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Análise: Moraes ignora Trump, dobra aposta contra bolsonarismo, mas consequências ainda são incertas

Apesar de guinada na popularidade de Lula com tarifaço, incertezas sobre próximos passos do governo dos Estados Unidos e sobre efeitos econômicos para o Brasil podem prejudicar petista

Palácio do Planalto: consequências dessa disputa sobre o futuro eleitoral de Lula têm sido alvo de diversas elucubrações. Há quem aposte em vitória acachapante do petista em 2026, impulsionado pelo sentimento de nacionalismo inflado pela tentativa de interferência de Trump no país. (Leandro Fonseca/Exame)

Palácio do Planalto: consequências dessa disputa sobre o futuro eleitoral de Lula têm sido alvo de diversas elucubrações. Há quem aposte em vitória acachapante do petista em 2026, impulsionado pelo sentimento de nacionalismo inflado pela tentativa de interferência de Trump no país. (Leandro Fonseca/Exame)

Antonio Temóteo
Antonio Temóteo

Repórter especial de Macroeconomia

Publicado em 18 de julho de 2025 às 14h07.

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), ignorou as pressões do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em favor do ex-presidente Jair Bolsonaro e o tornou alvo de novo inquérito que investiga o filho, o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro, por obstrução de justiça ao tentar buscar apoio do governo norte-americano para frear ações do Judiciário contra o pai. Na prática, a decisão de Moraes, que obriga o ex-presidente a usar tornozeleira eletrônica e o proíbe de usar redes sociais, tem potencial para escalar ainda mais as tensões políticas, econômicas e jurídicas entre o Brasil e o governo norte-americano.

O imbróglio comercial imposto por Trump ao Brasil por meio de uma sobretaxação de 50% aos produtos brasileiros é uma resposta do presidente dos Estados Unidos ao que considerou uma "caça às bruxas" de Moraes contra Bolsonaro no inquérito que investiga uma suposta tentativa de golpe de Estado.

Significa dizer que uma medida com potencial econômico significativo para a economia brasileira foi tomada por Trump como resposta a um processo político e jurídico em curso no Brasil contra Bolsonaro — sobre o qual um chefe de Estado de outro país não tem, ou não deveria ter, qualquer ingerência.

O tarifaço de Trump, no primeiro momento, fortaleceu a popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ficou claro que a população brasileira não admite interferência de outro país nos assuntos domésticos, sejam eles políticos, jurídicos ou econômicos.

Entretanto, auxiliares de Lula admitiram reservadamente à EXAME  que o Brasil não tem condições de "peitar" a maior economia do mundo em uma disputa comercial, mesmo que adote medidas de retaliação ao tarifaço.

Além disso, os mesmos técnicos das alas política e econômica temem que esse fôlego na popularidade de Lula possa durar pouco tempo se os efeitos da sobretaxação alcançarem os bolsos dos trabalhadores, na forma de desemprego e inflação. Por fim, não está claro para integrantes do governo que outras medidas Trump pode adotar para pressionar o Judiciário e, no fim das contas, o Brasil.

O receio do empresariado

Em meio ao imbróglio inédito em curso no país, os empresários brasileiros que se reuniram com o vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, clamam pela retomada das negociações por vias diplomáticas, pautadas pelo diálogo e sem retaliação.

Está claro que os executivos temem medidas ainda mais restritivas para os produtos brasileiros, tamanha a diferença de "musculatura" econômica entre Brasil e Estados Unidos. O setor privado tem pleiteado o adiamento na entrada em vigor do tarifaço, prometido por Trump para 1º de agosto.

Presidente Lula durante discurso em evento do Brics: apoio de Trump a Bolsonaro pode ser apenas um subterfúgio para o presidente dos Estados Unidos confrontar os países membros dos Brics, sobretudo a China, diz cientista político (Mauro Pimentel/AFP)

A análise do Palácio do Planalto e os próximos passos

Como mostrou a EXAME, o governo brasileiro aposta no adiamento das tarifas diante dos riscos de o tarifaço no Brasil afetar a população dos Estados Unidos, dependente do café, do suco de laranja e da carne importados de empresas brasileiras.

Os mais otimistas, entretanto, estão preocupados após a decisão de Moraes.

Um recuo do Judiciário nas investigações em curso contra Bolsonaro em decorrência das pressões de Trump “jogaria as instituições brasileiras no lixo” e “acabaria com a democracia brasileira”, afirma o cientista político Carlos Melo, professor do Insper.

“A Justiça não pode e não deve considerar aspectos políticos nas suas decisões. Assim como não é possível aos políticos impor ao Judiciário critérios políticos. A Justiça tem que ser soberana e não admite interferência de outros países”, diz.

LEIA MAIS: A guerra comercial de Trump chega com força ao Brasil. E agora?

Melo também questiona as reais motivações de Trump ao iniciar um conflito comercial com o Brasil. Para ele, o apoio a Bolsonaro pode ser apenas um subterfúgio para o presidente dos Estados Unidos confrontar os países membros dos Brics, sobretudo a China, que têm vocalizado propostas como alternativa ao dólar como moeda de transação global.

A tentativa de interferência de Trump no Brasil também mostra, segundo Melo, que o presidente dos Estados Unidos não respeita a soberania dos países e é um recado claro para todas as nações do mundo — sentimento capturado pela reputada agência Bloomberg: "A tarifa de 50% de Trump sobre o Brasil mostra ao mundo que nada está fora dos limites".

A falta de clareza sobre as reais intenções de Trump e que medidas ele tomará em resposta a decisão de Moraes que obriga um ex-presidente a ser monitorado por tornozeleira eletrônica trazem ainda mais incerteza política e econômica para o Brasil.

Além disso, as consequências dessa disputa sobre o futuro eleitoral de Lula têm sido alvo de diversas elucubrações.

Há quem aposte em vitória acachapante do petista em 2026, impulsionado pelo sentimento de nacionalismo inflado pela tentativa de interferência de Trump no país.

Por outro lado, há quem considere que os efeitos econômicos da guerra comercial, como inflação, redução do nível de atividade e desemprego, podem punir o atual presidente nas urnas.

Por ora, resta esperar o desenrolar dos próximos capítulos da história.

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