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Bússola Vozes: mulheres continuam em minoria nos espaços onde se decide o futuro do planeta

Se a COP30 fosse uma pessoa, com quem se pareceria? Uma menina indígena atingida pelas mudanças do clima ou um homem branco protegido pelos privilégios que aquecem o planeta?

A representação feminina nos assuntos da COP30 é assunto de extrema importância (FG Trade/Getty Images)

A representação feminina nos assuntos da COP30 é assunto de extrema importância (FG Trade/Getty Images)

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Publicado em 23 de outubro de 2025 às 10h00.

Por Hannah Victtoriano e Juliana Barros*

Pela primeira vez, o maior encontro climático do mundo acontecerá na Amazônia, em novembro de 2025, em Belém. Mas uma pergunta insiste em ecoar: qual “cara” o Brasil mostrará ao mundo no debate climático? 

Às vésperas do evento, os discursos sobre diversidade e representatividade ainda não se refletem na prática.

As barreiras são conhecidas

São elas econômicas, burocráticas e simbólicas, e afastam principalmente mulheres de comunidades tradicionais, indígenas, negras e periféricas. 

A COP30 ainda parece mais acessível a quem já ocupa o centro do poder do que a quem vive os efeitos da crise climática. É nesse contexto de desigualdade que surge a Carta das Mulheres para a COP30, um movimento que leva as reivindicações de diversas mulheres do Brasil ao espaço de debate.

Segundo a publicação Quem precisa de Justiça Climática, da Gênero e Clima, meninas e mulheres são desproporcionalmente afetadas pelas mudanças climáticas devido a estruturas de poder e desigualdades de gênero presentes em todos os países. 

Essa desigualdade se intensifica nos países do Sul Global, especialmente para grupos marginalizados, tornando evidente que fatores centrais da justiça climática, incluindo a perspectiva de gênero, precisam ser considerados. 

A narrativa de mulheres como vítimas passivas de desastres climáticos prejudica sua percepção como líderes na mitigação e adaptação, mesmo quando estão na linha de frente das comunidades afetadas.

O colapso dos recifes de corais de águas tropicais, registrado em outubro de 2025, marcou o primeiro evento de não retorno climático já reconhecido por cientistas. A perda desses ecossistemas vai além de um alerta ambiental.

Ela afeta diretamente as comunidades costeiras que dependem da pesca artesanal, sobretudo mulheres marisqueiras, ribeirinhas e populações tradicionais que sustentam suas famílias e preservam modos de vida tradicionais. 

Elas são as primeiras a sentir os efeitos da acidificação dos oceanos, da perda da biodiversidade e da insegurança alimentar causada pela crise climática.

Enquanto a ciência confirma o colapso dos corais, símbolo do esgotamento ambiental, o Brasil avança em direção oposta. Há poucos dias, o Ibama aprovou a licença para que a Petrobras inicie a exploração de petróleo na foz do Amazonas, uma das regiões mais sensíveis e biodiversas do planeta. 

A decisão reacendeu o alerta entre ambientalistas e lideranças indígenas do Amapá e Pará, que denunciam os riscos às comunidades costeiras, à pesca tradicional e à integridade dos ecossistemas marinhos amazônicos. 

A contradição é evidente: o mesmo país que sediará a COP30 em Belém, palco da discussão global sobre justiça climática, autoriza uma exploração que ameaça povos e territórios que sustentam o equilíbrio do clima.

Mulheres na linha de frente e a urgência da representatividade

São justamente essas mulheres, indígenas, ribeirinhas, quilombolas e periféricas, que enfrentam cotidianamente os efeitos mais severos da crise climática: escassez de água, calor extremo, insegurança alimentar, mobilidade precária e riscos de desastres ambientais. 

Mesmo assim, seguem na linha de frente da preservação e da sustentação da vida, muitas vezes diante da negligência estrutural e da violência sistêmica. Esses desafios tornam ainda mais evidente a urgência de incluir suas vozes nas decisões globais.

A ausência de representatividade nas decisões climáticas segue sendo uma realidade persistente 

Embora sejam as mais afetadas pela crise climática, as mulheres continuam em minoria nos espaços onde se decide o futuro do planeta. Esse desequilíbrio é visível nas delegações oficiais das conferências globais, onde a presença feminina cresce lentamente, ainda distante do equilíbrio necessário. 

O avanço rumo à paridade de gênero tem sido tímido, revelando que, mesmo diante da urgência climática, as estruturas de poder permanecem resistentes à transformação.

É nesse cenário que a Carta das Mulheres para a COP30 ganha força

Elaborada coletivamente durante o Festival de Inovação Política: Bancada Feminina na COP30, realizado em outubro, em Brasília, a carta reuniu mulheres de diversas regiões do Brasil, com diferentes experiências e trajetórias, mas unidas pelo compromisso com a sustentabilidade e a justiça climática. 

Entre as participantes estavam senadoras como: 

  • Professora Dorinha (UNIÃO-TO), 
  • Soraya Thronicke (Podemos-MS), 
  • Eliziane Gama (PSD-MA), 
  • Leila Barros (PDT-DF) 
  • Teresa Leitão (PT-PE), 

Além de deputadas federais como Soraya Santos (PL-RJ), Tabata Amaral (PSB-SP) e Marussa Boldrin (MDB-GO).

A carta será entregue ao embaixador André Lago, presidente da Conferência do Clima deste ano, e busca assegurar que as vozes femininas, especialmente de mulheres indígenas, negras, ribeirinhas e periféricas, sejam ouvidas e consideradas nas decisões que moldarão o futuro do planeta. 

Ela é uma ponte entre as experiências de quem sofre os impactos do clima e as mesas de decisão, reforçando que representatividade não é simbólica, mas estratégica.

Há mulheres que atravessam fronteiras e não esperam o convite chegar

Elas transformam urgência em ação concreta. Célia Xakriabá leva ao Congresso a importância dos povos indígenas na mitigação da crise climática, lembrando que o futuro é ancestral. 

Paloma Costa faz a pauta ambiental ecoar entre novas gerações, conectando territórios e esperanças. Amanda Costa, da Brasilândia para o mundo, leva o ativismo socioambiental das periferias ao debate internacional, provando que sustentabilidade é também um projeto de justiça.

Iniciativas como Elas no Poder reafirmam que formar meninas e mulheres para ocupar espaços de decisão é parte essencial da resposta à crise climática. A disputa pelo clima é, antes de tudo, uma disputa por voz, por quem pode ser ouvido e por quem decide o rumo do amanhã.

A COP30 será representativa? A resposta ainda está sendo escrita. 

O futuro do clima não será sustentável se continuar restrito aos mesmos rostos e vozes. O planeta pede uma política que reflita sua própria diversidade. Só haverá futuro possível se ele for, antes de tudo, interseccional. 

A COP30 será histórica se reconhecer que o clima também é uma pauta de gênero, raça e território.

*Hannah Victtoriano é comunicadora e Coordenadora de Imprensa e Parcerias da Elas no Poder. Juliana Barros é jornalista e Gerente de Comunicação da Elas no Poder.

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