Soja: embarque argentino foi redirecionado por risco de não atender ao padrão chinês (Freepik/Freepik)
Repórter de agro e macroeconomia
Publicado em 21 de agosto de 2025 às 06h03.
Última atualização em 21 de agosto de 2025 às 06h08.
A decisão do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) de suspender a moratória da soja no Brasil não deve afetar o acordo entre União Europeia e Mercosul, afirmaram analistas à EXAME.
Uma das principais alegações do bloco europeu, especialmente por produtores franceses, é de que os produtos brasileiros não são ambientalmente responsáveis e, com isso, não faz sentido a tratativa.
"O Brasil tem um Código Florestal extremamente rigoroso, que não existe na Europa, na Ásia e em outros países produtores. É esse código que deve ser fortalecido e seguido pela cadeia produtiva", afirma Marcos Fava Neves, diretor da Harven Business School, especializada em agronegócio.
Segundo o executivo, a UE precisa respeitar o código brasileiro, que "é superior às suas próprias exigências de produção local".
Na última segunda-feira, 19, o Cade determinou que os traders de soja (empresas que comercializam o grão) suspendam o acordo da "Moratória da Soja" em 10 dias, sob pena de multas de R$ 250 mil.
Para Welber Barral, sócio da BMJ Associados e ex-secretário de Comércio Exterior do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), o Cade tomou uma decisão técnica, sem abordar a questão ambiental.
De qualquer forma, diz Barral, as empresas se encontram em uma situação complexa, pois terão que justificar à Europa por que não estão cumprindo a cota acordada.
"Do ponto de vista da evolução da negociação e da aprovação do acordo, isso não é um bom sinal. Mas não sei prever qual será o nível de reação europeia", afirma.
Desde 2006, o Brasil adota a moratória da soja, um acordo entre produtores, traders e organizações ambientais para impedir a compra de soja cultivada em áreas desmatadas na Amazônia após 2008.
A iniciativa visa proteger a floresta amazônica e promover uma produção agrícola sustentável, desestimulando o desmatamento ilegal para o cultivo de soja.
Na prática, segundo Marcelo Winter, sócio de agronegócios da VSBO Advogados, a decisão do Cade não impede que as empresas ou entidades signatárias do acordo adotem critérios independentes para a aquisição de soja.
"As companhias podem continuar a segregar e especificar de quem compram, por exemplo, não adquirindo soja de produtores que desmatam na Amazônia", afirma.
"No entanto, não poderão mais fazer isso de forma conjunta, como antes, quando trocavam informações, relatórios e realizavam auditorias em grupo. Agora, isso deverá ser feito de forma individual."
Para o advogado, o movimento do Cade é mais um capítulo no processo que envolve a moratória da soja.
Em outubro de 2024, a sanção da Lei 12.709/24 estabeleceu novos critérios para a concessão de incentivos fiscais em Mato Grosso, impedindo benefícios a empresas que participassem de acordos ou compromissos que restringissem a expansão da atividade agropecuária em áreas não protegidas por legislação ambiental específica.
A justificativa para a lei era proteger os produtores locais, argumentando que a moratória impunha restrições ilegais à agricultura, já que o Código Florestal permite o desmatamento de até 20% dentro do bioma Amazônia.
A medida gerou críticas de empresas afetadas, que consideram as novas exigências mais severas que as do Código Florestal, prejudicando a competitividade do produto mato-grossense.
Winter avalia que a suspensão do Cade não deve ter impacto imediato no setor produtivo, pois as empresas continuarão adotando seus critérios específicos.
"Outra consequência imediata será a possível judicialização dessa decisão, com empresas ou entidades de classe, como a Abiove, provavelmente desafiando a medida", diz.
O Cade atendeu a um pedido da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), que afirma que a medida traz prejuízos econômicos aos produtores rurais e à economia do país.
"O produtor brasileiro está sendo massacrado e está tendo uma redução consistente dos seus ganhos devido a essa prática. O que a CNA tem dito desde o começo é que a moratória nunca foi eficaz para reduzir o desmatamento na Amazônia", afirma Amanda Flávio de Oliveira, advogada da CNA.
Em nota, a Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja MT) "celebrou" a decisão do Cade, e afirmou que a medida é "um marco histórico na defesa da livre concorrência e da produção legal no campo".
O Brasil é o maior produtor mundial de soja e, na safra 2025/26, deve colher 182,9 milhões de toneladas do grão. Os principais destinos da soja brasileira são China, União Europeia e Estados Unidos.