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A história da cientista brasileira que 'fixou seu nome' em 15 milhões de hectares

Pesquisadora da Embrapa é reconhecida por suas contribuições à agricultura sustentável e ao avanço da fertilidade do solo

Mariângela Hungria: sua técnica é aplicada em 15 milhões de hectares (Embrapa/Divulgação)

Mariângela Hungria: sua técnica é aplicada em 15 milhões de hectares (Embrapa/Divulgação)

César H. S. Rezende
César H. S. Rezende

Repórter de agro e macroeconomia

Publicado em 19 de outubro de 2025 às 07h05.

No próximo 23 de outubro, Mariângela Hungria, pesquisadora da Embrapa Soja, receberá em Des Moines, nos Estados Unidos, o Prêmio Mundial de Alimentação 2025, considerado o “Nobel” da agricultura, em reconhecimento às suas contribuições para a produtividade agrícola e a sustentabilidade.

A pesquisa de Hungria promove o uso de microrganismos como fertilizantes, para reduzir a dependência de produtos químicos, aumentar a produtividade e diminuir o impacto ambiental — a técnica já é aplicada em 15 milhões de hectares no Brasil. Ela também contribui para um setor que deve chegar a 45 bilhões de dólares em 2032.

Natural de Itapetininga, interior de São Paulo, Hungria é formada em engenharia agronômica pela USP/Esalq, braço de agricultura de uma das principais universidades do país. Foi durante a graduação, diz ela, que se interessou pela pesquisa sobre processos biológicos para avançar a agricultura.

Segundo a pesquisadora, sua carreira sempre esteve atrelada à pesquisa, mas o início não foi fácil.

“Foi uma coisa muito difícil. Seria muito mais fácil ir para outra área. Mas eu realmente tinha uma convicção muito grande de que era aquilo que eu queria e que eu ia achar um jeito de dar certo”, diz.

Depois de se formar, Hungria fez mestrado, doutorado e pós-doutorado. É pesquisadora da Embrapa desde 1982, inicialmente na Embrapa Agrobiologia, no Rio de Janeiro, e, desde 1991, na Embrapa Soja, em Londrina (PR).

Fixação biológica de nitrogênio

A ênfase dos estudos de Hungria tem sido o aumento da produção e da qualidade dos alimentos por meio da substituição total ou parcial de fertilizantes químicos por microrganismos com propriedades como a fixação biológica de nitrogênio (FBN), técnica que permite que bactérias do solo forneçam esse nutriente essencial às plantas.

O uso de inoculantes com rizóbios e Azospirillum brasilense (bactéria alfa-proteobactéria fixadora de nitrogênio), isolados por Hungria, trouxe ganhos de produtividade que podem dobrar o rendimento de culturas como feijão e soja.

Segundo ela, no início da carreira, havia pouquíssimas pesquisas sobre microbiologia como solução para a fertilidade do solo. Começou estudando rizóbios, um tipo de bactéria que interage com as raízes de leguminosas para fornecer nitrogênio em troca de energia.

A pesquisadora descobriu que a aplicação anual dessa cepa à soja, por meio de inoculante, pode aumentar a produtividade em até 8% em comparação ao uso de fertilizantes sintéticos.

Além disso, Hungria foi a primeira a isolar cepas da bactéria Azospirillum brasilense capazes de melhorar a absorção de nitrogênio e fitormônios.

Hoje, mais de 70 milhões de doses de inoculantes combinados são vendidas e aplicadas em cerca de 15 milhões de hectares no Brasil a cada ano.

“Quando entrei na agronomia, nos anos 1970, tudo era centrado em insumos químicos. Eu acreditava que os biológicos tinham espaço, não só para pequenas hortas, mas para uma agricultura de alta produtividade”, afirma.

Para a pesquisadora, por muitos anos o conceito predominante era produzir alimentos para acabar com a fome no mundo, mas seu trabalho sempre esteve pautado na produção sustentável.

“Minha abordagem busca ‘produzir mais com menos’ — menos insumos, menos água, menos terra, menos esforço humano e menor impacto ambiental, sempre rumo a uma agricultura regenerativa”, diz.

Atualmente, Hungria é professora na Universidade Estadual do Paraná e na Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Ela reconhece que ser pesquisadora no Brasil é gratificante, mas também desafiador.

"A pesquisa tem ganhado muita força, especialmente com a escassez de fertilizantes químicos. No entanto, o cenário da pesquisa no Brasil é muito difícil. O financiamento é imprevisível, e as desigualdades entre os estados agravam a situação. Mesmo assim, os biológicos representam uma solução importante para o futuro da agricultura.

A cientista já publicou mais de 500 artigos e foi reconhecida pela Forbes como uma das 100 mulheres mais poderosas do agronegócio brasileiro.

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