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Tarifa de Trump ameaça o agro do Brasil — e encarece produtos nos EUA

País pode enfrentar dificuldades no fornecimento de itens que fazem parte do estilo de vida americano, como café, carne e suco de laranja

 (Freepik)

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César H. S. Rezende
César H. S. Rezende

Repórter de agro e macroeconomia

Publicado em 10 de julho de 2025 às 17h53.

Última atualização em 11 de julho de 2025 às 11h04.

A tarifa de 50% anunciada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sobre os produtos brasileiros ameaça as exportações do agronegócio e pode encarecer itens que fazem parte do estilo de vida americano, como café, carne e suco de laranja.

Além de ser o maior produtor mundial de café, o Brasil responde por 30% do market share de café nos EUA, segundo dados do Departamento de Estatísticas dos EUA, o que o posiciona como principal fornecedor do grão para o país, especialmente do tipo arábica. Em 2024, 83% do café desembarcado nos EUA era arábica.

No ano passado, os EUA representaram 16,1% de todas as exportações de café do Brasil, correspondendo, em termos de receita, a cerca de US$ 2 bilhões.

Com a taxação de Trump, países como Vietnã e Colômbia, que ocupam o segundo e o terceiro lugar, respectivamente, na produção global, não têm capacidade para oferecer uma quantidade significativa de café aos EUA, que têm uma demanda anual de 24 milhões de sacas. No caso do Vietnã, a produção é majoritariamente do tipo canéfora.

"Não se constrói um mercado da noite para o dia. Não será fácil para a Colômbia e o Vietnã abastecerem esse grande mercado americano tão rapidamente. A indústria americana precisará encontrar uma forma de suprir essa demanda", diz Eduardo Heron, diretor-técnico do Cecafé.

Para Heron, a tarifa de Trump abre espaço para o governo brasileiro negociar com os EUA, como foi o caso do Vietnã, que conseguiu um acordo de tarifa de 20% sobre o café.

"Nenhum outro país do mundo tem a capacidade de fornecer café arábica na quantidade que o Brasil oferece para os Estados Unidos, e certamente não na mesma proporção", afirma o diretor.

Segundo Luiz Fernando dos Reis, superintendente comercial da Cooxupé, a maior cooperativa de café do mundo, o Brasil pode sentir os impactos caso as tarifas passem a valer a partir de 1º de agosto, mas os EUA também não sairão ilesos da situação.

"Quem realmente vai pagar essa conta é o próprio consumidor americano. No final das contas, quem compra o nosso café terá de repassar a tarifa no preço, tornando-o mais caro. Não vejo o mundo preparado para atender e suprir um possível desabastecimento do Brasil", afirma o executivo.

Um estudo da National Coffee Association (NCA), citado pelo Cecafé, mostra que o café gera significativa riqueza nos EUA, já que o país importa café e agrega valor por meio da industrialização. Por lá, e 76% dos americanos consomem café.

Para cada dólar de café importado, são gerados US$ 43 na economia americana. Isso representa 2,2 milhões de empregos, correspondendo a 1,2% do produto interno bruto (PIB) americano, mostra a NCA.

A pesquisa também destaca que a indústria de café contribui com US$ 343 bilhões para a economia dos EUA.

A NCA negocia com o governo americano a possibilidade de retirar o café da lista de produtos taxados, em função da sua importância para a economia dos EUA.

A negociação está em andamento desde abril, quando Trump anunciou a primeira rodada de tarifas para vários países, incluindo o Brasil, e a ideia é colocar o café brasileiro na lista de produtos estratégicos, classificando-o como um produto natural não disponível nos Estados Unidos.

Com o anúncio de Trump, o setor cafeeiro do Brasil acredita que as negociações podem avançar.

Donald Trump: o presidente dos EUA anunciou a aplicação de uma tarifa de 50% sobre todas as importações do Brasil (Win McNamee/AFP)

Tarifa de Trump na carne

No caso da carne bovina, os Estados Unidos são o segundo maior mercado para as exportações da proteína brasileira. Em 2024, o Brasil respondeu por 22% do market share das importações dos EUA, segundo a Associação Brasileira da Indústria Exportadora de Carne (Abiec).

Até junho de 2025, as importações totais dos EUA somaram 478 mil toneladas, com o Brasil respondendo por 147 mil toneladas, o que corresponde a cerca de 31% do total importado nesse período, mostram dados da Abiec.

Contudo, países como a Argentina e o Uruguai, grandes produtores de carne, podem fornecer a proteína para o mercado americano, avalia Fernando Iglesias, analista da consultoria Safras & Mercado, ainda que a preços mais altos.

"Os três países vão conseguir atender a demanda norte-americana", diz Iglesias. "No entanto, a preços menos competitivos do que o Brasil no período anterior a essas tarifas de 50%. Isso remete a uma pressão inflacionária nos Estados Unidos."

Segundo a consultoria, em maio, os EUA pagaram, em média, US$ 6.143 por tonelada da carne bovina brasileira.

No mesmo período, ao analisar os concorrentes e suas remessas para os EUA, observa-se que a Austrália teve um preço médio de US$ 7.169 por tonelada, a Argentina, US$ 6.733 por tonelada, e o Uruguai, US$ 6.951 por tonelada.

As cotações recentes têm ocorrido a um valor médio de US$ 5,6 mil por tonelada. Ou seja, com a adição das tarifas, a carne bovina brasileira atingiria o preço de US$ 8.415 por tonelada.

A situação acrescenta um elemento inflacionário sobre a carne nos EUA, que sofre com o aumento de preços desde janeiro.

Em maio, a carne moída alcançou o preço médio mais alto já registrado, atingindo US$ 5,98 (R$ 32,34) por libra (454 gramas), segundo dados do Bureau of Labor Statistics (BLS) dos EUA, divulgados em 11 de junho. Um novo relatório será publicado na próxima terça-feira, 15.

O aumento foi de 16,2% em comparação com maio do ano anterior. Entre janeiro e maio de 2025, os preços da carne moída subiram 7,3%. Outros cortes de carne bovina, como bifes de contrafilé e acém, subiram 1,1% em maio. Nos EUA, 80% da carne consumida é utilizada para hambúrgueres.

Suco de laranja do Brasil

A situação do suco de laranja é um pouco mais complexa. O Brasil é o maior produtor de laranja e responde por 60% das importações americanas de suco de laranja.

Na safra 2024/25, encerrada em 30 de junho, os EUA representaram 41,7% das exportações brasileiras do produto, somando US$ 1,31 bilhão em faturamento, segundo dados da Secex consolidados pela CitrusBR.

Sem concorrentes à altura, a expectativa é de que os preços da bebida subam nos EUA, o que deve reduzir seu consumo, avalia Leandro Gilio, professor e pesquisador do Insper Agro.

"Existe uma certa dependência desse mercado. Não há como abastecer os EUA de outra maneira, a não ser com o suco brasileiro. Isso resultará em um aumento de preços para o consumidor americano, e muito provavelmente, a demanda será reduzida", diz ele.

Os Estados Unidos são o segundo maior produtor mundial de laranja, mas o país enfrenta a doença do greening, que reduziu sua produção.

No estado americano da Flórida, a produção, ao longo de 20 anos, caiu de 240 milhões para 20 milhões de caixas de laranja de 40,8 quilos.

A tarifa de Trump, se levada a cabo, vai causar prejuízos ao agro brasileiro. Mas o tradicional American breakfast também ficará mais caro.

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