O primeiro passo é entendermos o que gera sobrecarga (Igor Suka/Getty Images)
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Publicado em 3 de junho de 2025 às 15h00.
Por Renata Rivetti*
Há quase um século, o economista John Maynard Keynes previa que os avanços tecnológicos nos trariam jornadas semanais de 15 horas. Décadas depois, vozes como a de Bill Gates sugerem um modelo de três dias de trabalho. A realidade, no entanto, mostra o oposto: nunca estivemos tão sobrecarregados. Nem tão doentes.
A digitalização ampliou o acesso e a conectividade, mas também estendeu o expediente para além do razoável. Um estudo feito em 2017, no Reino Unido, mostrou que somos realmente produtivos por apenas 2 horas e 23 minutos por dia, em média. O restante se perde em reuniões improdutivas, excesso de informação e falta de foco. E, no Brasil, seguimos premiando o workaholic como um profissional que é símbolo de performance, ignorando o custo humano e organizacional desse modelo.
Entre 2019 e 2020, foi realizado o maior piloto da semana de 4 dias no mundo, com 61 empresas e mais de 3 mil profissionais no Reino Unido. O resultado: aumento de produtividade, receita e bem-estar. Embora as realidades de cada país sejam distintas, o exemplo mostra que o modelo não é um capricho de países desenvolvidos, mas uma evidência. É possível desenhar formatos mais inteligentes e sustentáveis de trabalhar. Para além de um bom salário, o trabalhador busca flexibilidade, e ela pode coexistir com performance e resultados – é a sustentabilidade humana figurando como essencial para a sustentabilidade dos negócios.
Vivemos em um mundo onde o trabalhador produz menos do que 3 das 8 horas trabalhadas por dia, segundo pesquisa da Voucher Cloud. E onde dois em cada três trabalhadores trocariam de emprego, com salário igual ou menor, se este priorizasse seu bem-estar, de acordo com levantamento da Reconnect.
Por que, então, as empresas ainda enfrentam dificuldades em transformar essa consciência em ação? Criar programas de bem-estar superficiais ou reforçar ambientes de controle e metas irreais apenas mascaram os reais ofensores da produtividade: excesso de reuniões, uso ineficiente da tecnologia, ausência de foco e uma cultura imediatista que nos impede de priorizar o essencial.
O primeiro passo é entendermos o que gera sobrecarga e, consequentemente, pouca qualidade de vida. Uma pesquisa da Microsoft Work Trends Index apontou que, entre os principais motivos da nossa improdutividade, estão o excesso de reuniões e informações, a falta de foco, o mau uso da tecnologia, a cultura imediatista e a falta de padronização.
Combater esses ofensores vai ao encontro do bem-estar das pessoas. Ou seja, essa e outras pesquisas têm reforçado um conceito que antes parecia paradoxal: o de que produtividade e bem-estar são grandes aliados.
Portanto, o redesenho do trabalho exige não apenas entendimento sobre o cenário do trabalho, mas também ação prática, como revisão das agendas, adoção de ferramentas de priorização, foco planejado e uso estratégico da inteligência artificial para tarefas repetitivas. E não precisamos esperar o cenário ideal: podemos começar agora.
Tenho vivenciado esse processo em organizações como Nestlé, Heineken, Boticário e Natura: os resultados surgem quando se une performance com cuidado genuíno com as pessoas.
O futuro do trabalho depende da coragem de romper padrões ultrapassados, trazendo novos hábitos e novas formas de nos relacionarmos no e com o trabalho. Sustentabilidade humana não é antônimo de resultado. É o que, na verdade, o impulsiona.
*Renata Rivetti é especialista na ciência da felicidade, fundadora da Reconnect, palestrante, consultora e colunista da Fast Company Brasil. É formada em Administração pela FGV-EAESP, com pós-graduação em Psicologia Positiva na PUC-RS e especialização em Estudos da Felicidade na Happiness Studies Academy, além de possuir diversas certificações em bem-estar e saúde mental no trabalho nas universidades Harvard, da Pensilvânia e outras instituições.
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