Tecnologia

Quem criou o Bitcoin? Livro investiga paradeiro do homem por trás da moeda digital

Com precisão jornalística e ritmo de thriller, "Mr. Nakamoto", de Benjamin Wallace, se lança em caçada pela identidade do criador do Bitcoin, personagem oculto mais influente da era digital

André Lopes
André Lopes

Repórter

Publicado em 28 de março de 2025 às 13h52.

Última atualização em 29 de março de 2025 às 18h56.

Desde que surgiu em 2008, o Bitcoin acumulou valor, adeptos e inimigos. Seu criador, Satoshi Nakamoto, no entanto, nunca apareceu para reivindicar nada disso. E foi esse silêncio ecoante de sua existência e identidade que motivou o jornalista Benjamin Wallace em The Mysterious Mr. Nakamoto, lançado em março nos EUA. Uma investigação de quinze anos que cruza criptografia, política digital e paranoias contemporâneas.

Não se trata de uma biografia comum, já que o personagem nunca foi identificado com precisão. Logo, a ideia de que o Bitcoin foi criado por uma única pessoa continua sendo, para muitos, uma crença mais simbólica do que comprovável. A cada ano surgem novos nomes apontados como possíveis “Nakamotos”: programadores com estilo parecido, matemáticos com formação compatível, engenheiros reclusos e libertários ideologicamente alinhados. Nenhuma dessas hipóteses, até hoje, reuniu provas conclusivas.

Sabe-se que o criador — ou grupo de criadores — minerou os primeiros blocos da rede e acumulou uma quantia estimada entre US$ 70 bilhões e US$ 100 bilhões, com base no preço atual da moeda. No entanto, essas moedas nunca foram movimentadas. Por projeto, todas as transações do Bitcoin ficam registradas na blockchain, o que permite acompanhar o histórico de qualquer carteira. As ligadas ao bloco original permanecem intactas.

Isso alimenta novas especulações. Talvez Nakamoto tenha perdido o acesso às chaves criptográficas. Talvez tenha morrido. Ou, como sugerem alguns entusiastas, tenha deliberadamente destruído as chaves como um gesto político — para afirmar que o Bitcoin não seria uma ferramenta de enriquecimento pessoal, mas uma infraestrutura pública.

O código como pista

Nakamoto publicou o artigo fundador do Bitcoin no fim de 2008 e liberou o código-fonte em janeiro de 2009. E então passou a interagir com outros desenvolvedores em fóruns e listas de e-mail até solucionar alguns detalhes da implementação da moeda, mas desapareceu dois anos depois, sem deixar rastros.

Wallace compara os vestígios deixados nesse período, como estilos de programação, horários de postagens e vocabulário usado nas mensagens. Uma das pistas mais exploradas é o uso do inglês britânico, o que contrasta com o ambiente norte-americano da maioria dos envolvidos com o projeto.

Além dos aspectos técnicos, o autor identifica uma motivação ideológica na construção do Bitcoin. Nakamoto queria criar um sistema financeiro livre de intermediários e sem necessidade de confiança centralizada. “O momento em que você introduz identidade, você introduz confiança. E o Bitcoin foi criado justamente para evitar isso.”

Boa parte do livro é dedicada aos episódios da caçada por Nakamoto, que envolve desde jornalistas experientes até detetives amadores da internet. Wallace revisita o caso de Dorian Nakamoto, um engenheiro aposentado da Califórnia que teve sua casa cercada por repórteres após uma reportagem da Newsweek afirmar, com base frágil, que ele era o criador da moeda. A acusação provocou um colapso emocional no homem, que negou qualquer envolvimento com criptografia.

Outro alvo foi Nick Szabo, pioneiro do conceito de bit gold e autor de textos com estilo muito semelhante ao de Nakamoto. Uma análise linguística identificou similaridades nos termos técnicos e na construção de frases. Szabo sempre negou, mas a coincidência de ideias e linguagem mantém seu nome no centro das especulações.

Há ainda suspeitas mais ousadas. Wallace narra como um grupo de internautas investigou Neal King, um cientista que registrou um domínio com a palavra "bitcoin" antes mesmo do lançamento oficial. Também levanta a hipótese de que Nakamoto poderia ser um coletivo de acadêmicos britânicos, que teria usado um gerador de vocabulário controlado por IA para construir o white paper.

Em um dos trechos mais tensos, o autor relata sua visita a Craig Wright, empresário australiano que afirmou ser Nakamoto em 2016. Em sua casa, cercada por segurança privada e com armas à mostra, Wright oscilava entre frases técnicas incoerentes e declarações performáticas. “Foi como visitar o bunker de um personagem de thriller paranoico”, escreve Wallace. A maioria da comunidade cripto considerou suas provas fracas e inconsistentes.

O ambiente que criou o Bitcoin

O livro contextualiza a criação do Bitcoin no pós-crise de 2008, quando bancos centrais perderam credibilidade e projetos digitais alternativos começaram a ganhar espaço. Wallace mostra como a moeda se insere na tradição dos cypherpunks, ativistas que desde os anos 1990 defendem a criptografia como ferramenta de autonomia individual.

O Bitcoin, nesse contexto, surge como uma resposta técnica a uma crise institucional. Mas essa resposta gerou consequências inesperadas: tornou-se ativo de especulação, passou a ser usado em transações ilícitas e atraiu a atenção de autoridades financeiras.

O autor também detalha como o projeto abriu espaço para um novo mercado — com milhares de moedas memes, tokens e promessas — nem sempre sustentado pelos mesmos princípios técnicos ou éticos do original.

O sumiço como estratégia

Wallace argumenta que, ao sair de cena, o criador protegeu o projeto de disputas pessoais e ajudou a consolidar a narrativa de uma moeda verdadeiramente descentralizada.

O anonimato forçou os usuários e desenvolvedores a tratar o código como autoridade máxima, e não o fundador. Isso criou um precedente raro na história da tecnologia, onde produtos normalmente giram em torno de seus criadores. No caso do Bitcoin, a ausência virou um ativo.

Wallace explora ainda o efeito colateral disso: a proliferação de teorias conspiratórias. Há quem diga que Nakamoto seria um espião, um grupo de programadores, ou mesmo uma ficção coletiva. “Quanto menos você sabe sobre alguém, mais fácil é projetar suas ideias sobre ele”, escreve o autor.

O mito foi essencial para que a moeda escapasse da lógica corporativa tradicional e adotasse uma estrutura mais próxima de uma comunidade autônoma. Mas também criou um mito que ainda orienta debates sobre privacidade, regulação e poder computacional. “Talvez o objetivo nunca tenha sido encontrar Satoshi. Talvez o objetivo fosse que ele desaparecesse”.

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