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Mesmo com isenções, Região Sul é a mais afetada pelo tarifaço e estados correm para mitigar impactos

Cerca de 94% das exportadoras catarinenses preveem queda na receita; no RS cerca de 20 mil postos de trabalho poderão ser fechados, enquanto no PR setores responsáveis por 380 mil empregos estão pressionados

Indústria em SC: 69% das exportadoras do estado já registraram recuo nos pedidos (Leandro Fonseca/Exame)

Indústria em SC: 69% das exportadoras do estado já registraram recuo nos pedidos (Leandro Fonseca/Exame)

Rafael Martini
Rafael Martini

Editor da Região Sul

Publicado em 4 de agosto de 2025 às 07h57.

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A Região Sul do país segue como a mais afetada pelo tarifaço, mesmo após o anúncio da lista de isenção para quase 700 setores. Depois de São Paulo, os estados do Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina, são, respectivamente, os mais prejudicados com a nova taxação que entra em vigor na próxima quarta-feira, dia 6. A corrida agora é para atenuar os impactos do tarifaço.

Em Santa Catarina, por exemplo, 94% das empresas exportadoras preveem queda na receita, sendo que 51% delas estimam que a perda do faturamento será superior a 30%. E 69% das indústrias já registraram recuo no volume de pedidos feitos pelos importadores norte-americanos. O reflexo nos empregos também é claro: 72,1% das indústrias estimam demissões.

No Rio Grande do Sul, 86% das exportações serão afetadas, mesmo após a divulgação da lista de beneficiados. Cerca de 1,1 mil indústrias exportam para os EUA, o que representa 10% do total nacional. Essa dependência tem impactos diretos no mercado de trabalho: os segmentos mais expostos empregam 145 mil pessoas, 21,2% da indústria de transformação gaúcha. Estimativa preliminar aponta que mais de 20 mil postos de trabalho possam ser perdidos no estado. Embora a nova política liste 694 itens isentos da nova tarifa, apenas 14,3% das exportações industriais gaúchas se beneficiam dessas exclusões.

No Paraná, um dos segmentos mais afetados é o da madeira, já que as vendas para os norte-americanos representam mais de 98% do total da produção dessas empresas. Somente este setor responde por quase 40% das vendas paranaenses para os EUA. Em 2024, o estado exportou cerca de US$ 1,58 bilhão ao Tio Sam.

Na última sexta-feira, dia 1°, as Federações da Indústria de Santa Catarina (Fiesc) e do Rio Grande do Sul (Fiergs) apresentaram os números do impacto para quem exporta para os Estados Unidos e as estratégias propostas para mitigar o desemprego e disparada da inflação no Brasil. A Federação do Paraná (Fiep) encaminhou recentemente à Secretaria de Estado da Fazenda um documento sugerindo uma série de medidas tributárias e trabalhistas.

Embarques suspensos para 53% das empresas

“A pesquisa catarinense mostra que as perspectivas do setor para os próximos seis meses são de um cenário de redução de pedidos, demissões e recuo significativo no faturamento, demandando uma ação rápida e assertiva do poder público, de forma a preservar empregos e a nossa economia”, resume Mario Cezar de Aguiar, presidente da Fiesc.

Além de pedidos em queda, 53,84% das empresas foram obrigadas a suspender embarques. Os clientes norte-americanos pediram renegociação de preços para 38,46% das indústrias e 17,7% delas já deram férias coletivas aos trabalhadores. “O fator positivo é que 61,4% das indústrias já estão prospectando novos mercados internacionais, de forma a reduzir sua exposição aos Estados Unidos”, explica Pablo Bittencourt, economista-chefe da Fiesc.

Apenas 27,9% das exportadoras não preveem demissões como consequência das tarifas. Das indústrias que estimam demissões, 29,5% projetam cortes de mais de 30% dos empregados, enquanto 22,5% estimam demitir entre 10 e 20%. Já 21,7% das indústrias afirmam que a expectativa é demitir até 10% da equipe nos próximos 6 meses se as tarifas continuarem em 50%.

De forma geral, os principais produtos da pauta exportadora de Santa Catarina não estão na lista de produtos isentos. A presidente da Câmara de Comércio Exterior da Fiesc, Maria Teresa Bustamante, explica, no entanto, que a situação dos exportadores de SC deve ser avaliada caso a caso, considerando a longa lista de exceções. “Os produtos de madeira e derivados, como móveis, que lideram as exportações catarinenses para os Estados Unidos, estão sob investigação pela seção 232. Até o fim da investigação, essas mercadorias seguem sendo tarifadas com alíquotas anteriores ao anúncio do tarifaço”, explica.

Já o segmento de veículos e autopeças, segundo na lista dos principais produtos, tem taxa fixada em 25%, a mesma para todos os países do mundo, explica Maitê Bustamante. Não haverá sobretaxa de 50% ao setor.

Negociação deve ser intensificada

O Sistema Fiergs anunciou na última sexta-feira os próximos passos da atuação da entidade por medidas de apoio às indústrias gaúchas atingidas pelas tarifas impostas pelo governo dos Estados Unidos a produtos brasileiros. O alinhamento foi realizado na primeira reunião do comitê de crise instituído pela entidade e em encontro extraordinário da diretoria, com a participação de sindicatos industriais. Presidente da Fiergs, Claudio Bier, reforçou que a negociação deve prevalecer, mesmo após a publicação do decreto por Donald Trump, sem retaliações por parte do Brasil.

“A indústria gaúcha foi uma das mais penalizadas pelas tarifas, mesmo com as exceções anunciadas pelos EUA. Somos o segundo estado exportador para o mercado norte-americano, só perdemos para São Paulo. Os setores prejudicados empregam milhares de pessoas. São postos de trabalho que poderão ser ameaçados. Precisamos de medidas para mitigar esse impacto”, afirmou Bier em entrevista coletiva na sede da federação, em Porto Alegre.

Entre as principais demandas direcionadas ao governo estadual, a entidade irá solicitar incentivos fiscais, como a liberação do saldo credor de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) na exportação. A ampliação da linha de crédito de R$ 100 milhões, do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE), anunciada pelo governo estadual, também estará na pauta.

Junto ao governo federal, a Fiergs articula outras estratégias. A proposta é criar uma linha de financiamento com taxas entre 1% e 4% ao ano, específica para garantir capital de giro às empresas que tiveram suas exportações impactadas, bem como a suas cadeias produtivas.

A Fiergs também irá pleitear o pagamento imediato dos pedidos de ressarcimento de saldos credores de tributos federais, como PIS/Pasep, Cofins e Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), já homologados pela Receita Federal, além de mecanismos para garantir compensações mais ágeis. A Fiergs propõe, ainda, medidas trabalhistas semelhantes às adotadas durante períodos críticos, como a pandemia e as enchentes, incluindo a suspensão de contratos de trabalho, banco de horas e reativação do Programa Seguro-Emprego, com possíveis aperfeiçoamentos.

Prospecção por novos mercados

Representantes da Federação das Indústrias do Paraná (Fiep) e empresários de diversos setores industriais se reuniram no último dia 25, em Curitiba, com o secretário de Estado da Fazenda, Norberto Ortigara. Mesmo antes de entrar em vigor, a tarifa já causa prejuízo para diversos segmentos exportadores devido ao cancelamento de contratos. Por isso, durante o encontro, a Fiep entregou um ofício à secretaria em que destaca os impactos diretos da medida para a economia paranaense, sugerindo ações imediatas para mitigar os prejuízos e dar fôlego às empresas afetadas, com foco principalmente na preservação de milhares de empregos.

A maior parte das vendas aos Estados Unidos foi de produtos dos setores da madeira, móveis, carne, café e mate, pescados, couro e calçados, mel, metalmecânico, siderurgia, cerâmica, papel e celulose e sucos. Juntos, esses segmentos são responsáveis por mais de 380 mil empregos diretos e 240 mil indiretos no estado.

No documento, a Fiep ressalta que o anúncio do início da taxação já fez com que indústrias paranaenses sentissem efeitos econômicos em seus negócios. De acordo com a Federação, para a grande maioria dos setores citados, as tarifas têm o potencial de aniquilar o comércio com os EUA. No entanto, destaca a Fiep, diversas indústrias já estão adotando ações para atenuar ou postergar os efeitos da eventual perda desse mercado, como a concessão de férias coletivas.

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