Repórter
Publicado em 25 de agosto de 2025 às 16h21.
Última atualização em 25 de agosto de 2025 às 17h05.
O governo da China publicou no fim de semana um discurso de seu embaixador em Washington, nos Estados Unidos, Xie Feng, no qual ele defendeu a retomada da cooperação entre os países no comércio de soja. O posicionamento foi feito na sexta-feira, 22, durante evento promovido pelo Conselho de Exportação de Soja dos Estados Unidos.
"Sob a orientação estratégica dos dois presidentes, nossas equipes econômicas e comerciais realizaram recentemente uma nova rodada de negociações em Estocolmo e emitiram uma declaração conjunta", disse o diplomata, que complementou:
"A China está pronta para trabalhar com os EUA para implementar os entendimentos comuns alcançados pelos dois líderes, fazer bom uso do mecanismo de consulta econômica e comercial, construir consensos, desfazer mal-entendidos e fortalecer a cooperação, de modo a compartilhar juntos os dividendos do desenvolvimento e retornar ao caminho correto da cooperação de ganhos mútuos."
"Na soja, podemos ver o fato de que China e Estados Unidos têm a ganhar com a cooperação e a perder com a confrontação", disse a autoridade chinesa.
O diplomata apontou que a escalada tarifária enfraqueceu a relação comercial no setor agrícola entre os países.
"O crescente protecionismo sem dúvida lançou uma sombra sobre nossa cooperação agrícola. No primeiro semestre deste ano, as exportações agrícolas dos EUA para a China caíram 53% em relação ao ano anterior, e a soja caiu 51%", declarou Xie Feng.
Apesar disso, ele ressaltou que a China e os EUA têm uma parceria comercial natural, especialmente por serem os maiores importadores e exportadores mundiais de produtos agrícolas.
"Por anos, a China permaneceu como o principal destino dos produtos agrícolas americanos, e metade da soja americana exportada foi vendida para a China. De 2001 a 2018, antes do início dos atritos comerciais, nosso comércio de produtos agrícolas cresceu 15% ao ano, em média. Em 2023, as exportações agrícolas dos EUA para a China atingiram 29,1 bilhões de dólares americanos, representando quase um quinto do total. Em outras palavras, cada agricultor americano exportou quase 9 mil dólares americanos em produtos agrícolas para a China", afirmou.
Xie Feng também destacou que a agricultura foi uma das primeiras e mais relevantes áreas de parceria entre os países: "Vamos buscar resultados vantajosos para ambos, para que nossa cooperação agrícola continue florescendo".
No dia 11 de agosto, Trump defendeu em sua rede Truth Social, que Pequim quadruplicasse as compras de soja americana. A notícia naturalmente repercutiu entre produtores brasileiros, hoje responsáveis por 70% da soja que a China importa do mundo.
Na semana passada, segundo o jornal Folha de S.Paulo, a Associação Americana de Soja, que representa agricultores do setor no país, havia enviado uma carta a Trump afirmando que os produtores do grão nos EUA teriam perdido preferência de compra chinesa em detrimento de um suposto "contrato" com o Brasil.
"Nós agradecemos a sua postagem, reconhecendo a robusta safra produzida pelos fazendeiros de soja e instando a China a quadruplicar as importações", diz o documento.
No entanto, o grupo destacou: "infelizmente para os nossos produtores de soja, a China firmou um contrato com o Brasil para atender às necessidades dos próximos meses, evitando a compra de soja dos EUA."
Na carta, a associação afirmou ainda que, por conta das tarifas chinesas em resposta às medidas de Trump contra produtos de Pequim, a soja americana enfrenta uma taxação 20% maior do que a da América do Sul.
No início do mês, Donald Trump pediu ao governo chinês para quadruplicar a venda de soja dos EUA. No entanto, a medida é considerada inviável, segundo análise da Datagro publicada pela EXAME. A consultoria agrícola diz que o aumento de quatro vezes nas exportações impactaria o mercado interno americano, tornando esse número irrealista e a possibilidade, praticamente inviável.
Em 2024, a produção total de soja dos Estados Unidos foi de aproximadamente 118 milhões de toneladas. Desse total, 70 milhões de toneladas foram direcionadas para a indústria de esmagamento, para transformar os grãos em óleo e farelo, diz a Datagro.
Outras 44 milhões de toneladas foram exportadas, e 22 milhões de toneladas de soja deixaram os EUA para a China, patamar próximo de 52% do total exportado pelos americanos.
Para quadruplicar as vendas aos chineses, os americanos teriam, portanto, que enviar 88 milhões de toneladas para a China, o que impactaria toda a exportação para outros países e reduziria a quantidade disponível para esmagamento.
Rafael Silveira, consultor da Safras & Mercado, também avalia ser difícil imaginar que a China quadruplique a demanda por soja americana, especialmente em se tratando de uma safra velha — isto é, já colhida e negociada.
"O cenário ainda depende de uma possível postergação da trégua entre os dois países e de como a China irá se posicionar. No caso do Brasil, as exportações devem seguir aquecidas até o fim do ano, acompanhando a sazonalidade, e possivelmente atingindo níveis recordes", afirma Silveira.
A análise do Datagro é de que, para entender um possível impacto no Brasil, é preciso primeiro que o número real negociado nesse comércio de soja pela China e os Estados Unidos seja divulgado.
A avaliação é de que um número elevado foi colocado na mesa para que os americanos conquistem uma parte do mercado de soja chinês. Até o momento, essa informação não foi divulgada. "É provável que o Brasil saia impactado e perca um pouco de market share, porque é muito difícil não esbarrar nesses 70%. Mas tudo isso depende de quanto os Estados Unidos vão querer mandar para os chineses", afirma a consultoria Datagro.
Em 2024, o Brasil exportou 74,7 milhões de toneladas de soja para a China, totalizando US$ 36,5 bilhões. Os chineses compraram 105 milhões de toneladas de todo o mundo. Ou seja, o Brasil representa 70% do que a China compra do produto.
A China aumentou a compra de soja nos últimos anos em meio à queda do preço dos grãos — que caíram, entre outros fatores, em consequência de seguidas safras recordes brasileiras. Além do Brasil e Estados Unidos, a Argentina também é um dos principais fornecedores de farelo de soja do mundo.
Os países sul-americanos costumam ter preços menores do que os dos produtores americanos, o que torna os produtos da região mais atraentes para compradores chineses.
A soja é importante para os chineses para nutrição animal. O farelo de soja, por exemplo, tem função alimentar para produção suína do país, a maior do mundo.
Por isso, a avaliação é que qualquer mudança da política chinesa de importação de soja será feita de forma cautelosa, uma vez que se trata de uma questão de segurança alimentar para o país. Atualmente, o Brasil é origem de 25% dos produtos agrícolas importados pela China no mundo, como mostrou a EXAME no ano passado.