Repórter
Publicado em 6 de novembro de 2025 às 14h33.
A Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira, 5, um projeto que revoga a norma que permitia a realização de aborto legal em meninas menores de 14 anos em qualquer fase da gestação e sem autorização dos pais, boletim de ocorrência ou decisão judicial. A proposta segue agora para o Senado.
O texto aprovado derruba integralmente a Resolução nº 258/2024, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), publicada no fim do ano passado.
O Conanda, vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, é composto por representantes do governo e da sociedade civil, e pretende elaborar e fiscalizar a aplicação de normas relacionadas aos direitos da criança e do adolescente no Brasil.
A norma tratava do atendimento a crianças e adolescentes vítimas de violência sexual e reconhecia a interrupção legal da gestação — nesses casos — como um direito humano.
O projeto foi apresentado pela deputada Chris Tonietto (PL-RJ) e teve urgência aprovada no mesmo dia, o que permitiu a votação direta no plenário.
O relator é o deputado Luiz Gastão (PSD-CE) e o texto contou com apoio de partidos como PP, PL, PSD, Republicanos, União Brasil e MDB.
A resolução do Conanda, publicada no dia 23 de dezembro de 2024, estabelecia que o aborto legal poderia ser realizado sem exigência de boletim de ocorrência, decisão judicial ou autorização dos responsáveis, quando houvesse risco à vítima ou suspeita de violência dentro da família.
O texto também afirmava que não existe limite de tempo gestacional previsto em lei e que esse fator não poderia ser usado como barreira para o atendimento.
A medida reforçava a autonomia da criança ou adolescente e o sigilo no atendimento médico, exigindo que profissionais de saúde e assistência social garantissem um ambiente acolhedor e livre de constrangimentos.
O PDL 3/2025 anula todos esses dispositivos. Tonietto afirma que o Conanda extrapolou suas atribuições ao tratar de temas penais e morais, e que a resolução violava o direito à vida e o papel dos pais ou responsáveis em decisões sobre menores de idade.
Segundo a justificativa do projeto, o texto do conselho criava ''situações de aborto indiscriminado" e impunha restrições à objeção de consciência de profissionais de saúde.
Por isso, o decreto legislativo suspende integralmente a resolução, impedindo que suas regras continuem em vigor.
Agora, o texto segue para votação no Senado Federal.
Após a aprovação do texto na Câmara, o Ministério das Mulheres emitiu uma nota manifestando sua preocupação com os impactos da medida.
Segundo a pasta, a decisão representa um retrocesso na proteção de meninas vítimas de estupro.
Veja a íntegra do texto:
"O Ministério das Mulheres expressa preocupação com a tramitação do Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 3/2025, que visa sustar a resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) sobre as diretrizes para o atendimento humanizado e prioritário de meninas vítimas de estupro na rede de saúde, buscando garantir a aplicação de direitos já existentes em lei. O PDL, ao anular essa orientação, cria um vácuo que dificulta o acesso dessas vítimas ao atendimento e representa um retrocesso em sua proteção.
A necessidade dessas diretrizes é uma resposta a um cenário alarmante. Entre 2013 e 2023, o Brasil registrou mais de 232 mil nascimentos de mães com até 14 anos, idade inferior à do consentimento, ou seja, são gestações infantis decorrente de estupro de vulnerável. Embora a lei garanta o aborto legal em casos de estupro, milhares de meninas são forçadas à maternidade anualmente. Em 2023, apenas 154 meninas em todo o país conseguiram acessar esse direito.
A gestação forçada é a maior causa de evasão escolar feminina e leva à morte de uma menina por semana no Brasil. A resolução do Conanda, construída com a participação da sociedade civil, não ultrapassa suas funções e nem cria novos direitos, ela apenas detalha como aplicar a lei para salvar vidas. Suspender esta medida é fechar os olhos para a violência e falhar com as meninas brasileiras".