Cade: órgão investiga se Google abusou de sua posição dominante ao realizar o chamado “scraping” (Photo by TIMOTHY A. CLARY/AFP via Getty Images)
Agência de notícias
Publicado em 23 de maio de 2025 às 13h09.
Última atualização em 23 de maio de 2025 às 13h54.
Entidades ligadas ao jornalismo defendem que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), órgão de defesa da concorrência, aprofunde as investigações sobre supostos abusos do Google. O cerne do caso é a exibição de conteúdo jornalístico nas plataformas da empresa sem a devida remuneração dos veículos. Outros países enfrentam a mesma discussão.
Um inquérito administrativo do Cade investiga se o Google abusou de sua posição dominante ao realizar o chamado “scraping”. A prática consiste em expor trechos de notícias produzidas pelos veículos em plataformas como Google Search e Google News. O método desperta preocupação nas entidades, dado que retém o tráfego, reduz o acesso aos sites de notícia e limita a distribuição de receitas com publicidade digital.
Outro temor é que o Google priorize as próprias plataformas nos resultados de busca. Com o que se chama de “self-preferencing”, a empresa estaria prejudicando a concorrência.
O julgamento do inquérito, que para as entidades deve se converter em processo, será iniciado na próxima sessão ordinária do tribunal administrativo do Cade, na quarta-feira, 28, da semana que vem.
Dois argumentos centrais balizam a demanda das entidades: a falta de transparência do Google e a disputa por publicidade.
— É preciso produzir mais informações sobre os impactos das ferramentas de busca e, principalmente, de um mecanismo que tem o monopólio global desse serviço, como é o caso do Google, na imprensa brasileira — diz a jornalista Bia Barbosa, coordenadora de incidência da organização internacional Repórteres Sem Fronteiras (RSF) para a América Latina.
No que envolve a disputa por publicidade, a representante da RSF contradiz o argumento do Google de que não haveria conteúdo publicitário na plataforma.
— O Google exibe, sim, conteúdo patrocinado nas suas páginas de resposta, e as empresas anunciantes podem, cada vez mais, preferir anunciar nos resultados da ferramenta de busca do que comprar publicidade em sites jornalísticos — afirma. — Mesmo se não houvesse conteúdo patrocinado no Search, o Google estaria disputando a questão do mercado publicitário com os meios de comunicação por meio de outro serviço que a mesma empresa fornece, o AdSense.
Segundo o presidente executivo da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Marcelo Rech, o Brasil não pode ficar para trás na discussão sobre práticas anticompetitivas, sobretudo no contexto de proliferação da inteligência artificial.
— Entendemos que é importante o Cade estender o exame do processo especialmente neste momento, em que organismos antitruste de todo o mundo estão avaliando os impactos dos negócios das plataformas — diz. — O Brasil sempre esteve à frente em discussões sobre práticas anticompetitivas e não faria sentido agora, quando se inicia a era da inteligência artificial, simplesmente ignorar esse debate.
Na visão do presidente da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), Flávio Lara Resende, está muito claro que o Google abusa da posição dominante.
— O favorecimento sistemático dos próprios serviços da empresa nos resultados de busca compromete a livre concorrência, reduz a pluralidade de vozes no ambiente digital e enfraquece o ecossistema jornalístico nacional. É fundamental que o julgamento reflita o compromisso com a preservação de um mercado equilibrado e com a garantia do direito de acesso à informação por múltiplas fontes — aponta.
A Associação de Jornalismo Digital (Ajor) vê o acesso a dados por parte do Cade como fundamental para a continuidade da investigação. De acordo com a diretora-executiva da entidade, Maia Fontes, o julgamento é “um passo importante nas discussões sobre a remuneração do conteúdo jornalístico por plataformas digitais”.
A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) endossa a posição das demais associações.
Em outros países, o Google também tem entrado no radar de órgãos antitrustes. Nos Estados Unidos, o Departamento de Justiça (DOJ) sugeriu que a empresa vendesse suas plataformas de publicidade AdX e DFP. A recomendação foi dada depois que um juiz federal concluiu que a empresa domina ilegalmente mercados de anúncios online.
Na África do Sul, a Comissão de Concorrência propôs que a empresa pagasse aos veículos de notícias cerca de US$ 27 milhões por ano, durante um período de até cinco anos. “Essa desigualdade contribuiu materialmente para a erosão da mídia na África do Sul nos últimos 14 anos e continuará a fazê-lo a menos que seja remediada”, diz o relatório do órgão.