Lula: petista vê os governadores de oposição se articulando em torno da violência (Ricardo Stuckert / PR/Flickr)
Publicado em 31 de outubro de 2025 às 14h38.
A repercussão política da megaoperação no Rio de Janeiro que matou 121 pessoas reorganizou a direita em torno de um discurso único e gerou preocupação no Palácio do Planalto.
A reunião dos governadores de oposição, dois dias após a ação policial, evidenciou a aposta no combate à violência urbana como contraponto ao bom momento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), identificado por diversas pesquisas de opinião por causa da reação ao tarifaço dos Estados Unidos e da queda dos preços dos alimentos nos últimos meses.
A reação do chefe do Executivo federal, de não condenar abertamente o trabalho das polícias do Rio e não embarcar no discurso de aliados em defesa das vítimas, não ocorreu à toa, de acordo com pessoas próximas ao petista ouvidas pela EXAME.
Mesmo com a máquina pública na mão, a percepção é que o governo não conseguiu formatar um discurso com apelo popular, e a defesa da direita por uma atuação mais enérgica das forças de segurança segue com mais adesão na sociedade.
Cila Schulman, presidente do instituto de pesquisa Ideia, afirma que a operação do Rio, com a repercussão que teve, nacionaliza o tema da violência e vira um "problema para o eleitor".
"A campanha já está adiantada. E a direita, sem um candidato claro, acaba se unindo em torno dessa pauta. O presidente Lula estava jogando parado, e agora essa pauta vem para complicar a agenda dele", diz Schulman.
O governo aposta na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública, que aumenta a atuação federal no combate ao crime, e na lei antifacção, que promete endurecer a legislação penal e processual para fortalecer o enfrentamento às organizações criminosas.
A PEC, principal bandeira petista, enfrenta resistência de governadores, principalmente da oposição. Eles afirmam que a medida tira a autonomia dos estados no combate ao crime.
Policiais militares apontam suas armas durante Operação Contenção, no complexo da Penha no Rio de Janeiro nesta terça-feira, 28 (Antonio Lacerda/EFE)
A operação ocorreu em um momento em que a atual gestão federal vive o auge da popularidade, e a direita se encontra sem uma liderança para dar o tom no debate público após a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e a aproximação de Lula com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
Agora, o debate sobre segurança pública — área em que a esquerda costuma patinar e a direita adota um discurso de endurecimento no combate à criminalidade, em meio ao crescimento de índices de violência que assustam a população — tornou-se uma forma de dar uma estratégia clara à oposição após meses de dispersão.
Fábio Zambeli, analista político e diretor de Public Affairs do Grupo In Press, avalia que a reorganização da direita é parcial, com os governadores Ratinho Jr. (PSD), do Paraná, e Tarcísio de Freitas (Republicanos), de São Paulo, adotando um discurso mais cauteloso. Ele vê que o momento tem mais relação com uma oportunidade de construção de discurso para a oposição.
"Vejo mais como oportunidade de construção de um discurso antipetista e de defesa da ordem do que uma coesão entre os governadores. Cada um tem uma agenda eleitoral distinta, e os fatores regionais ainda pesam bastante", afirma Zambeli.
Governadores da oposição se reúnem para formar 'Consórcio da Paz' após megaoperação no Rio (Reprodução/Governo RJ/Reprodução)
As declarações do governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, de que o Executivo federal teria negado ajuda na operação, e a reunião dos gestores estaduais preocuparam aliados de Lula.
A ideia de Lula é aproveitar o momento para dar tração à PEC da Segurança, mas aliados dizem que há, no governo, a ordem de criar outras estratégias para não deixar a direita surfar no tema.
O diretor da Paraná Pesquisas, Murilo Hidalgo, afirma que o instituto fez um levantamento e identificou que a operação foi positiva para Cláudio Castro e negativa para Lula.
Segundo ele, o episódio representa uma oportunidade para a direita pautar problemas da realidade e minar a popularidade do governo.
“Anistia, 8 de janeiro e soberania nacional na relação com os Estados Unidos dominaram a pauta, mas a pauta do dia a dia da população vai ter que entrar no debate público em algum momento, com questões como saúde pública, segurança, mobilidade, emprego”, afirma.
Ainda não é possível, porém, calcular o impacto político da repercussão da operação nas eleições do próximo ano.
“Vamos aguardar os próximos acontecimentos, as próximas crises. É muito cedo para falar, mas a operação foi boa para o Castro. A percepção da população é que ele tem razão”, diz Hidalgo.
Zambeli acrescenta que, apesar de a segurança ser um tema que ganha força — principalmente em grandes centros urbanos, onde a esquerda enfrenta mais dificuldade de penetração nas periferias e há um certo desgaste dos programas sociais tradicionais —, o debate econômico continua sendo determinante, sobretudo num cenário de tentativa de reeleição.
O governo tem apostado que a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, e a ampliação de benefícios como o novo vale-gás, a isenção de conta de luz para baixa renda e a linha de crédito para reforma de moradia, terão alto poder de influência na hora em que o eleitor for decidir o voto no próximo ano.
"Ou seja, mesmo que a segurança se consolide como bandeira da direita, a economia será o eixo central da disputa. Porque é por meio dela que o governo tenta reafirmar sua capacidade de entregar resultados e melhorar a vida das pessoas. No fim das contas, os dois temas não se anulam: eles se complementam. Segurança e economia estarão lado a lado no debate de 2026", afirma Zambeli.