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'Tarifaço' de Trump resgata motivação política de Lula e reanima candidatura para eleições de 2026

Presidente da República reencontrou ânimo de liderar o país e de concorrer à reeleição no próximo ano em meio ao imbróglio com os Estados Unidos, relatam aliados

Lula: presidente da República recuperou o ânimo político e auxiliares apostam que ele será candidato ao quarto mandato presidencial nas eleições em 2026. (Evaristo Sá/AFP)

Lula: presidente da República recuperou o ânimo político e auxiliares apostam que ele será candidato ao quarto mandato presidencial nas eleições em 2026. (Evaristo Sá/AFP)

Antonio Temóteo
Antonio Temóteo

Repórter especial de Macroeconomia

Publicado em 21 de julho de 2025 às 14h20.

O temor crescente nos corredores do Palácio do Planalto, semanas antes do tarifaço anunciado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, aos produtos brasileiros, era de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não seria candidato à reeleição em 2026, afirmaram à EXAME técnicos do governo. Os relatos de auxiliares do chefe do Executivo mostravam que uma disputada silenciosa entre os potenciais sucessores de Lula pela vaga — Rui Costa e Fernando Haddad — já era travada nos bastidores, com aumento do fogo amigo dos dois lados, sobretudo após a crise do IOF.

Se antes Lula se ressentia de o governo acumular problemas como a falta de uma marca para o terceiro mandato, de perder de "goleada" nas redes sociais para os bolsonaristas e do desempenho aquém do esperado de ministros, todas essas adversidades se tornaram menores após as tarifas de Trump.

Segundo auxiliares palacianos, parlamentares e ministros das alas política e econômica ouvidos pela reportagem nas últimas duas semanas, Lula — que parecia ter perdido o “espírito animal” de maior articulador desde a redemocratização — resgatou a motivação política para liderar o país na disputa política e comercial com os Estados Unidos.

A retomada do vigor de Lula, afirmaram aliados, foi sintetizada durante discurso na última sexta-feira, 18, durante visita a um trecho já finalizado da ferrovia Transnordestina no Ceará. O presidente reforçou que será candidato em 2026, impulsionado pelos eleitores que, na visão do Planalto, não querem um país subserviente aos Estados Unidos.

“Não se preocupem, vou fazer 80 anos de idade, se eu tiver com a saúde que estou hoje, com a disposição que estou hoje, pode ter certeza que serei candidato outra vez para ganhar as eleições nesse país. Podem ter certeza, serei candidato para ganhar as eleições nesse país. Eu não vou entregar esse país de volta para aquele bando de maluco que quase destrói esse país nos últimos anos. Pode estar certo disso, eles não voltarão. Eles não voltarão, não é porque Lula não quer, é porque vocês não vão deixar eles voltarem”, disse.

Motivação de Lula ganha respaldo nos números

A retomada da motivação de Lula nas últimas semanas cresceu no mesmo ritmo que as pesquisas internas da Secretaria de Comunicação (Secom) da Presidência da República apontavam que os eleitores reprovavam uma interferência de Trump em favor de Bolsonaro.

Os discursos e as ações de Lula passaram a ser modulados pelo ministro da Secom, Sidônio Palmeira, para responder ao que passou a ser classificado pelo governo petista como um ataque a soberania nacional. Lula, afirmaram auxiliares, passou da condição de futuro ex-presidente a de líder de uma nação unida por eleitores de esquerda e de centro que não admitem a interferência externa nos problemas do país.

Além de medir a temperatura política e a popularidade de Lula nas pesquisas, Sidônio reforçou nos últimos meses o monitoramento das redes sociais para enxergar tendências de opinião dos eleitores e pautar eventuais medidas do governo.

Um exemplo disso é que a decisão do presidente de vetar o projeto de lei que aumenta o número de deputados de 513 para 531 considerou, segundo técnicos da ala política, os dados apresentados pela Secom que mostravam que os eleitores eram contrários ao texto aprovado pelo Congresso. Além dos argumentos jurídicos apresentados na justificativa, o governo buscou dividendos eleitorais e para a popularidade do presidente, já que o veto foi anunciado em meio à crise comercial com os Estados Unidos.

O acordo político firmado antes do resultado do monitoramento de Sidônio era de que Lula deixaria vencer o prazo para o veto ou para a sanção do texto. E o ato de tornar o projeto em uma lei vigente no país caberia ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil -AP) — que havia anunciado que faria isso.

Retaliações aos Estados Unidos devem ser limitadas

As discussões sobre eventuais retaliações do governo brasileiro aos Estados Unidos ainda ocorrem em nível técnico e uma decisão política sobre o assunto ainda não foi tomada, afirmaram auxiliares de Lula.

Técnicos que participam desses debates afirmaram que os efeitos de eventuais medidas tomadas pelo governo brasileiro tendem a ser infinitamente menores do que se os Estados Unidos decidirem sancionar o Brasil.

“O Brasil também depende de empresas norte-americanas em setores estratégicos. A Embraer, por exemplo, para fabricar os aviões, depende de componentes fabricados nos Estados Unidos. O poder de pressão deles é significativamente maior e temos consciência disso”, afirmou um auxiliar de Lula.

Nesta segunda, 21, o ministro Haddad afirmou que apresentará ao presidente um plano de contingência com medidas de socorro ao setor privado caso as tarifas entrem em vigor em 1º de agosto. Haddad, entretanto, não detalhou que medidas fazem parte desse pacote, mas sinalizou que um programa de crédito pode estar entre os instrumentos em desenho pela equipe econômica (veja mais detalhes aqui).

Lula a apoiadores, em evento no Ceará:

Lula a apoiadores, em evento no Ceará: "Se eu tiver com a saúde que estou hoje pode ter certeza que serei candidato outra vez para ganhar as eleições nesse país" (Ricardo Stuckert/PR/Divulgação)

Consequências do embate político

Mesmo que o embate político com Trump tenha revigorado o espírito político de Lula, auxiliares do petista têm dividido as análises sobre as consequências eleitorais se o imbróglio se arrastar até o próximo ano.

No melhor dos cenários imaginados pelos auxiliares do presidente, Trump pode adiar o tarifaço diante do impacto negativo na própria popularidade já que o café, o suco de laranja e carne consumidos pelos norte-americanos têm origem no Brasil e há certa dificuldade de reposição dos estoques no curto prazo.

Uma crise interna nos Estados Unidos reduziria o ímpeto do republicano e, com isso, Lula se fortaleceria politicamente na disputa eleitoral do próximo ano.

No pior dos cenários, o presidente dos Estados Unidos pode reforçar a artilharia para o Brasil, aumentar as sanções e afetar diretamente a economia brasileira com queda do nível de atividade e aumento do desemprego.

Caso essa hipótese se torne realidade, afirmaram os auxiliares do petista, não está claro se o apoio ao governo Lula dos eleitores de esquerda e de centro que são contrários a interferência de Trump resistiria até as eleições de 2026.

Por que isso importa?

Para membros do QG de Lula, quem apostou no enterro político do presidente ainda em 2025 não contava com a interferência de Trump em favor de Bolsonaro, que, nessa perspectiva, resgatou a motivação política de Lula e melhorou a popularidade do petista.

No curto prazo, o presidente da República se fortaleceu e parece sinalizar apetite para mais uma disputa eleitoral no próximo ano. O que está claro é que o desfecho dessa crise entre Brasil e EUA terá efeito direto nas eleições presidenciais do país.

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