Indústria de cimento ainda pode intensificar descarbonização (Getty Images/Getty Images)
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Publicado em 29 de outubro de 2025 às 15h00.
Por Paulo Camillo Penna*
Às vésperas da COP 30, que será realizada no Brasil, o setor brasileiro de cimento se apresenta como protagonista de uma trajetória rumo à descarbonização e neutralidade climática.
Em um cenário global onde a sustentabilidade se tornou premissa para o desenvolvimento, a indústria nacional demonstra que é possível conciliar crescimento econômico, responsabilidade ambiental e inclusão social.
Nossa liderança é comprovada por números. Enquanto a média global de produção de cimento gera 600 kg de CO₂ por tonelada, segundo a Associação Global de Cimento e Concreto (GCCA), o Brasil se destaca com uma das menores intensidades de carbono do setor: 580kg de CO₂ por tonelada.
Esse resultado é fruto de décadas de investimento em inovação, eficiência e, sobretudo, na economia circular.
A indústria brasileira é pioneira no uso de adições e subprodutos de outras cadeias, alcançando um dos maiores percentuais de substituição de clínquer (o componente principal do cimento) no mundo.
Além disso, dobramos o uso de combustíveis alternativos nos últimos 15 anos, superando 30% da matriz energética — índice inferior apenas ao da União Europeia.
Biomassas como casca de arroz, caroço de açaí e resíduos urbanos e industriais são hoje fontes significativas de energia, substituindo combustíveis fósseis como o coque de petróleo.
Tais avanços antecipam metas e atestam nosso compromisso com a sustentabilidade.
Desde 2019, o cimento é o único setor de base intensiva em carbono no Brasil a possuir um plano de descarbonização próprio. Este plano, o Roadmap da Indústria do Cimento, está sendo atualizado e dará origem ao Roadmap Net Zero 2050, com lançamento previsto durante a COP30.
A meta é clara: atingir a neutralidade de carbono até 2050, com foco no ciclo de vida completo do cimento.
Esse compromisso se alinha às diretrizes do Plano Clima, do Governo Federal. A indústria trabalha em colaboração com o mesmo para definir metas setoriais que garantam a descarbonização conciliando crescimento econômico.
Nossa agenda climática prioriza o desenvolvimento e a otimização de soluções de baixo carbono, como o incremento de matérias-primas e de combustíveis alternativos, o uso de energia elétrica renovável, a melhoria na eficiência dos sistemas construtivos, a captura e armazenamento de carbono e as soluções baseadas na natureza.
No entanto, a descarbonização profunda exige mais do que esforço setorial; requer políticas públicas eficazes e instrumentos de mercado. Para garantir a continuidade e a ampliação desse movimento, quatro pilares de política pública são urgentes:
O Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE), em atual regulamentação e previsto para iniciar a partir de 2030, é essencial.
Ao precificar as emissões, criará um incentivo econômico direto para a redução. Investimentos em tecnologias complexas, hoje inviáveis, se tornarão atrativos com o aumento do custo do carbono, gerando um ciclo virtuoso.
A descarbonização passa pela demanda.
O poder de compra do Estado, via programas de grande escala como o Novo PAC e o Minha Casa, Minha Vida (MCMV), é uma alavanca para fomentar essa demanda.
A inclusão de critérios de sustentabilidade e de pegada de carbono nos editais de licitação criará um mercado premium para o "cimento de baixo carbono", garantindo aos produtores o retorno sobre o investimento em processos mais limpos.
Embora iniciativas como a Nova Indústria Brasil (NIB), o Plano + Produção e o Fundo Clima sejam promissoras, os projetos e recursos efetivamente direcionados à descarbonização profunda dos setores carbono-intensivos continuam escassos.
Há uma necessidade premente de se viabilizar investimentos especificamente direcionados aos setores de difícil abatimento e que concentram grande parte da emissão industrial.
É fundamental a revisão de normas para valorizar o uso de Combustíveis Alternativos, seguindo a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) e o objetivo de banir os lixões.
Além disso, o reconhecimento e a integração das Soluções Baseadas na Natureza (SbN) e das remoções biogênicas (processos de captação e remoção de dióxido de carbono) nas políticas climáticas em construção são essenciais, pois o Plano Clima e o SBCE ainda relutam em incorporar estas soluções mais custo-efetivas para o país.
A transição para uma economia de baixo carbono exige um esforço coletivo entre indústria, governo, academia e sociedade.
A experiência brasileira prova que a descarbonização não é um entrave, mas uma alavanca para a competitividade e o desenvolvimento sustentável.
O futuro do clima exige ação — e a indústria do cimento está fazendo sua parte.
*Paulo Camillo Penna é Presidente da Associação Brasileira de Cimento Portland - ABCP e Sindicato Nacional da Indústria do Cimento – SNIC.