“Cuidar com o coração” nunca foi tão necessário (Pixelfit/Getty Images)
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Publicado em 20 de junho de 2025 às 10h00.
Por Rodrigo Shiromoto*
O conceito de “Omotenashi” ou “cuidar com o coração” é uma filosofia de vida japonesa que retrata o cuidado genuíno e intencional, indo além de qualquer expectativa. Um ato de nobreza que não exige ou requer nada em troca. Trata-se de uma preocupação pura com o sentimento e o bem-estar do outro, em um nível de doação que transforma qualquer experiência em algo especial, único e memorável.
Como essa filosofia se conecta com o nosso dia-a-dia profissional? Na rotina de entregas, trabalho, resultados e gestão? Em tudo. Ao menos para aqueles que entendem que a hospitalidade, muitas vezes esquecida na velocidade do mundo, é o principal pilar de sustentação para uma cultura organizacional forte e permanente.
Explico. “Cuidar com o coração” nas organizações significa, de maneira simples, colocar as pessoas como foco, substituindo e ampliando o antigo conceito de carreira e remuneração como únicas formas de demonstrar interesse e preocupação com aqueles que fazem as engrenagens girarem. Olhar para as pessoas com interesse, carinho e empatia, preocupar-se com a maneira como os colaboradores se sentem nas organizações, evidencia que a formação e construção de seres humanos é o caminho mais longo, mas também o mais gratificante para alcançar os objetivos empresariais.
Ao inserirmos a hospitalidade como principal valor a ser cultivado, provocamos positivamente os colaboradores de todos os níveis a refletirem sobre como os relacionamentos internos podem ser construídos e fundamentados no cuidado e confiança mútuos, atraindo o sentimento de segurança, típico dos nossos lares. Nada mais natural do que associar a palavra “hospitalidade” ao aconchego que encontramos em nossas casas, justamente o local onde os “personagens corporativos” não existem. Ora, se nos ambientes laborais a tônica das relações for o cuidado legítimo ao próximo, que transborda o ordinário, independentemente de qualquer reconhecimento, mais leve e feliz se torna a rotina de quem está inserido na organização.
A tal felicidade, tanto discutida e buscada, deixa de ser meio ou fim. A felicidade se torna uma consequência, ou melhor, o produto que se extrai de ambientes hospitaleiros onde a intenção de cuidado existe de forma não forçada. A quantidade de sorrisos se torna diretamente proporcional ao zelo ofertado aos colaboradores e à entrega das pessoas ao projeto do cuidado mútuo. O trabalho bruto, puro e simples, anteriormente branco e preto, se reveste de cores ao inserirmos a hospitalidade na equação, em um conjunto de ações que legitimamente alegram e transformam.
Ambientes onde a hospitalidade é vivida são inegavelmente nobres, justamente pelo fato da cordialidade e da cortesia atuarem como os principais motores propulsores que guiam o relacionamento entre as pessoas.
Equipes que são vistas e cuidadas pela gestão se preocupam com cada um dos seus membros, justamente pelo fato da hospitalidade reverberar, mutuamente, tanto em quem cuida quanto em quem é cuidado. Quem participa, o faz pela paixão de cuidar. Quem recebe, repassa o cuidado adiante, sendo prazeroso e gratificante nas duas vias. A hospitalidade é, assim, cíclica e harmoniosa, existindo um revezamento contínuo nos papéis de quem a oferece e de quem a recebe.
Como decorrência despropositada, quem se beneficia da hospitalidade cultivada nas organizações é inegavelmente o cliente, que convive com pessoas onde o “omotenashi” atua como core (centro), inclusive sob duas óticas bastante distintas. A primeira se vincula justamente ao tratamento que a ele é direcionado quando a hospitalidade é a pedra fundamental das equipes que o atendem.
O interesse e prazer profundo em servir, o foco no melhor atendimento e a antecipação de necessidades encanta quem contrata os serviços das empresas que olham para a hospitalidade como um atributo. A experiência vivenciada pelo cliente é tão grandiosa que ela constrói memórias profundas que nunca serão esquecidas. Em um paralelo bem próximo, restaurantes, hotéis e companhias aéreas visam proporcionar experiências de acolhimento com esse drive. Tal orientação é, sem sombra de dúvidas, replicável a qualquer organização que possui paixão no serviço que é executado.
O segundo benefício colhido pelo cliente se materializa na excelência dos serviços prestados. A partir do momento em que a organização possui como essência o cuidado mútuo entre os indivíduos dos seus times, maior é o volume de felicidade e leveza criado proporcionalmente. Equipes mais felizes e dispostas e que possuem a hospitalidade em seu DNA, automaticamente desempenham suas obrigações com níveis de entrega muito superiores, justamente pela vontade intrínseca em surpreender com soluções e produtos que vão muito além do esperado.
Ao cliente recepcionado por organizações hospitaleiras é ofertado um serviço exclusivo e individual. Foge-se do conceito one size fits all e se busca um tratamento particular, capaz, justamente, de construir vínculos.
Em um movimento virtuoso, hospitalidade, felicidade e excelência caminham lado a lado em um ganha-ganha inegável sob todas as óticas. O antigo conceito do “omotenashi”, tão tradicional na cultura japonesa, se mostra contemporâneo e, por que não, necessário em um momento de incertezas com a disrupção causada pela inteligência artificial.
Mirando um futuro já não tão distante, onde as máquinas orquestrarão as mais diversas atividades, a qualidade técnica do trabalho ou serviço entregue ao cliente deixará, ainda mais, de ser o diferencial concorrencial. Todos terão acesso a ferramentas capazes de entregar o mesmo nível de execução. É só uma questão de tempo.
Nesse cenário, o que de fato distinguirá as organizações que se manterão prósperas será a preocupação com os relacionamentos, tanto internos quanto externos, amparados pelo carinho e pela paixão em servir. O investimento generoso em hospitalidade e sua execução cíclica e diária será a base, a pedra fundamental para o sucesso.
“Cuidar com o coração” nunca foi tão necessário.
*Rodrigo Shiromoto é advogado especializado em Direito do Trabalho e Previdenciário e sócio do /asbz.
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