Agência de notícias
Publicado em 18 de junho de 2025 às 20h16.
A Polícia Federal (PF) afirmou, em relatório apresentado ao Supremo Tribunal Federal (STF), que o ex-presidente Jair Bolsonaro era o "principal destinatário do produto das ações clandestinas e da instrumentalização da Abin".
"Jair Messias Bolsonaro figura como o principal destinatário do produto das ações clandestinas e da instrumentalização da ABIN, ao tempo, dirigida por Alexandre Ramagem conforme se depreende das próprias anotações do então Diretor da ABIN", diz o documento.
A investigação teve início após o GLOBO revelar, em março de 2023, a compra de um sistema espião pela agência para monitorar a localização de alvos predeterminados em todo o país.
O relatório final da PF cita documentos encontrados com o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), ex-diretor-geral da Abin, que foram direcionados a Bolsonaro. Os textos tinham títulos como "Bom dia Presidente" e "“Presidente TSE informa".
"Estas são evidências que corroboram a concorrência do então Presidente da República das ações delituosas perpetradas na ABIN", alega a PF.
De acordo com o relatório, as "anotações revelam ações, cujo produto era encaminhado ao Presidente da República, materializando as ilicitudes perpetradas durante sua gestão como Diretor da ABIN em especial a disponibilização da estrutura do Estado Brasileiro para ações desviadas do sentido republicano".
Na semana passada, em interrogatório no STF na ação penal da trama golpista, Ramagem afirmou que não encaminhou os documentos para ninguém. Entretanto, a PF apontou que o mesmo conteúdo desses documentos foi repassado a Bolsonaro a outra investigados.
Um trecho do arquivo "Presidente TSE informa", por exemplo, que tinha críticas ao sistema eleitoral, foi enviado a um contato no WhatsApp identificado como JB 01 8, que tinha foto de Bolsonaro.
Na semana passada, questionado especificamente sobre esse arquivo pelo ministro Alexandre de Moraes, disse que eram apenas anotações, que não foram enviadas a ninguém.
"Não enviei a ninguém. Esse é um arquivo exclusivo meu, é um arquivo de diversas anotações, uma atrás da outra".
O conteúdo do arquivo "Abin Pendências" foi repassado ao contato JB 01 5, que a PF afirma que era "associado inegavelmente" a Bolsonaro. O texto tratava de medidas tomadas durante a pandemia de Covid-19.
O texto do documento começava com "Bom dia, Presidente", apesar de esse trecho não ter sido enviado. Um outro documento com esse mesmo nome foi encontrado. O conteúdo desse arquivo foi enviado em um grupo no WhatsApp com policiais federais que atuavam como assessor de Ramagem.
Em depoimento à PF no ano passado, Ramagem já havia dito que escrevia textos com fatos que podiam interessar a Bolsonaro, mas que não necessariamente enviava ele. Para a PF, essas "declarações não são condizentes com as evidências" e "se tratava de 'rascunhos' de mensagens" que seriam encaminhadas.
A corporação diz ainda que os eventos descobertos pela investigação "demonstram que as ações eram realizadas para obtenção de vantagens precipuamente do núcleo político" e que "as ações clandestinas, portanto, tinham seus produtos delituosos destinados ao interesse deste núcleo com ataques direcionados a adversários e ao sistema eleitoral dentre outros".
A PF apontou também uma possível interferência de Bolsonaro na Receita Federal. A medida teria ocorrido como parte de um esforço contra supostas irregularidades cometidas por auditores ao elaborarem um relatório de inteligência que mirava o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do ex-presidente.
O ex-secretário da Receita José Barroso Tostes Neto afirmou, em depoimento à PF, que foi procurado por Flávio para tratar do assunto, mas que as suspeitas contra os auditores eram improcedentes.
De acordo com a PF, a resistência de Tostes Neto em aceitar "os intentos sem arcabouço legal resultou na interferência na Receita Federal". Bolsonaro teria atuado para impedir a nomeação de um corregedor-geral do órgão escolhido pelo então secretário. A nomeação de Guilherme Bibiani foi aprovada pela Controladoria-Geral da União (CGU) e pela Casa Civil, e chegou a ser assinada pelo então ministro da Economia, Paulo Guedes, mas não foi publicada.
No seu depoimento, Tostes Neto narrou que o próprio Bolsonaro disse a ele que não concordava com a nomeação, porque temia que ele continuasse a suposta "perseguição" contra membros da sua família. O ex-presidente afirmou que gostaria de nomear outra pessoa, o auditor aposentado Dagoberto Lemos, que foi diretor do sindicato da categoria e havia promovido uma apuração sobre os auditores alvo de Flávio.
Por ser aposentado, contudo, Lemos não poderia ser nomeado para o cargo. Em agosto de 2021, foi editado um decreto presidencial para permitir que ex-servidores pudessem ocupar cargos como esse. Tostes afirmou a Bolsonaro, contudo, que havia outros impeditivos para a nomeação. Diante da insistência do presidente, ele pediu sua exoneração.
A PF apontou a participação de Bolsonaro no esquema de espionagem ilegal da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), mas o ex-presidente não foi incluído na lista de indiciados porque já responde pela mesma acusação no Supremo Tribunal Federal (STF) na ação penal da trama golpista.
No relatório final da investigação do caso conhecido como Abin paralela, a PF apontou indícios da participação de Bolsonaro na rede de espionagem ilegal da agência de inteligência. Segundo investigadores, o ex-presidente tinha conhecimento do esquema e era o principal beneficiário dele.
Mas a corporação entendeu que caberá à Procuradoria-Geral da República (PGR) avaliar se o ex-presidente deverá responder pelo crime de organização criminosa em dois inquéritos diferentes, o da Abin paralela e o da trama golpista.