Cachaça: Em 2024, os embarques de cachaça geraram US$ 14,5 milhões, sendo cerca de US$ 3,5 milhões destinados aos EUA (Freepik)
Repórter de agro e macroeconomia
Publicado em 14 de agosto de 2025 às 16h56.
Última atualização em 14 de agosto de 2025 às 22h21.
O tarifaço imposto pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sobre o Brasil pode reduzir em 12% as exportações do setor nacional de cachaça. A projeção é do Instituto Brasileiro de Cachaça (Ibrac). Em volume, a queda deve ser de 6%.
Segundo cálculos da entidade, com a sobretaxa de 50%, que entrou em vigor no dia 5 de agosto, o valor das exportações deve cair cerca de US$ 1,6 milhão, cerca de R$ 8,7 milhões, até dezembro.
Para Carlos Lima, presidente do Ibrac, a tarifa representa uma ameaça ao espaço da cachaça nas prateleiras norte-americanas, com o maior prejuízo recaindo sobre os pequenos e médios produtores da bebida, que concentram grande parte da produção.
"Mais de 50% do faturamento desses pequenos e médios produtores está pautado na exportação para os Estados Unidos. O mercado interno brasileiro está saturado e não tem capacidade para absorver o volume produzido para exportação", afirma Lima.
Em 2024, os embarques de cachaça geraram US$ 14,5 milhões, sendo cerca de US$ 3,5 milhões destinados aos EUA.
O país lidera o ranking de exportação de cachaça brasileira em valor e ocupa a terceira posição em volume, atrás do Paraguai e da Alemanha, de acordo com dados do Anuário da Cachaça 2025, produzido pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa).
"A medida impacta diretamente a competitividade da cachaça brasileira no mercado americano, elevando o custo para os importadores e reduzindo a atratividade do produto, especialmente diante de outros concorrentes no mercado de bebidas alcoólicas", diz Lima.
Se não for revertido, a projeção aponta para recuo de 30% em valor e 15% em volume em 2026, diz o Ibrac.
O sistema de comercialização de bebidas alcoólicas destiladas é estruturado em três níveis: importador, distribuidor e lojas de varejo, sendo que cada um só pode vender para o nível seguinte.
Isso significa que um importador não pode vender diretamente para uma loja, e um distribuidor não pode vender diretamente para o consumidor final.
Como há a agregação de custos em cada nível, o impacto da tarifa de 50% resultará em um aumento significativo nos custos para o consumidor final.
Na prática, esse aumento será de 115%. Por exemplo, uma cachaça que hoje é vendida por uma loja de bebidas por US$ 30,00, passará a ser comercializada por US$ 64,50, diz o Ibrac.
De janeiro a julho deste ano, o Brasil exportou 4,9 milhões de litros de cachaça, com o total de exportações alcançando US$ 10 milhões. Os Estados Unidos lideraram em valor, com US$ 2,5 milhões, representando 24% do total.
Além disso, afirma o presidente, a produção brasileira não pode ser redirecionada para outros países, pois a cachaça exportada para os EUA segue padrões específicos de rotulagem e embalagem.
Nos Estados Unidos, é exigido que as garrafas tenham 750 ml, enquanto na União Europeia o padrão é de 700 ml, o que dificulta a redistribuição para outros mercados e até mesmo para o Brasil.
A necessidade de reembalagem e recertificação torna o processo custoso e, em muitos casos, inviável, diz o presidente. Além disso, a exportação de cachaça não é dominada apenas pelas grandes empresas, como muitos acreditam, diz Lima.
Segundo o executivo, a exportação se tornou uma alternativa para os pequenos e médios produtores, que buscam escapar da alta concorrência, da elevada tributação e das complexas obrigações acessórias do mercado interno.
"Muitas dessas empresas enxergaram no mercado externo, especialmente no norte-americano, uma oportunidade estratégica para aumentar sua rentabilidade e superar as dificuldades enfrentadas no Brasil", afirma.
Assim como o café, a carne bovina e os pescados, a cachaça não ganhou isenção do imposto que chega a 50% sobre o valor dos produtos.
O movimento Viva Cachaça calcula que o preço médio do litro exportado deve aumentar de US$ 4,49 (R$ 24,47) para US$ 6,44 (R$ 35,37).
"Vai impactar algumas famílias e alguns produtores que têm contratos no mercado americano, especialmente aqueles que fornecem para churrascarias e redes de lojas", diz Bruno Videira, mestre destilador, sommelier e fundador do movimento.
Em 2024, o número de estabelecimentos elaboradores de cachaça no país cresceu 4%, totalizando 1.266 unidades, com destaque para o estado de Minas Gerais, que concentra 40% dos estabelecimentos.
A cidade de Salinas, inclusive, carrega o título de "capital nacional" da bebida.
Desde que tomou posse, em janeiro, Trump passou a aumentar tarifas de importação sobre outros países, sob argumento de que eles estariam trazendo problemas aos EUA.
Trump quer que as empresas voltem a produzir nos Estados Unidos, em vez de ter fábricas no exterior, como fazem há décadas para cortar custos. Assim, ao encarecer as exportações por meio de novas taxas, ele espera que mais indústrias se mudem para os EUA e gerem empregos no país.
Além disso, Trump reclama do déficit comercial dos EUA com os outros países, e usa as tarifas como meio de pressionar os parceiros a comprarem mais itens americanos. Em vários casos, houve acordos nesse sentido: um compromisso de maiores compras ou abertura de mercados a produtos dos EUA em troca de Trump desistir de novas taxas.
Assim, analistas apontam que Trump usa as novas taxas como um elemento de pressão. Ele cria um problema que não existia antes, as novas taxas, e exige que os outros países mudem de postura para não implantá-las.