar num lugar onde a autenticidade não é negociável. Isso atrai quem pensa igual, e cria comunidade.

O jogador americano Tom Brady usando o Oakley Meta: time de atletas foi selecionado para o lançamento do produto ( Bryan Bedder/ Fanatics/Getty Images)

E o que você traz de sua trajetória pessoal?

A função de um CEO hoje é proteger o time e liderar com empatia. Eu absorvo toda a pressão que vem de cima para que ela não chegue ao time, e ao mesmo tempo recebo as reclamações de baixo, sempre tentando levar um lado positivo para os problemas. É uma posição muito solitária e dura, mas é assim que eu vejo a liderança. Criei uma regra que chamo de “lei dos 50%”: assumo que 50% de tudo que acontece é responsabilidade minha. Mesmo quando não é, isso gera um senso que me faz melhorar sempre. E tem uma coisa fundamental: quando você está trabalhando, tem de dar o sangue, se inspirar, se dedicar completamente. Mas, quando sai do escritório, é vida: família, cachorro, futebol, parque. Se está com problema para dormir por causa do trabalho, para tudo. Seu trabalho não é você — tem de existir uma vida fora daqui.

A Oakley veste a cultura periférica no Brasil e também é próxima dos artistas e atletas mais celebrados do mundo, como o cantor de rap Travis Scott, que tem até um cargo na empresa. Como coexistir nesses dois mundos?

Travis usava Oakley muito antes de qualquer contrato. Quando nos encontramos, foram cinco reuniões sem falar de grana, só de visão de produto e mercado. Temos três critérios para escolher parceiros: primeiro, se a pessoa é realmente autêntica, se está mudando o jogo no segmento dela. Segundo, qual é o propósito: o Mbappé, por exemplo, quis converter todo o investimento dele em clínicas oftalmológicas para crianças. Terceiro, e isso pode soar estranho, se o cara ganha ou perde é nossa menor preocupação. Tom Brady perdeu o Super Bowl? Não ligamos. O Brasil é nosso quarto maior mercado global, mas o que me incomoda é a disparidade: Travis Scott é celebrado mundialmente, o funkeiro paulistano MC Hariel é marginalizado aqui. Os EUA passaram por isso há 15 anos com o rap. O funk brasileiro ainda enfrenta preconceito, mas representa autenticidade pura. Comercialmente, essas parcerias com cultura periférica geram muito mais engajamento orgânico do que as campanhas tradicionais. E custam uma fração do que gastaríamos com mídia paga.

Como a Oakley se adapta às diferenças culturais entre mercados? O que cada região ensina sobre a disrupção que vocês defendem?

Brasil e Estados Unidos são nossos dois maiores mercados em amor de marca, mas cada um expressa isso de forma diferente. Aqui no Brasil, a cultura de vestuário é muito forte — as pessoas vestem Oakley. Nos EUA, o foco maior são os óculos e, quanto maiores, melhor. No Japão, óculos escuros tradicionalmente remetem à máfia, então eles preferem lentes claras. Na Europa, o design é mais redondo, clássico. Mas o que é fascinante é como a disrupção se manifesta: no Japão, quem usa Oakley está deliberadamente usando óculos escuros, indo contra a cultura local. Cada país tem sua forma de expressar rebeldia, mas, quando as pessoas querem mostrar autenticidade e rebeldia otimista, elas escolhem Oakley. O denominador comum global é sempre a autenticidade e ser uma marca de subcultura.

E o que garante que essa visão de longo prazo, de tecnologia com propósito e autenticidade, é sustentável no ambiente de negócios atual?

Há uma escolha aqui. Eu sei que, no curto prazo, ser autêntico e manter o propósito pode significar perder dinheiro. Tem moda que a gente poderia copiar e vender milhões. Mas não copiamos. Porque a Oakley não quer ser genérica, quer ser referência. E isso é difícil. A pressão é enorme. Todo dia tem alguém pedindo para olhar só para os números. Mas a gente acredita que essa consistência vai construir uma marca que dure mais que uma tendência. O que sustenta isso é cultura interna: todo mundo aqui entende que nosso papel não é só vender, é transformar.

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