Belém, em novembro, será palco de um teste decisivo (SXC.Hu)
Head da Beon - Colunista Bússola
Publicado em 9 de maio de 2025 às 10h00.
Última atualização em 9 de maio de 2025 às 13h07.
Conforme nos aproximamos da COP30, a ser realizada em Belém/PA, a emergência climática se faz sentir cotidianamente em recordes de temperatura, eventos extremos e perdas econômicas crescentes. Por isso, ambição e justiça climática devem ser resgatados como aspectos inegociáveis e fundamentais: sem metas robustas e sem equidade, não há solução crível para limitar o aquecimento global, evitar perdas e preservar vidas.
Recentemente, o secretário-geral da ONU, António Guterres, voltou a cobrar que cada país apresente novas NDCs antes da COP30, em Belém, e que essas metas sejam compatíveis com o limite de 1,5 °C. O alerta veio após constatar que, até fevereiro, apenas 10 % dos quase 200 signatários haviam entregue seus planos – um sintoma de falta de urgência que coloca a humanidade no rumo das “grandes tragédias e perdas” previstas pelos cenários mais sombrios do IPCC.
Metas alinhadas a Paris não são luxo diplomático; são condição mínima para qualquer cenário que evite o colapso climático. Nesse sentido, o exemplo do Brasil, que promete cortar entre 59% e 67% das emissões até 2035 e zerar o saldo climático até 2050, mostra que é possível calibrar ambição com credibilidade – desde que políticas de implementação acompanhem o discurso.
A ambição, contudo, só terá legitimidade se vier acompanhada de justiça. O princípio das responsabilidades comuns porém diferenciadas (CBDR) reconhece que todas as nações devem agir, mas nem todas carregam a mesma parcela histórica de emissões ou dispõem dos mesmos recursos para a transição. É nesse contexto que ganha força a ideia de um Balanço Ético Global (BEG), proposta endossada por Lula e bem-vista por Guterres: avaliar eticamente as novas NDCs assim que forem apresentadas.
O economista José Eli da Veiga aposta que o BEG poderá mensurar “os graus de insuficiência das anunciadas contribuições” e, ao escancarar lacunas, converter-se em “instrumento de auditoria moral das políticas climáticas, além de ótimo meio de responsabilização”. A perspectiva é clara: se os países ricos insistirem em metas tímidas ou em financiamento climático insuficiente, serão confrontados não só por modelos matemáticos, mas por um juízo ético capaz de mobilizar opinião pública e pressionar os tomadores de decisão.
Esse duplo crivo – científico e moral – reforça a simetria entre ambição e justiça: uma NDC ambiciosa, mas financeiramente inviável para países em desenvolvimento, é tão ineficaz quanto uma meta modesta de uma economia avançada que dispõe de todas as condições para fazer mais.
Belém, em novembro, será palco de um teste decisivo. Para sair da COP30 com mais que declarações, o Brasil precisará usar sua posição de anfitrião para destravar três frentes: (1) fomentar que grandes emissores apresentem NDCs compatíveis com 1,5 °C, (2) garantir que o financiamento de adaptação e perdas e danos avance, e (3) assegurar que o BEG seja adotado como mecanismo permanente de escrutínio. Sem esses elementos, qualquer acordo corre o risco de repetir a história recente: promessas que evaporam na primeira crise política.
Quando ambição se divorcia de justiça, o resultado costuma ser paralisia: metas inalcançáveis para quem menos emitiu ou concessões inconsequentes para quem mais se beneficiou do carbono barato. Por outro lado, justiça sem ambição engessa o processo, eternizando debates sobre quem paga a conta enquanto a temperatura continua subindo.
Uni-los significa reconhecer que limitar o aquecimento exige cortes de emissões rápidos, profundos e universalmente distribuídos de maneira justa. O BEG oferece um caminho para medir se estamos, de fato, cumprindo essa equação. Cabe à sociedade civil, aos cientistas e à imprensa manter o tema na agenda, traduzindo números em narrativas que toquem decisores e eleitores.
Em última instância, a COP30 será lembrada não apenas pelo que se negociou nos salões oficiais, mas pelo sinal que enviou ao mundo: de que ainda há tempo – e responsabilidade compartilhada – para agir. Ambição e justiça, juntos, podem transformar esse sinal em rota.
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