Publicado em 20 de setembro de 2025 às 08h04.
*Por Luana Pretto, presidente executiva do Instituto Trata Brasil
O saneamento rural é um tema que merece atenção, especialmente em um país da dimensão do Brasil. De acordo com o SINISA (ano-base 2023) apesar de ter sua população vivendo majoritariamente em áreas urbanas, 31,39 milhões de brasileiros vivem em áreas rurais, mais do que a população total da Austrália.
Enquanto as cidades concentram a maior parte dos investimentos em infraestrutura de água e esgoto – valor que sabemos estar longe do ideal –, as comunidades rurais frequentemente ficam à margem destes parcos avanços. A importância do saneamento rural vai muito além da simples disponibilidade de água limpa e banheiros adequados. Trata-se de uma questão de dignidade humana, desenvolvimento sustentável e conservação de nascentes.
Quando uma família no campo não tem acesso a um banheiro digno ou precisa consumir água de poços não tratados, ela fica exposta a uma série de doenças que poderiam ser facilmente evitadas. Doenças como diarreia, hepatite A e verminoses são comuns em áreas rurais com saneamento precário, e acabam sobrecarregando um sistema de saúde que, muitas vezes, já é escasso nessas regiões. Além disso, crianças que adoecem frequentemente por problemas relacionados à falta de saneamento têm seu rendimento escolar prejudicado, perpetuando ciclos de pobreza e desigualdade. A discussão sobre como melhorar esse cenário passa por entender as particularidades do meio rural e buscar soluções que sejam viáveis técnica e financeiramente, adaptadas à realidade dessas comunidades.
Um dos primeiros passos para entendermos essa realidade e cobrarmos melhorias é a disponibilidade de dados sobre o saneamento rural. O lançamento do SINISA (antigo SNIS) em março deste ano facilitou a compreensão desses desafios. Agora a base de dados conta com um indicador específico para o atendimento da população em áreas rurais, tanto para água quanto para esgoto.
O Novo Marco do Saneamento (Lei nº 14.026/2020) prevê que as metas de universalização devam garantir o atendimento de toda a população. Sendo assim, identificar precisamente os núcleos municipais com e sem a devida cobertura permite que a cobrança seja direcionada para aquele que de fato é responsável pelas áreas sem atendimento.
Os índices de atendimento da população rural no Brasil são assustadores: apenas 24,24%, ou 7,61 milhões de pessoas, são atendidos com rede de abastecimento de água e apenas 5,56%, ou 1,75 milhão de habitantes, contam com redes formais de esgoto. Os números estão bem abaixo se considerarmos o Brasil como um todo (urbano e rural), onde 83,1% da população conta com rede de abastecimento de água e 55,2% com atendimento de esgoto.
O grande desafio do saneamento básico em áreas rurais é o baixo adensamento populacional. Nos grandes centros urbanos, muitos prédios e casas dividem o mesmo quilômetro quadrado. Diferentemente, no meio rural, onde há necessidade de espaço para agricultura e pecuária, as residências são mais afastadas entre si. Por isso, o saneamento rural não pode ser tratado como uma versão reduzida do saneamento urbano: ele exige soluções específicas e inovadoras, mas não eficientes; desenhadas para responder às características e necessidades do campo.
Nesse contexto, a adoção de sistemas descentralizados – como tratamentos biológicos aeróbicos ou anaeróbicos – apresenta-se como alternativa eficaz. Essas tecnologias oferecem desempenho e qualidade no tratamento do efluente, permitindo atender desde unidades domiciliares até pequenas comunidades. Além disso, transformam potenciais passivos ambientais em recursos valiosos, como biofertilizantes aplicáveis à agricultura, promovendo a sustentabilidade e a economia circular.
Outro aspecto fundamental é a mitigação de riscos críticos de contaminação ambiental, sobretudo em áreas sensíveis, onde soluções de baixo desempenho poderiam causar impactos irreversíveis ao solo, à água e à saúde pública. De forma que, o sucesso dessas iniciativas depende do acompanhamento contínuo da qualidade e do desempenho dos sistemas adotados, aliado a programas de capacitação das comunidades, do poder concedente e do titular do serviço. Esse engajamento garante a operação e manutenção adequadas, assegurando a longevidade e a eficiência das soluções implementadas.
O saneamento rural é uma peça fundamental para o desenvolvimento sustentável do Brasil. Garantir que todas as famílias do campo tenham acesso a água limpa, banheiros adequados e manejo correto de resíduos não é apenas uma questão de saúde pública, mas também de justiça social e preservação ambiental. A ausência de tratamento adequado de efluentes nas áreas rurais representa uma ameaça direta à qualidade das águas superficiais e subterrâneas, incluindo nascentes e mananciais. Esgotos domésticos lançados em cursos d'água sem tratamento contaminam ecossistemas sensíveis, comprometendo a biodiversidade e a disponibilidade de água potável para consumo humano e animal. Proteger essas fontes hídricas através de um saneamento rural eficiente é, portanto, um investimento crucial na saúde ambiental do país e na resiliência dos recursos naturais que sustentam a vida no campo e nas cidades. As soluções existem, mas precisam ser implementadas com urgência, levando em conta as particularidades do meio rural e envolvendo as comunidades locais em todo o processo. Só assim será possível transformar a realidade do saneamento no campo e melhorar a qualidade de vida de milhões de brasileiros.
* Luana Siewert Pretto é Engenheira Civil (UFSC), com mestrado na área de Análise Multicritério (UFSC) e pós-graduada em Gestão de Projetos (FGV). Atuou na concessionária estadual de saneamento básico de Santa Catarina (CASAN) e como presidente da Empresa Pública municipal de saneamento básico Companhia Águas de Joinville. Atualmente, é Presidente Executiva do Instituto Trata Brasil.
Sobre o Instituto Trata Brasil
O Instituto Trata Brasil (ITB) é uma OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) que surgiu em 2007 com foco nos avanços do saneamento básico e na proteção dos recursos hídricos do país. Tornou-se uma fonte de informação ao cidadão para que reivindique a universalização deste serviço mais básico e essencial para qualquer nação. O ITB produz estudos, pesquisas e projetos sociais visando conscientizar o cidadão comum do problema e, ao mesmo tempo, pressionar pela solução nos três níveis de governo. A proposta é que todos conheçam a realidade do acesso à água tratada, coleta e tratamento dos esgotos e busquem avanços mais rápidos. Para mais informações, acesse: https://tratabrasil.org.br/