Tecnologia

A dependência que custa bilhões: a vulnerabilidade do Brasil às big techs em meio à guerra tarifária

Levantamento mostra que o governo brasileiro gastou mais de R$ 23 bilhões com software e nuvem de empresas dos EUA em uma década; escolha mostra riscos estratégicos em plena escalada de taxas

Data centers e escritórios de big techs americanas no Brasil: contratos bilionários de nuvem e software refletem a interdependência tecnológica entre os dois países em meio à tensão comercial (Reprodução)

Data centers e escritórios de big techs americanas no Brasil: contratos bilionários de nuvem e software refletem a interdependência tecnológica entre os dois países em meio à tensão comercial (Reprodução)

André Lopes
André Lopes

Repórter

Publicado em 10 de julho de 2025 às 11h41.

Última atualização em 10 de julho de 2025 às 12h03.

Após o anúncio de uma tarifa extra de 50% para produtos brasileiros na última quarta-feira, 9, reacendeu-se no Planalto o receio de um ciclo de protecionismo crescente entre as maiores economias do mundo. A reação oficial de Lula veio em seguida, prometendo reciprocidade, ainda que a retórica política contraste com uma dependência estrutural menos visível: o aluguel quase compulsório de infraestrutura tecnológica das big techs, sobretudo dos Estados Unidos.

Segundo um estudo de pesquisadores da USP, da Universidade de São Paulo, e da UnB, Universidade de Brasília, e da FGV, a Fundação Getúlio Vargas, entre 2014 e 2025, o governo federal gastou com contratos ao menos R$ 23 bilhões em licenças de software, serviços de computação em nuvem (cloud computing) e segurança digital, com mais de R$ 10 bilhões só no último ano mapeado. O custo real pode ser ainda maior, se considerar que as cifras citadas não foram ajustadas pela inflação.

De quais big techs estamos falando?

Nesse mercado, Microsoft, Oracle, Google e Red Hat dominam as licitações federais, fornecendo sistemas críticos para ministérios, prefeituras, tribunais, hospitais e forças de segurança. Somente a Microsoft, por exemplo, fechou mais de R$ 3,2 bilhões em contratos federais via Comprasnet desde 2014.

O resultado é um ecossistema de administração pública que opera essencialmente sobre plataformas estrangeiras, muitas vezes com códigos-fonte fechados e servidores localizados fora do Brasil, inclusive sujeitos a legislações como o Cloud Act dos EUA, que autoriza a requisição de dados mesmo que armazenados em outros países.

A nova tarifa de Trump contra o Brasil, ainda pendente de oficialização, mira bens físicos como soja, aço ou petróleo, e não serviços digitais — por ora. Mas revela o grau de incerteza comercial que afeta toda a cadeia produtiva.

A computação em nuvem e as licenças de software importadas não têm tarifa alfandegária, mas dependem de contratos anuais, pagáveis em dólar e cada vez mais caros, especialmente em cenário de câmbio volátil e juros elevados, mostra o levantamento.

Os gastos devem aumentar. Até meados de 2025, os contratos federais preveem cerca de R$ 6 bilhões em licenças de software, R$ 9 bilhões em serviços de nuvem e R$ 1,9 bilhão em segurança digital.

A adesão a grandes fornecedores internacionais se consolidou em parte pela necessidade de confiabilidade e escala para sistemas públicos. Mas a concentração em poucas empresas também levanta questões estratégicas: migrações para alternativas locais ou outras plataformas podem ser caras e complexas, criando um efeito conhecido como lock-in, quando se cria uma dependência extrema de um software por parte de uma empresa ou governo.

Fluxo comercial e interdependência Brasil-EUA

Embora o novo anúncio de tarifa extra dos EUA tenha causado ruído diplomático, o comércio entre os dois países é historicamente denso e interdependente. Mesmo com tensões pontuais, os Estados Unidos são o segundo maior parceiro comercial do Brasil, atrás apenas da China, e têm mantido superávit nas trocas bilaterais — vendendo mais para o Brasil do que compram.

No primeiro trimestre de 2025, por exemplo, as trocas somaram cerca de US$ 20 bilhões, com um saldo favorável aos americanos de mais de US$ 650 milhões.

Essa relação econômica vai além das commodities tarifadas. Ela inclui investimentos diretos, cadeias produtivas integradas e o fornecimento de tecnologia estratégica para o setor público e privado brasileiros. Em meio a discussões sobre tarifas agrícolas ou industriais, a dependência em software, serviços de nuvem e infraestrutura digital revela outra camada de interconexão.

Acompanhe tudo sobre:Donald TrumpBrasilGuerras comerciais

Mais de Tecnologia

Escassez de chips de memória deve piorar em 2026, alertam empresas

Uber inicia operação com robotáxis sem motoristas em Abu Dhabi

Drone da Amazon corta fio de internet nos EUA e empresa sofre investigação

Amazon Leo promete superar Starlink em velocidade de internet via satélite