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A guerra comercial de Trump chega com força ao Brasil. E agora?

País terá de se engajar em intensas negociações com seu segundo maior parceiro comercial enquanto incentivos eleitorais para Lula aumentam

Presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, durante a primeira sessão plenária da cúpula do BRICS no Rio de Janeiro (Mauro Pimentel/AFP)

Presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, durante a primeira sessão plenária da cúpula do BRICS no Rio de Janeiro (Mauro Pimentel/AFP)

Publicado em 9 de julho de 2025 às 21h49.

Última atualização em 9 de julho de 2025 às 22h19.

O Brasil até que tentou se esquivar da guerra comercial promovida pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Mas o anúncio de tarifas de 50% sobre importações brasileiras do presidente dos EUA sepultou esses esforços diplomáticos.

No calor dos fatos, é difícil entender os próximos passos, mas algumas coisas ficam claras, segundo analistas ouvidos pela EXAME. Em especial, o tom da carta enviada.

Em primeiro lugar, chama a atenção o nível de politização envolvido ao citar uma "caça às bruxas" ao ex-presidente Jair Bolsonaro, julgado por suposta tentativa de golpe de Estado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

O governo Lula já deixou claro em resposta na noite de quarta que não tem ingerência sobre o processo em curso contra Bolsonaro e que a sociedade brasileira rejeita "conteúdos de ódio, racismo, pornografia infantil, golpes, fraudes, discursos contra os direitos humanos e a liberdade democrática".

Na prática, são decisões do STF sobre as quais o governo brasileiro deixou claro não se envolver.

O governo brasileiro também disse que pode usar da lei de reciprocidade caso os EUA apliquem o anunciado por Trump. Em abril, a EXAME já havia mostrado que estava nos planos das autoridades brasileiros usar a lei no caso de um confronto como o de agora.

Tarifas altas -- e acima da média

Outro ponto que chama atenção é o percentual apresentado para as tarifas, de 50%, de longe o maior para parceiros de comércio significativos do país. Na prática, só a China recebeu ameaças de tarifas com essa magnitude desde que o republicano voltou ao cargo.

Esse nível de taxação é proibitivo para os exportadores brasileiros. No ano passado, o país exportou US$ 40,33 bilhões aos EUA e importou US$ 40,58 bilhões -- um superávit de US$ 253 milhões para os americanos.

Como lembrou o jornal New York Times, até o formato e o texto da carta diferiram das outras 21 cartas de negociações tarifárias enviadas na última semana.

Dessa vez, Trump até disse que abriu uma investigação por "ataques contínuos do Brasil às atividades de Comércio Digital de Empresas Americanas, bem como outras Práticas Comerciais desleais". A ser esclarecido.

Na imprensa americana, o tom adotado mostra o quão pessoal parece ser o tema para o presidente dos EUA.

"Essa carta é sem precedentes, em uma linguagem muito ofensiva, coercitiva, intimidatória. Nunca vi nada igual de um chefe de Estado dos Estados Unidos para outro chefe de Estado do tamanho do Brasil", diz o cientista político e pesquisador na Universidade de Harvard, Hussein Kalout.

O texto, avalia o pesquisador, é extremamente politizado. "A alegação das tarifas está conexa à questão do Bolsonaro. Não tem nada a ver uma coisa com a outra", afirma.

Para ele, a ameaça de elevar as tarifas para 50% é uma estratégia de Trump de forçar o Brasil a abrir seu mercado.

"No fundo, ele quer ampliar o superávit na balança comercial americana ou reduzir a capacidade de exportação do Brasil para lá", diz. "Então, de uma forma ou de outra, nós estamos falando de aumento do superávit na balança [para os EUA]."

Christopher Garman, diretor-executivo para as Américas da consultoria de risco político Eurasia, se diz otimista sobre a capacidade de negociar para baixo essa tarifa.

Diante da resposta brasileira, Garman avalia que Trump pode endurecer o discurso, mas não acredita que as tarifas entrem em vigor -- ao menos não nestes níveis.

"O Brasil não vai entregar nada do que Trump quer. Eles vão ameaçar uma retaliação, mas não acho que venha uma retaliação tão cedo. Normalmente, ele dobra a aposta quando se fala em reciprocidade", afirma o analista político.

Um caminho -- e a porta que Trump abriu na carta, avalia Garman -- é que empresas brasileiras que investem nos EUA anunciem ampliações no país.

No Planalto, segundo apurou EXAME, o anúncio causou surpresa. Auxiliares de Lula especulam que, diante da magnitude das tarifas, a ideia do presidente dos EUA seja iniciar uma rodada de negociação mais intensa entre os países.

"O entendimento é que foi uma represália às declarações do BRICS", diz um técnico do governo.

Oportunidade política?

Mas não passou despercebido dos olhares afiados da política uma oportunidade para Lula no caminho para as eleições de 2026.

"Igualmente importante: o Palácio do Planalto vê isso como uma grande oportunidade para 2026. O Itamaraty e MDIC tentavam segurar o Lula para não ter um discurso mais de confronto. Agora não tem nada que segure e vão pintar a família Bolsonaro como se aliando a alguém que está tirando emprego do Brasil", diz Garman.

Ele pondera que a decisão de Trump foi mais política do que motivada por quaisquer fatores econômicos. "Os incentivos eleitorais são para o acirramento da retórica de Lula", afirma.

Não por menos, o perfil do PT no X postou na noite de hoje um vídeo no qual diz: "É todo mundo contra o tarifaço de Trump e Bolsonaro".

Como lembra Maurício Moura, professor da George Washington University e fundador do instituto de pesquisa Ideia, antagonizar com Trump se mostrou um excelente cabo eleitoral em diversos países desde a volta do republicano à Casa Branca.

"O factual é que depois de Trump fazer essas abordagens frontais contra países ou chefes de Estado, houve uma melhora na popularidade deles", afirma Moura.

O maior exemplo, destaca o professor, foi Mark Carney, recentemente eleito primeiro-ministro canadense. "Mas isso aconteceu também com o Vladimir Zelensky, da Ucrânia, a Claudia Sheinbaum, no México, com Emmanuel Macron, da França", diz.

LEIA DE NOVO: Como Trump influencia eleições de outros países —e ajuda seus opositores

Ele lembra que Trump é uma figura rejeitada ao nível internacional.

"Todas as pesquisas mostram que ele é muito mais rejeitado, que tem uma imagem muito pior do que a dos Estados Unidos, por exemplo, em vários países", diz. "Quando uma figura amplamente rejeitada verbaliza esse tipo de ataque, obviamente ele cria um inimigo comum na opinião pública e isso beneficia a popularidade dos chefes de Estado que passam por isso."

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