Fux: ministro leu um voto de mais de dez horas (Gustavo Moreno/STF/Flickr)
Repórter de Brasil e Economia
Publicado em 10 de setembro de 2025 às 20h12.
Última atualização em 10 de setembro de 2025 às 23h16.
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, votou nesta quarta-feira, 10, pela absolvição do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por todos os crimes apontados pela PGR (Procuradoria-Geral da República) na denúncia de tentativa de golpe de Estado em 2022.
Bolsonaro, o almirante Almir Garnier, o general Paulo Sérgio Nogueira, o general Augusto Heleno, o ex-ministro Anderson Torres e o deputado federal Alexandre Ramagem tiveram as absolvições defendida pelo ministro em todos os crimes. O ministro afirmou que não há provas nos autos do processo da participação dos acusados na suposta trama golpista.
Até o momento, apenas o tenente-general Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, e o general Braga Netto, ex-ministro e candidato a vice em 2022, tiveram votos de Fux pela condenação em um dos crimes apontados pela PGR.
O julgamento foi suspensou após mais de 12 horas. Fux iniciou seu voto às 9h e encerrou às 22h45. A sessão teve uma pausa para o almoço de uma hora e duas paralisações de 10 minutos.
Ao defender a absolvição de Bolsonaro, 0 ministro citou possíveis atos executórios e apontou que a as provas apresentadas não evidenciam a participação do ex-presidente na suposta tentativa de golpe de Estado.
Segundo ele, não há provas de ações de que o ex-presidente atuou para impedir eleitores de votar e nem que os ataques contra o sistema eleitoral feitos em lives poderiam ser capazes de abolir o Estado Democrático de Direito.
"O réu Jair Bolsonaro tinha apenas o intuito de buscar a verdade dos fatos sobre o sistema eletrônico de votação", disse Fux.
Em relação à Abin Paralela, suposta organização criminosa que espionou os ministros do Supremo, deputados, senadores, ex-presidente e jornalistas, o ministro defendeu que há ilegalidade no acionamento da agência pelo então presidente.
Sobre a suposta minuta do golpe, que previa a decretação do Estado de Sítio, Fux disse que as medidas previstas no documento dependeriam de atos preparatórios envolvendo diversas outras autoridades, além do Presidente da República, e ressaltou que Bolsonaro é acusado de criar uma minuta sem o seu teor ser totalmente conhecido.
"O Estado de Sítio depende de pré-autorização do Congresso, da Constituição Federal. É inegável que a minuta precisaria passar por inúmeras providências para que se gerasse uma tentativa com violência e grave ameaça", afirmou.
No voto do relator da ação, Alexandre de Moraes, e na denúncia da PGR, Bolsonaro é apontado como líder da suspeita organização criminosa que tinha como objetivo um golpe de Estado.
Após uma explanação inicial de mais de seis horas sobre a sua avaliação dos crimes imputados pela PGR, Fux individualizou a conduta dos réus e votou da seguinte forma:
Mauro Cid:
Almir Garnier:
Jair Bolsonaro:
Walter Braga Netto
Paulo Sérgio Nogueira
Augusto Heleno
Anderson Torres
Alexandre Ramagem
O ministro votou pela absolvição de Cid e Braga Netto pelos crimes de organização criminosa com emprego de arma de fogo, dano qualificado pela violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado e golpe de Estado.
Para Fux, o ex-ajudante de ordens e ex-ministro devem ser condenados apenas por tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. A pena para o crime é de 4 a 8 anos. Com o voto, a Primeira Turma formou maioria para condenar Cid e Braga Netto por esse crime.
O ministro citou, principalmente, a atuação da dupla no plano Punhal Verde Amarela, que previa assassinar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o vice-presidente Geraldo Alckmin, e o ministro Alexandre de Moraes.
Apesar de defender a condenação de Cid e Braga Netto de forma parcial, Fux divergiu do relator do caso, Alexandre de Moraes, sobre as preliminares apontadas pelas defesas, onde votou para anular o processo pelo entendimento de que o caso não deveria tramitar na Corte, por julgar réus sem a prerrogativa de foro privilegiado.
No seu voto, Fux analisou os argumentos de acusação de cada crime para cada réu que foram apontados pela PGR.
O ministro disse que não há golpe de Estado sem a deposição de um governo legitimamente eleito. Ele também destacou que um golpe não é fruto de atos individuais.
“Não satisfaz o núcleo do tipo penal o comportamento de turbas desordenadas ou iniciativas esparsas despidas de organização e articulação mínimas para afetar o funcionamento dos poderes constituídos”, afirmou.
O ministro argumentou ainda que várias manifestações pelo Brasil terminam com depredações, mas não são enquadradas como golpe de Estado, apesar de terem natureza política. Ele citou como exemplos manifestações que culminaram em violência por black blocs em 2013 e 2014.
Fux acrescentou que eventuais acampamentos, manifestações, faixas ou aglomerações não podem configurar crimes.
O ministro chamou o 8 de janeiro de "turba desordenada" e que o episódio não caracteriza tentativa de golpe.
"Não configuram crimes eventuais acampamentos, manifestações, faixas e aglomerações que consistem em manifestação política com propósitos sociais, assim entendido o desejo sincero de participar do alto governo democrático, mesmo quando isso inclua a resignação pacífica contra os poderes públicos", disse.
Fux argumentou ainda que, na sua avaliação, os crimes de tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado de Direito são o mesmo tipo penal, e, por isso, considera que a incidência típica colocada pela PGR é "equivocada".
Ele afirmou que a tentativa de abolição é parte da tentativa de golpe de Estado. Sobre os atos preparatórios, o ministro destacou que essa justificativa escapa da aplicação da lei.
Fux descartou ainda que houve atos executórios de uma tentativa de golpe de Estado. No Direito Penal, atos executórios são as ações praticadas que dão início à agressão, transformando a intenção do criminoso em uma conduta típica, antijurídica e, portanto, punível.
“O ato executório deve ser qualificado pelo dolo, de maneira que [o acusado] aja com resolução e intenção de consumar o delito”, declarou Fux.
Além disso, Fuz defendeu que o dolo necessário deve ser contemporâneo ao ato executório e diz que a tentativa exige a certeza não só de que o agente pode prever, mas também que queria produzir tal efeito.
No caso do crime de organização criminosa com emprego de arma de fogo, o ministro defendeu que não há descrição na denúncia de que os réus tenham empregado arma de fogo em qualquer momento.
"As alegações finais contêm uma única menção a arma de fogo, que não guarda relação alguma com os supostos membros da organização criminosa", disse.
Ele argumentou ainda que a reunião de um grupo não necessariamente configura uma organização, e citou o caso do Mensalão.
"Como já destaquei, no caso do Mensalão, este tribunal concluiu, por maioria, que a reunião de vários agentes, voltados à prática reiterada de crimes de corrupção ativa, passiva, lavagem de dinheiro e crimes contra o sistema financeiro nacional, não preencheria a elementar típica concernente à série indeterminada de crimes. Razão pela qual os réus foram absolvidos dessa imputação de formação de quadrilha", disse.
Em relação ao crime de dano qualificado pela violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado, Fux decidiu que os réus do julgamento não podem ser condenados por danos realizados por terceiros, como nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023.
"O desconhecimento sobre o que cada réu danificou, ainda que indiretamente, inviabiliza a aferição das causas de qualificação do crime. Diante da ausência das individualizações das condutas, a responsabilização é absolutamente inviável. Não é cabível uma responsabilidade solidária em condenação penal", afirmou.
As posições de Fux nesta quarta-feira são um contraponto a suas decisões recentes dentro dos julgamentos sobre a tentativa de golpe. O ministro não considerou que o STF seria incompetente para julgar os réus presos durante o 8 de janeiro. O magistrado também acompanhou os colegas de Turma para aceitar a denúncia contra Bolsonaro e aliados.
Em mais de uma vez, Fux defendeu que ministros e juízes precisam ter a humildade de rever posições.
Antes de julgar o mérito, Fux votou a favor de questões preliminares levantadas pelas defesas de Bolsonaro e dos demais acusados.
Na primeira, votou a favor da incompetência do Tribunal para julgar a denúncia sobre a tentativa de golpe de Estado.
Segundo ele, não há autoridade com prerrogativa de foro para ser julgada na Corte, por isso, o caso deveria estar na 2ª instância.
"Compete ao STF principalmente a guarda da Constituição, cabendo-lhe processar e julgar originariamente nas infrações penais comuns o presidente da República, o vice-presidente da República, os membros do Congresso Nacional, seus próprios ministros e o PGR. O primeiro pressuposto que o ministro deve analisar antes de ingressar na denúncia ou petição inicial é verificar se ele é competente", disse.
O juiz argumentou que a prerrogativa sofreu "certa banalização" na interpretação constitucional, mas que os réus do processo perderam os seus cargos muito antes do surgimento do atual entendimento da Corte, que permitiria o julgamento no STF.
"O Supremo Tribunal Federal mudou a competência depois da data dos crimes aqui muito bem apontados pelo procurador-geral da República. O atual entendimento é recentíssimo", afirmou.
E complementou:
"A aplicação da tese mais recente para manter esta ação no Supremo, muito depois da prática dos crimes, gera questionamentos não só sobre casuísmos, mas, mais do que isso, ofende o princípio do juiz natural e da segurança jurídica."
A atual tese definida pelo STF determina que o foro continua na Corte "ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados depois de cessado seu exercício".
Fux diz entender que a interpretação correta sobre o foro privilegiado é aquela que foi definida pelo Supremo em 2018, quando a Corte restringiu a prerrogativa apenas para casos relativos a pessoas no exercício dos cargos.
O ministro declarou, então, que se a ação fosse julgada pela Corte, deveria ocorrer no Plenário e não na Primeira Turma.
"Ao rebaixar a competência original do plenário para uma das turmas, estaríamos silenciando as vozes de ministros que poderiam esterilizar a forma de pensar sobre os fatos a serem julgados nesta ação penal. A Constituição Federal não se refere às Turmas, ela se refere ao plenário, e seria realmente ideal que tudo fosse julgado pelo plenário do STF com a racionalidade funcional", disse.
Ao justificar o acolhimento da preliminar sobre o cerceamento do direito de defesa, Fux citou a fala dos advogados que alegaram que foram disponibilizados um "tsunami" de dados e com pouco tempo para análise.
Algumas defesas alegaram que existiam 70 terabytes de arquivos.
"Foi nesse contexto que as defesas alegaram cerceamento de defesa, em razão dessa disponibilidade tardia que apelidei de um 'tsunami de dados'", afirmou. "Nem acreditei, porque são bilhões de páginas e, apenas em 30 de abril de 2025, portanto, mais de um mês após receber a denúncia, em menos de 20 dias foi proferida a decisão deferindo a entrega de mídias e dos materiais apreendidos."
Fux relembrou ainda que o julgamento do caso do Mensalão demorou dois anos para ter a denúncia aceita pela PGR e mais cinco anos para ser julgado.
"Estou há 14 anos no Supremo Tribunal Federal. Julguei casos complexos, como o Mensalão. Cármen Lúcia, nossa decana, também esteve presente no processo. Foram dois anos para receber a denúncia, 5 anos para ser julgado. Um trabalho exaustivo do relator, mas que, diga-se, a realidade de um trabalho que ninguém conhecia melhor do que ele. Procurei analisar cada detalhe do seu trabalho, um trabalho muito denso", disse.
Sobre a delação de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Fux fez críticas, principalmente sobre possíveis mudanças de depoimentos ou omissões, mas votou para que o acordo seja mantido com os benefícios propostos pela Procuradoria Geral da República.
"Mas, nesse caso, o réu colaborou com as delações sempre acompanhado de advogado. E as advertências pontuais feitas pelo delator sobre o descumprimento do pacto, isso faz parte do rol de perguntas que se pode fazer ao colaborador. O colaborador acabou se autoincriminando", disse.
Com o seu voto, a Turma formou maioria pelo reconhecimento da validade da delação de Mauro Cid.
Segundo juristas ouvidos pela EXAME, quando um ministro vota pela nulidade de um processo, ele normalmente não vota no mérito, por entender que ele é inválido. Apesar disso, Fux realizou a leitura do seu voto.
Antes de votar, Fux defendeu que o princípio do STF é fazer a guarda da Constituição, "fundamento inabalável do Estado Democrático de Direito".
"Em qualquer tempo ou circunstância, a Constituição deve funcionar como um ponto de partida, como caminho e ponto de chegada de todas as indagações nacionais", afirmou.
O ministro falou ainda que não pode confundir o papel de juiz com o de um "agente político" e que a Corte não deve realizar "juízo político".
"Não compete ao STF realizar um juízo político, conveniente ou inconveniente, apropriado ou inapropriado. Ao revés, compete a este tribunal afirmar o que é constitucional ou inconstitucional, legal ou ilegal", disse.
Fux disse que a Corte tem como papel não apenas a interpretação da Constituição, mas também conduzir "um processo judicial que tem por finalidade maior assegurar a cada réu a plenitude do contraditório e da ampla defesa". O magistrado afirmou que o dever dos juízes é se manter imparcial e distante dos processos.
"O juiz deve acompanhar a ação penal com distanciamento, não apenas por não dispor de competência investigativa ou acusatória, mas também pelo seu necessário dever de imparcialidade. [...] É ele quem firma o juízo definitivo de certeza, distinguindo entre as hipóteses acusatórias e aquelas que se encontram amparadas por evidências concretas", afirmou.