Investimentos em tecnologia: setor está aquecido, mas vai durar? (Olena Koliesnik)
Repórter
Publicado em 25 de setembro de 2025 às 07h37.
Última atualização em 25 de setembro de 2025 às 07h44.
As últimas duas semanas têm sido intensas para o setor de tecnologia. De Microsoft (MSFT) à Nvidia (NVDA), todos parecem estar correndo a ritmo acelerado em direção a liderança do mercado. Para as big techs e empresas de inteligência artificial (IA), o mar está bom para novos investimentos.
Somente nos últimos 15 dias, a Nvidia fechou um acordo histórico de US$ 5 bilhões com a Intel (INTC) para o desenvolvimento de chips de IA, anunciou um investimento de US$ 100 bilhões na OpenAI, do ChatGPT, enquanto a Microsoft ampliou sua atuação no setor de IA com uma parceria estratégica com a Anthropic, rival direta da OpenAI.
Segundo fontes da Bloomberg, a Intel estaria em negociações com a Apple (AAPL), que pode se tornar um novo investidor para ajudar a gigante dos semicondutores a retomar sua competitividade.
No último ano, o investimento privado em IA alcançou cerca de US$ 252 bilhões globalmente, com os Estados Unidos liderando com US$ 109,1 bilhões em 2024, superando significativamente países como China (US$ 9,3 bilhões) e Reino Unido (US$ 4,5 bilhões), segundo a consultoria Grand View Research.
De acordo com a Stanford HAI, braço da universidade que promove a pesquisa, educação, políticas e práticas de inteligência artificial com o foco de melhorar a condição humana, o impacto econômico acumulado da IA poderá atingir US$ 20 trilhões até 2030. A projeção aponta que o mercado global de IA, avaliado em US$ 391 bilhões em 2025, deve crescer para US$ 1,81 trilhão até 2030, com uma taxa composta anual de crescimento (CAGR) de 35,9%. O crescimento, segundo a instituição, será impulsionado pela crescente adoção da tecnologia em setores como saúde, manufatura, finanças e serviços públicos.
E os investimentos não devem parar por aí.
Jensen Huang, da Nvidia (I-HWA CHENG/Getty Images)
Nesta semana, a Nvidia anunciou um investimento de US$ 100 bilhões na OpenAI, o que impulsionou os papéis da gigante de semicondutores.
O acordo, segundo as empresas, visa fortalecer a posição da Nvidia como fornecedora principal de chips gráficos, essenciais para a infraestrutura de inteligência artificial. A transação ocorre em um momento estratégico para as duas companhias, que cada vez mais dominam o setor de IA.
O analista Matt Britzman, da Hargreaves Lansdown, destacou que, com o acordo, a Nvidia garante um papel crucial no desenvolvimento de data centers de IA.
Britzman calcula que, com cada gigawatt de capacidade de data center de IA valendo cerca de US$ 50 bilhões em receita, esse projeto pode gerar até US$ 500 bilhões no longo prazo, segundo a Reuters. A perspectiva é que o investimento na OpenAI seja altamente rentável para a Nvidia, e que consolide seus chips como a espinha dorsal da infraestrutura de IA.
Mas nem toda Wall Street viu o acordo com bons olhos. Stacy Rasgon, da Bernstein Research, alertou à Bloomberg que a transação pode refletir uma "economia circular", onde os investimentos entre as empresas se tornam excessivamente dependentes uma da outra, sem retorno financeiro efetivo.
Segundo a analista, o tamanho do investimento na OpenAI "parece superar todos os outros". Em nota ao mercado, ela afirmou que os US$ 100 bilhões "provavelmente intensificarão as preocupações mais do que vimos anteriormente e (talvez justificadamente) levantarão questões sobre a justificativa por trás dessa ação".
Para Rasgon, o investimento da Nvidia pode ser visto como um financiamento "auto-referencial", uma vez que as duas empresas já estão intimamente ligadas no ecossistema de IA.
Daniel O'Regan, da Mizuho Securities, também abordou o investimento de maneira crítica, sugerindo que, apesar de o sentimento no mercado ser geralmente positivo, existe a preocupação de que o acordo possa ser visto como um financiamento de fornecedor, em vez de um investimento estratégico robusto. No entanto, a transação foi amplamente positiva para as ações da Nvidia, que registraram um aumento de 2,61% no pré-mercado após o anúncio.
Intel: colaboração com Nvidia pressiona AMD e pode reduzir dependência da TSMC (David Becker / Colaborador/Getty Images)
Além do investimento pesado ma OpenAI, a Nvidia fechou um outro acordo importante com a Intel, no valor de US$ 5 bilhões. A transação envolve a compra de ações da Intel, com um desconto de 6,5% sobre o preço de fechamento da última quarta-feira. O acordo visa combinar a tecnologia gráfica da Nvidia com os processadores da Intel, buscando criar novos produtos para data centers e PCs.
A colaboração entre as duas empresas foi vista de forma positiva por analistas como Ruben Roy, da Stifel.
Roy destacou ao Yahoo Finances que o principal benefício para a Intel será o fortalecimento de sua posição na infraestrutura de IA, especialmente na fabricação de chips de alta densidade para data centers. Segundo Roy, o movimento posiciona, enfim, a Intel de maneira estratégica no crescente mercado de IA.
Mas Christopher Danely, do Citi, adotou uma posição mais cética. O analista disse para a CNBC que, embora a parceria seja significativa, ela não necessariamente tornará os CPUs da Intel mais competitivos no mercado, já que a integração dos gráficos da Nvidia com os processadores Intel não faz, por si só, os chips da Intel se destacarem em relação à concorrência.
A transação ocorre em um momento crítico para a Intel, que enfrenta dificuldades para recuperar sua liderança no setor de semicondutores, especialmente no mercado de chips para IA, onde a Nvidia tem mostrado um desempenho superior.
Para analistas como Hendi Susanto, da Gabelli Funds, o sucesso da Intel dependerá de sua capacidade de garantir compromissos sólidos de clientes para sua tecnologia de 14A. Susanto ressaltou ao MarketWatch que, sem esses compromissos, a Intel pode enfrentar dificuldades para manter sua posição no mercado de semicondutores. A parceria com a Nvidia é vista como uma oportunidade para a Intel se posicionar como um player central na infraestrutura de IA — e uma táboa de salvação em meio ao caos.
Satya Nadella, CEO da Microsoft (Leandro Fonseca/Exame)
A Microsoft também fez uma movimentação importante ao anunciar uma parceria com a Anthropic, rival direta da OpenAI.
A partir desta semana, os usuários do Microsoft 365 Copilot poderão alternar entre os modelos de IA da OpenAI e da Anthropic, oferecendo mais opções para tarefas como assistência em pesquisa digital e a criação de ferramentas personalizadas de IA. A adição dos modelos da Anthropic representa uma diversificação significativa no portfólio de IA da Microsoft, que até então usava predominantemente as tecnologias da OpenAI.
Charles Lamanna, presidente da divisão Business and Copilot da Microsoft, destacou que a diversificação é um movimento estratégico, que oferece aos usuários mais opções de modelos de IA, ampliando a flexibilidade e a capacidade do Copilot.
A Microsoft já havia investido significativamente na OpenAI, com uma parceria que garantiu à empresa o direito exclusivo de integrar os modelos da OpenAI nos seus produtos. Agora, a entrada da Anthropic no portfólio de IA da Microsoft pode gerar tensões em sua relação com a OpenAI, especialmente em um momento em que a OpenAI busca mais independência da Microsoft.
Tim Cook, CEO da Apple (Justin Sullivan/Getty Images)
A Intel também estaria em busca de apoio estratégico da Apple, segundo fontes da Bloomberg. As duas empresas estão em negociações para um possível investimento da Apple, o que pode ajudar a Intel a recuperar sua competitividade no mercado de semicondutores.
De acordo com analistas como Ryuta Makino, da Gabelli Funds, a Apple poderia estar interessada na Intel Foundry, a divisão da Intel responsável pela fabricação de chips, segundo o MarketWatch. A Intel teria se aproximado da Apple devido ao grande volume de produção que a Apple pode gerar, o que poderia ajudar a Intel a expandir sua capacidade de fabricação nos Estados Unidos.
Makino também sugeriu que o movimento pode ser político, uma vez que o governo dos EUA tem pressionado as empresas a trazerem mais produção para o país. Embora a Apple tenha começado a fabricar seus próprios chips internamente, um investimento na Intel Foundry poderia ser uma maneira estratégica de apoiar a produção de chips nos Estados Unidos, ao mesmo tempo em que a Apple evita tarifas e custos de importação.
Brian Mulberry, da Zacks Investment Management, levantou preocupações sobre a viabilidade do acordo, destacando que, apesar da história de colaboração entre as duas empresas, a Intel não conseguiu atender às necessidades da Apple nos últimos anos. Mulberry acredita que, embora a parceria possa ser vista como uma demonstração de boa vontade, os obstáculos históricos entre as duas empresas podem dificultar a realização de uma colaboração de longo prazo.
As recentes movimentações bilionárias no setor de tecnologia, especialmente no campo da IA, têm gerado um crescente debate sobre a possibilidade de uma bolha no mercado.
Com os investimentos maciços de empresas como Nvidia, Microsoft e Intel, o ritmo acelerado de crescimento na área de IA levanta questionamentos sobre a sustentabilidade dos altos valores de mercado. A Nvidia, por exemplo, era avaliada a US$ 4,3 trilhões às 6h58, no horário de Brasília, desta quinta-feira, 25.
O Deutsche Bank emitiu um alerta significativo, destacando que o crescimento da IA precisa ser “parabólico” para justificar os altos investimentos, o que é considerado altamente improvável. Saravelos apontou que, embora os investimentos em IA sejam gigantescos, os retornos ainda são baixos.
Cada US$ 1 gasto em hardware e data centers de IA está gerando apenas entre 30 e 50 centavos de retorno anual. Segundo os analistas, os gastos de capital das grandes techs representam 6-8% do Produto Interno Bruto (PIB) dos Estados Unidos, mais do que os gastos com setores como automóveis e construção residencial. Isso, para o banco, levanta a questão: até que ponto esse crescimento insustentável pode continuar?
Gary Marcus, crítico veterano de IA, também expressou sérias preocupações em postagem em seu perfil no Substack. Ele comparou a atual situação ao famoso fenômeno da "exuberância irracional", observando que as avaliações atuais das empresas de IA, como a OpenAI, são “insanamente malucas”.
Marcus questiona a viabilidade de empresas que ainda não geram lucros substanciais e cuja previsão de lucros não se concretiza até 2030. Para ele, a atual onda de investimentos em IA pode estar sendo alimentada por um entusiasmo exagerado, muito semelhante ao que aconteceu com as criptomoedas e a bolha pontocom.
Torsten Slok, economista-chefe da Apollo Global Management, também comparou o cenário atual com a bolha das empresas pontocom, observando que os múltiplos de preço-lucro e as capitalizações de mercado estão se desconectando dos ganhos reais das empresas.
Segundo Slok, a sobrevalorização das ações das grandes empresas de tecnologia, incluindo Nvidia e Microsoft, "parece indicar que estamos em um momento de especulação, onde o valor das empresas não reflete seus lucros e receitas reais".
Do outro lado da economia, Jerome Powell, presidente do Federal Reserve (Fed), reconheceu no começo do mês que o atual crescimento relacionado à IA favorece desproporcionalmente os mais ricos, o que poderia contribuir para a concentração de riqueza. Sua observação é um eco do alerta feito por Alan Greenspan, em 1996, sobre a "exuberância irracional" no mercado de ações, sugerindo que as condições atuais podem ser uma repetição desse fenômeno histórico.
Em meio a essas discussões, Mark Zuckerberg, CEO da Meta, e Sam Altman, da OpenAI, também reconheceram a possibilidade de uma bolha de IA.
"Há argumentos convincentes sobre por que a IA poderia ser uma exceção [às bolhas do mercado]", disse Zuckerberg no podcast Access. "E se os modelos continuarem crescendo em capacidade ano após ano e a demanda continuar crescendo, então talvez não haja colapso."
Mas, segundo o bilionário, bolhas de gastos de capital, como a construção da infraestrutura de IA, vista principalmente na forma de data centers, tendem a terminar de maneiras semelhantes. "Eu definitivamente acho que há uma possibilidade, pelo menos empiricamente, com base em grandes construções de infraestrutura passadas e como elas levaram a bolhas, de que algo assim aconteceria", disse Zuckerberg.