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Custos do Judiciário chegam a 1,4% do PIB brasileiro

Especialistas apontam licenças compensatórias, pagamentos indenizatórios e verbas retroativas como ‘penduricalhos’ que ajudam a extrapolar o teto salarial

Supersalários no Judiciário: como benefícios administrativos e brechas legais ampliam os gastos públicos (Leandro Fonseca)

Supersalários no Judiciário: como benefícios administrativos e brechas legais ampliam os gastos públicos (Leandro Fonseca)

Agência o Globo
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Publicado em 7 de julho de 2025 às 06h52.

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Em uma comparação produzida em março pelo Tesouro Nacional, os tribunais de Justiça do Brasil registraram o segundo maior gasto entre 50 países, com um valor mais de quatro vezes acima da média internacional. O comparativo toma como base dados de 2022, que eram os mais recentes dentre os países analisados. Naquele ano, o Brasil gastou 1,33% do PIB — a média da lista é de 0,3% —, atrás apenas de El Salvador (1,59%).

O relatório também mostra dados brasileiros de 2023, que estavam disponíveis: a despesa havia subido para 1,43% do PIB, ou R$ 156,6 bilhões, dos quais 80,2% (R$ 125,6 bilhões) foram direcionados para pagamento de magistrados e servidores. Ou seja, um aumento de 11,3% entre esses anos.

Três pontos são apontados por especialistas para combater os gastos do Judiciário: licenças compensatórias, pagamentos indenizatórios e verbas retroativas. A escalada nas cifras foi observada nos últimos quatro anos, com a criação de benefícios por meios administrativos que, segundo Bruno Carazza, professor associado da Fundação Dom Cabral e colunista do Valor, não têm amparo legal.

— São benefícios nacionalizados para estados ou a nível federal por decisões do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), compostos em sua maioria por membros da carreira, que têm alto interesse em decidir em favor da categoria. Ou seja, surge benefício em um estado qualquer, e a associação de magistrados e do MP cria para toda a categoria.

A situação das contas públicas foi tema do evento “Agenda Brasil — o cenário fiscal brasileiro”, promovido em junho pelo jornal Valor, pela rádio CBN e pelo jornal O GLOBO no Insper, em São Paulo.

Procurados, CNJ e CNMP não responderam.

Supersalários e a falta de distinção legal

Um dos pagamentos, segundo Carazza, é feito sob descrição indenizatória, que é prevista pela Constituição. O problema é que parte do que é carimbado nesse quesito é, de fato, um pagamento remuneratório. A falta de distinção legislativa sobre esses tipos de remuneração é o que propicia brechas para turbinar esses salários, acima do teto constitucional de R$ 46,3 mil.

— A gente vê juízes ganhando R$ 100 mil, R$ 400 mil. Por exemplo: viajar é verba indenizatória, porque gera uma série de despesas que são indenizatórias. Já auxílio-alimentação e auxílio-saúde são remuneratórias, mas classificadas como indenizatórias. A distinção precisa ser rígida.

Outro problema também apontado pelos especialistas, os chamados pagamentos retroativos beneficiaram sete em cada dez magistrados brasileiros no ano passado, de acordo com um relatório da ONG Transparência Brasil lançado no começo de junho. Destes, 1.657 receberam acima de R$ 500 mil apenas nesta rubrica. “De janeiro de 2018 a abril de 2025, o Judiciário distribuiu ao menos R$ 10,3 bilhões em benefícios que, segundo o entendimento dos próprios magistrados, deveriam ter sido usufruídos em exercícios anteriores”, diz o documento. “Em todo o período analisado, 2.679 juízes e desembargadores receberam mais de R$ 1 milhão cada”, prossegue o texto.

— São pagamentos muito acima do teto. Entende-se que, em dado momento, algum benefício não teria sido pago, aí concedem isso com multa de 10, 15 anos. Só no ano passado, R$ 3 bilhões de reais foram distribuídos no Judiciário em retroativos fora do teto constitucional — afirma Cristiano Pavini, coordenador de projetos da Transparência Brasil.

Reações institucionais e propostas legislativas

Segundo ele, houve uma “enxurrada de decisões administrativas” relacionadas a pagamentos retroativos nos últimos dois anos.

Resolução recente do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Roberto Barroso, que preside o CNJ, estabeleceu que pagamentos retroativos só poderiam ser feitos com decisão transitada em julgado.

— Só que não foram todas as decisões administrativas atacadas, porque a decisão não é retroativa. Passaram a boiada e fecharam a porteira. São questões que vão onerar os cofres públicos por décadas — diz Pavini.

Ele também lista a licença compensatória, “penduricalho” que começou no Ministério Público da União (MPU) prevendo um terço do salário a mais por acúmulo de função.

— Transformaram uma remuneração em compensação. É uma folga que pode ser vendida como indenização. O Judiciário viu isso e replicou — aponta.

O projeto de lei 2721/21, cujo intuito seria organizar esses pagamentos, piora a situação. Se sancionado, apenas quatro incisos desse projeto aumentariam o impacto orçamentário em R$ 3,4 bilhões no Judiciário e no Ministério Público em 2025, com pagamentos em dobro do auxílio-saúde e do auxílio-refeição, segundo Jessika Moreira, diretora-executiva do Movimento Pessoas à Frente.

— Não faz sentido essas verbas serem classificadas como indenizatórias. A classificação entre indenizatório e remuneratório precisa ser corrigida, respeitando teto e descontando do imposto de renda.

Debate político no Senado

O tema chegou a ser ventilado no Senado recentemente. Ciro Nogueira (PP-PI) disse, em reunião na Casa, que nenhum tema seria “mais importante do que nós enfrentarmos o tema de supersalários no país”. Já o senador Esperidião Amin, (PP-SC) lembrou que o ministro Gilmar Mendes, do STF, usou a palavra “desordem” para se referir à questão, enquanto Jorge Kajuru (PSB-GO), em plenário, classificou os números dos supersalários como “estarrecedores”.

— O Brasil precisa, com urgência, enfrentar o desafio maior que é enxugar a máquina pública que temos — disse.

Procurados, os três parlamentares não quiseram comentar o assunto.

Uma das poucas vozes a tratar abertamente do tema, o senador Fabiano Contarato (PT-ES) defende o enfrentamento da questão.

— Precisamos de critérios objetivos e que essas verbas só possam ser criadas por lei, não por decisão administrativa de cada órgão. Não podemos mais adiar uma pauta que é de interesse de toda a sociedade e tem um impacto fiscal considerável.”

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