Tecnologia

Big Techs vão pagar bilhões por dados de usuários: startup com tese revolucionária chega à vida real

Com estreia nos EUA e piloto com a Dataprev no Brasil, Drumwave quer transformar dados pessoais em ativos financeiros sob controle direto dos usuários

André Vellozo, da Drumwave: dados pessoais podem gerar até US$ 10 bilhões por ano — apenas no caso de donos de carros da Tesla (Divulgação/Divulgação)

André Vellozo, da Drumwave: dados pessoais podem gerar até US$ 10 bilhões por ano — apenas no caso de donos de carros da Tesla (Divulgação/Divulgação)

Publicado em 26 de julho de 2025 às 06h40.

"Você está guiando há anos, 12 horas por dia, produzindo dados que estão treinando a IA que vai te substituir, e não recebe nada por isso". Enquanto toma seu primeiro espresso do dia, em sua casa em Palo Alto, na Califórnia, o empreendedor brasileiro André Vellozo explica o lançamento de seu novo negócio, que ele define como um golpe direto contra os gigantes da tecnologia.

Há duas semanas, ele lançou oficialmente nos Estados Unidos um negócio no qual vem trabalhando ao longo de boa parte da última década, a Drumwave. É uma empresa de monetização de dados, que tem como objetivo compartilhar com os usuários os zilhões de terabytes gerados por eles enquanto usam seus aplicativos.

Esses dados, explica Vellozo, valem cada vez mais dinheiro. Seu objetivo é criar uma poupança de dados que vai permitir às pessoas receber pelos dados que decidam compartilhar com as grandes empresas, seja ao dirigir um Uber, seja ao comprar um livro online.

Segundo ele, a Drumwave chega num momento crucial para a indústria de tecnologia. "As máquinas e os modelos da IA precisam de cada vez mais dados, mas quem produz dados são as pessoas. Nada mais justo que as pessoas receberem pelos dados que geram", diz.

Uma conversa com Vellozo pode facilmente passar por suas conexões no Oriente Médio ou desembocar em teorias sobre a evolução do pensamento humano ou as ondas tecnológicas do último século. Segundo ele, a visão histórica é essencial para entender o potencial transformador de sua visão de negócios. "O último paradigma de tecnologia [os computadores pessoais] fez o PIB global passar de 8 trilhões para 100 trilhões de 1977 a 2022.

Se a inteligência artificial provocar o mesmo impacto, a economia global pode chegar a um quatrilhão de dólares nas próximas décadas", diz. Esse valor, teoriza o empresário, pode ser acumulado por uns poucos, ou, caso seu negócio de monetização de dados vingue, pode ser distribuído mais igualitariamente.

"Não quero um mundo em que os que ganham são meia dúzia que usam seus bilhões para viver para sempre e planejar a vida fora da Terra", diz. "A outra opção é um mundo em que o valor é compartilhado. O Vale do Silício promete há décadas que todos ganharão com a tecnologia, mas essa hora nunca chega".

Escritório da Drumwave nos Estados Unidos: empresa já conta com mais de 100 funcionários alocados no Vale do Silício (Reprodução)

Os primeiros alvos

A Drumwave foi oficialmente lançada nos Estados Unidos há duas semanas, e tem planos de chegar com o mesmo modelo no Brasil nos próximos meses. Os primeiros alvos são três empresas específicas que, na visão de Vellozo, simbolizam o valor escondido dos dados gerados pelos usuários.

A Drumwave lançou uma campanha voltada a motoristas da Uber, incentivando a criação de uma “dwallet” — como Vellozo chama a carteira digital onde os dados passarão a ser acumulados. Em seguida, a empresa deve comunicar à Uber que os dados gerados pelos motoristas deverão ser direcionados para essa carteira.

O próximo passo será monetizar aqueles e quaisquer outros dados gerados em outras plataformas. É uma lógica similar à das carteiras de gestão de milhagem. Segundo a Drumwave, até 2030 os dados dos motoristas podem valer 8 bilhões de dólares, e ser usados por projetos de mobilidade, anúncios, seguros, cidades inteligentes.

No escritório da Drumwave: jaqueta emoldurada de um dos fundadores da General Magic, empresa precursora dos smartphones, representa as inovações que chegam antes do seu tempo (Reprodução)

Outro alvo são os proprietários de carros da Tesla que, nas contas da Drumwave, gerarão mais de 10 bilhões de dólares em dados por ano até 2030. "Se você é dono de um Tesla, seu carro é um computador sobre rodas e está gerando dezenas terabytes de dados por dia", diz Vellozo. "É o seu carro, e o dado é seu".

O terceiro alvo são os dados da 23andme, uma empresa de testes genéticos que pediu falência em março deste ano com dados de DNA de 15 milhões de pessoas.

Vai funcionar?

Em sua campanha de lançamento, a Drumwave faz questão de esclarecer que "não compartilha, vende ou armazena seus dados". E que seu papel é de conectar companhias e indivíduos e "gerar valor".

O primeiro desafio, claro, é convencer as pessoas de que o esforço vale a pena. Um cidadão brasileiro comum, segundo a EXAME apurou, poderia embolsar de R$ 300 a R$ 500 por mês em suas poupanças digitais, num valor que tende a crescer com o tempo.

Outro desafio é contar com o "apoio" das big techs. Na teoria, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, as pessoas têm direito a seus dados em projetos como da brasileira LGPD. A Drumwave deve começar a comunicar as empresas para "devolver" os dados de seus clientes a partir da próxima semana.

"Estamos operacionalizando as leis", diz Vellozo. Na prática, claro, os desafios tendem a ser inúmeros.

O empresário admite que durante anos ouviu que sua empreitada, embora legítima, levaria tanto tempo para se concretizar que ele não veria a mudança. Mas ele diz que, ao lançar o negócio nos Estados Unidos, passou de um "provocateur" para um empresário com um produto na rua. A Drumwave, explica, já tem 108 funcionários, uma equipe que reúne veteranos de Apple, Google, Nasa, Paypal, eBay. "Nosso objetivo é corrigir assimetrias", diz.

O piloto no Brasil

O primeiro piloto real da tese da Drumwave aconteceu no Brasil com a Dataprev, estatal que processa dados da Previdência e de programas sociais no Brasil. O experimento foi apresentado durante o Web Summit Rio, em maio, e provocou um interesse imediato, e  inesperado, de governos e entidades internacionais.

Segundo Patrick Hruby,  contratado pela Drumwave após passagens por Google e Facebook, logo após a apresentação, representantes de países como Escócia, Bélgica, África do Sul, Arábia Saudita, Emirados Árabes e estados norte-americanos como Virgínia, Califórnia e Texas buscaram a Drumwave para entender como o modelo poderia ser replicado. “O mundo estava pedindo isso”, diz o executivo, ao lembrar a repercussão.

O piloto brasileiro usa como base contratos de crédito consignado. Quando o cidadão contrata o serviço pela carteira digital do governo, recebe a opção de guardar os dados do contrato em uma dwallet e definir se deseja apenas armazenar ou também monetizar.

Esses dados passam a compor uma poupança digital, um plano de longo prazo no qual a pessoa decide previamente quem pode acessar suas informações, para qual fim e com que frequência. Cada uso autorizado gera remuneração direta, e todas as transações ficam registradas num extrato acessível ao titular.

Hruby compara a estrutura ao que o Banco Central fez com o Pix: simples na superfície, mas sofisticada por trás. Segundo ele, o sistema foi construído para lidar com decisões complexas de forma automatizada, respeitando o consentimento original, sem exigir do usuário respostas caso a caso. “O impacto real virá quando as pessoas perceberem que podem ganhar com os dados que já produzem todos os dias”.

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