Lula concede entrevista coletiva em último dia de viagem à Rússia (Ricardo Stuckert)
Agência de notícias
Publicado em 10 de maio de 2025 às 13h46.
Depois de assistir ao desfile militar do Dia da Vitória e se reunir com o presidente da Rússia, Vladimir Putin, em Moscou, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva desembarca neste sábado na China para uma visita de Estado. Nas reuniões que terá com o presidente chinês, Xi Jinping, Lula pretende reforçar os laços diplomáticos, defender o multilateralismo e buscar mais comércio e investimentos do país asiático em infraestrutura no Brasil.
Entre as discussões, está a possibilidade de os chineses instalarem uma fábrica de fertilizantes no Paraná, o que significaria menos dependência de ureia importada para atender ao agronegócio brasileiro.
Os compromissos oficiais começarão na segunda-feira, quando o brasileiro deve se encontrar com o primeiro-ministro da China, Li Qiang, em um seminário com a participação de empresários.
Mais distante dos Estados Unidos, desde a volta de Donald Trump à Casa Branca, a avaliação de auxiliares do governo é que a viagem aproximará Lula ainda mais da China. Diplomatas brasileiros, contudo, tomam cuidado para evitar que a presença no país asiático seja interpretada como uma aliança automática com os chineses, que estão em guerra comercial com os americanos. Segundo auxiliares, o presidente quer deixar claro que é capaz de equilibrar relações em meio à rivalidade entre Washington e Pequim.
Mas enquanto este será o terceiro encontro de Estado com o líder chinês desde que Lula voltou ao poder para um terceiro mandato, o petista ainda não se reuniu nem mesmo conversou com Trump desde a posse do americano, em janeiro.
Em entrevista à revista americana The New Yorker, publicada nesta semana, Lula criticou a postura expansionista de Trump, enquanto elogiou a ascensão da China como potência global. Ao comentar a guerra comercial de tarifas travada entre os dois países, o brasileiro defendeu o diálogo entre as duas potências, declarando que o mundo “não suportaria uma Terceira Guerra Mundial”.
— Agora que os chineses se tornaram competitivos, tornaram-se inimigos do mundo. E não aceitamos isso. Não aceitamos a ideia de uma segunda Guerra Fria. Aceitamos a ideia de que quanto mais semelhantes os países forem, mais eles precisarão dialogar entre si, porque não tenho certeza se o planeta aguentará uma Terceira Guerra Mundial — afirmou.
Em meio ao tarifaço de Trump, que dificultou a entrada de exportações de outros países no mercado americano, a previsão é que Lula e Xi assinarão mais de 20 atos em várias áreas, como tecnologia, agricultura, mineração, investimentos, finanças, comunicações, saúde e educação. A proposta de paz entre Rússia e Ucrânia, desenhada por Brasil e China, deve ser discutida, com a ideia de os dois países participarem de uma eventual mediação de um acordo. O principal interlocutor, hoje, é o presidente dos EUA, Donald Trump.
Ex-embaixador do Brasil na China e ex-cônsul em Xangai, Marcos Caramuru, conselheiro consultivo do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), avalia que a guerra comercial com os EUA só aumentou o interesse dos chineses em consolidar boas relações com os países que eles consideram ser parceiros confiáveis.
— Vamos ver cada vez mais empresas chinesas entrando em nossa realidade. E um óbvio interesse em ampliar a densidade do relacionamento — afirmou o diplomata, que se encontra em viagem à China. — Eu noto aqui, em toda parte, um entusiasmo para fazer coisas com o Brasil — relatou.
Eduardo Saboia, secretário de Ásia e Pacífico do Ministério das Relações Exteriores, disse que a discussão sobre as sinergias estará em pauta. Acrescentou que também está na agenda a visão convergente dos dois países em matéria de defesa do multilateralismo, defesa da reforma da governança global e da paz mundial.
— A magnitude da relação com a China é conhecida. Do ponto de vista comercial, as nossas exportações para a China são superiores às nossas vendas para os Estados Unidos e para a União Europeia. O Brasil é o sétimo principal fornecedor da China. Então é um momento de explorar novas vertentes de cooperação — disse Saboia.
A cientista política Denilde Holzhacker, professora da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), destaca que a visita ocorre no momento em que ministros da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) estarão em Pequim, para uma reunião com autoridades chinesas. A se ver, isso fortalece ainda mais a narrativa de que a China ocupa um papel privilegiado nas relações com a América Latina.
Segundo ela, isso é relevante no quadro da disputa entre China e EUA, pois evidencia o quanto os países latino-americanos têm se aproximado de Pequim, tanto em termos de comércio quanto de investimentos.
— Para a China, essa aproximação com o Brasil e outros países da região é estratégica, pois demonstra aos Estados Unidos sua crescente influência no continente. Essa influência desafia diretamente a tradicional presença americana na América Latina e reforça a posição da China como parceira indispensável — disse.
Celac e Sul Global
Após cumprir a agenda bilateral com Xi Jinping, Lula fará um discurso de abertura da reunião de ministros da Celac om a China. O presidente falará em defesa da maior participação do chamado Sul-Global nas decisões sobre grandes temas da agenda mundial.
Conforme Gisela Padovan, secretária de América Latina e Caribe do Itamaraty, haverá uma declaração conjunta e o Plano de Ação para o Triênio 2025-2027.
—São vários temas de interesse do Brasil, como economia digital, conectividade, gestão de riscos de desastres, mas também comércio e investimento, saúde, segurança alimentar e nutricional, ciência e tecnologia e transição energética — afirmou.
Para Luiz Augusto Castro Neves, presidente do Conselho Empresarial Brasil-China e ex-embaixador brasileiro em Pequim, os anúncios feitos até agora pelo governo americano, como a elevação de tarifas de importação, têm sido percebidos como hostis a seus aliados, o que os têm levado a buscar alternativas que sugerem algum desacoplamento em relação à economia dos EUA.
—A chamada Guerra Fria consagrou a hegemonia americana como a principal potência política, econômica e militar do mundo. Contudo, em um mundo em constante evolução e, sobretudo, mais globalizado, as referências mudam com rapidez crescente— disse Castro Neves.