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Defesa de Torres nega ausência 'deliberada' no 8 de janeiro e diz que minuta jamais foi discutida

Ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança do DF responde a cinco crimes, incluindo tentativa de golpe de Estado

Agência o Globo
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Publicado em 2 de setembro de 2025 às 18h04.

Última atualização em 2 de setembro de 2025 às 18h05.

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A defesa do ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal Anderson Torres apresenta nesta terça-feira os argumentos do réu contra as acusações de participação de uma organização criminosa no julgamento da trama golpista no Supremo Tribunal Federal (STF).

O advogado Eumar Novacki se pronunciou diante da Primeira Turma da Corte e sustentou que não há provas que vinculem Torres à acusação de tentativa de golpe.

— A isenção é o que se espera dessa Corte, que eu sempre defenderei. Não há democracia sem instituições fortes e independentes — afirmou o defensor. — Esse julgamento não se confunde com vingança, trata-se de justiça. Não se pede benevolência mas aplicação firme da lei e do direito.

Novacki também argumentou que o seu cliente não conspirou ou relaxou o esquema de segurança no Distrito Federal quando o réu era secretário. Na ocasião, Torres integrava o governo Ibaneis Rocha e estava nos Estados Unidos de férias.

— Toda narrativa do MPF em relação a Anderson Torres parte da premissa que ele teria conspirado, teria participado de uma macabra trama golpista e deliberadamente se ausentado do DF (no 8 de janeiro), mas isso não é a verdade — disse o advogado.

O defensor contesta ainda a sugestão da Procuradoria-Geral da República (PGR) de que a viagem aos Estados Unidos não estava marcada com antecedência. A PGR diz que a GOL, companhia aérea, não confirmou a validade de documento de reserva.

Segundo o advogado, a viagem estava programada e era de conhecimento do então governador do Distrito Federal.

— A mais grave alegação trata-se da viagem de Torres para os Estados Unidos. Estranhamente o MP, nas suas alegações finais, traz na página 368 que Anderson Torres forjou provas no processo, o bilhete da passagem área da viagem para os EUA com sua família. É uma acusação gravíssima.

A defesa de Anderson Torres afirmou ainda que não há provas de que o ex-ministro da Justiça tenha feito ataques ao sistema eleitoral ou articulado medidas de ruptura.

Novacki disse que a participação de Torres em uma live de 2020 com Jair Bolsonaro foi restrita à leitura de trechos oficiais elaborados por sua equipe técnica.

Na ocasião, o então presidente fez diversos ataques às urnas eletrônicas, apesar de admitir que não tinha provas de fraudes. Já Anderson Torres reforçou as críticas de Bolsonaro, com base em recomendações de segurança feitas por peritos da Polícia Federal (PF).

— Ficou comprovado que o ex-ministro da Justiça foi convocado para uma live com o ex-presidente da República, desconfortável com o tema, porque não conhecia bem do assunto, pediu assessoria que trouxesse o embasamento técnico. A própria assessoria preparou trechos que ele se limitou a ler — afirmou.

Segundo o advogado, uma perícia audiovisual demonstrou que não houve opinião pessoal do então ministro durante a transmissão.

— Não se sustenta a tese de que ele teria usado aquele momento para falsas ilações em relação ao sistema eleitoral — acrescentou.

Ao abordar a reunião ministerial de julho de 2022, citada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) como um encontro de de cunho golpista, Novacki rebateu a acusação.

— Não se tratou de reunião para se tratar de ruptura, basta assistir o vídeo, existem palavrões, infelizmente. Mas palavrões ainda não são crime. Não há nada que motivasse uma quebra da normalidade, muito menos na fala de Anderson Torres — disse.

Atuação da PRF

O advogado também contestou a versão de que Torres, quando era ministro da Justiça de Bolsonaro, teria direcionado forças policiais em favor de Jair Bolsonaro nas eleições de 2022.

Ele citou depoimentos de integrantes da cúpula da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal para negar a acusação:

— De forma alguma, não teve nenhuma menção. Nem ao número 22, nem ao presidente Jair Bolsonaro, relatou o então diretor da PF, Márcio Nunes de Oliveira. Outro depoente, o brigadeiro Antônio Ramires Lourenço, disse que “em nenhuma reunião, em nenhum momento houve qualquer tipo de direcionamento”.

Novacki acrescentou ainda que o delegado Marcos Paulo Cardoso Coelho reforçou essa versão, destacando que a orientação de Torres era para que as forças de segurança cumprissem apenas suas funções constitucionais.

— O ministro foi enfático em dizer que não queria perseguição a A ou B, nem para um lado nem para o outro. Se houvesse crime eleitoral, a PF deveria atuar, como sempre fez — disse.

Minuta golpista

De acordo com a defesa, as acusações contra Torres se baseiam em interpretações distorcidas de mensagens de WhatsApp, que não encontram respaldo nos testemunhos colhidos no processo.

Outro ponto abordado pela defesa foi a chamada minuta golpista, encontrada na casa de Torres. Novacki sustentou que o documento não é o mesmo identificado no celular de Mauro Cid nem o discutido em reuniões com militares.

A defesa chegou a solicitar ao STF que fosse identificado o autor da postagem original, mas o rastreamento não foi concluído.

— No seu depoimento à Polícia Federal, Valdemar Costa Neto disse claramente: aquela proposta que tinha na casa do ministro da Justiça, isso tinha na casa de todo mundo — relatou o advogado.

A defesa argumenta também que, no dia 5 de janeiro, Torres conversou com militares para tratar da desmobilização dos acampamentos em frente aos quartéis.

— Isso é incompatível com quem estaria tramando golpe de Estado — afirmou o defensor: —— Quem tem intenção golpista vai desmobilizar os acampamentos e discutir até a possibilidade de prender seus líderes?

Testemunhas

Testemunhas ouvidas também foram citadas pela defesa durante o processo. O general Freire Gomes, o brigadeiro Baptista Júnior e o tenente-coronel Mauro Cid declararam que Torres não participou de reunião em que se discutiram medidas como estado de sítio. Representantes da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal afirmaram em juízo que não houve qualquer pedido de direcionamento de policiamento no dia da eleição por parte do então ministro da Justiça.

A defesa também citou perícia autorizada pelo STF em uma live atribuída a Torres, em que a PGR alegava divulgação de desinformação sobre o sistema eleitoral. O laudo, segundo Novacki, não identificou fake news no conteúdo analisado.

Julgamento

Torres é um dos oito réus do chamado núcleo crucial da trama golpista, ao lado do ex-presidente Jair Bolsonaro e de outros ex-ministros e militares. Ele responde por tentativa de golpe de Estado, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, participação em organização criminosa armada, dano qualificado ao patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado. A soma das penas pode chegar a 43 anos de prisão.

O julgamento teve início às 9h desta terça-feira com a leitura do relatório pelo ministro Alexandre de Moraes, relator da ação penal. Moraes afirmou que o país e a Corte só têm a “lamentar que mais uma vez se tenha tentado novamente um golpe de Estado”. Ele também criticou a proposta de anistia apresentada na Câmara por parlamentares bolsonaristas, ao dizer que “apaziguamento significa impunidade”.

Moraes acrescentou que, se existirem provas, os réus serão condenados:

— Assim se faz a Justiça. Esse é o papel do STF: julgar com imparcialidade e aplicar a justiça a cada um dos casos concretos, ignorando pressões internas e externas. É o mesmo respeito ao devido processo legal que o STF vem seguindo nas 1.630 ações penais ajuizadas pela PGR referentes à tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro de 2023.

Na sequência, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, pediu a condenação dos acusados. Ele argumentou que a impunidade poderia “recrudescer o ímpeto de autoritarismo” e colocar “em risco o modelo de vida civilizado”. Em sua sustentação oral, Gonet rebateu os argumentos das defesas de que não houve execução de um plano golpista. Segundo ele, para a configuração da tentativa de golpe não seria necessário um decreto assinado pelo presidente da República, e as articulações não poderiam ser tratadas como um “plano bonachão”.

O procurador-geral destacou ainda que documentos encontrados com os investigados previam “medidas de intervenção inaceitáveis constitucionalmente”. Bolsonaro, em depoimento, admitiu ter conversado com os comandantes das Forças Armadas sobre alternativas ao resultado eleitoral, mas disse que as discussões se restringiram a mecanismos previstos na Constituição.

Réus e ordem das defesas

Após a manifestação de Gonet, as sustentações orais foram abertas pela defesa de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro e único dos réus a firmar acordo de delação premiada. Em seguida, falaram os advogados de Alexandre Ramagem e do almirante Almir Garnier. Cada defesa tem até uma hora para se pronunciar, em ordem alfabética, com exceção do caso de Cid, que foi ouvido primeiro em razão da delação.

Torres é um dos oito réus do chamado núcleo crucial da trama golpista, ao lado do ex-presidente Jair Bolsonaro, dos ex-ministros Walter Braga Netto, Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira, do deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), do ex-comandante da Marinha Almir Garnier e do próprio Mauro Cid.

Eles respondem por crimes de tentativa de golpe de Estado, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, participação em organização criminosa armada, dano qualificado ao patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado. A soma das penas pode chegar a 43 anos de prisão.

O julgamento é conduzido pela Primeira Turma do STF, composta pelos ministros Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Cristiano Zanin, Flávio Dino e Luiz Fux, e terá ao todo oito sessões distribuídas em duas semanas.

Há cinco dias já reservados para o julgamento, em oito sessões.

Veja as datas do julgamento

  • 2 de setembro: 9h
  • 2 de setembro: 14h
  • 3 de setembro: 9h
  • 9 de setembro: 9h
  • 9 de setembro: 14h
  • 10 de setembro: 9h
  • 12 de setembro: 9h
  • 12 de setembro: 14h
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